“Isto aqui não é apenas um debate, é um ato de resistência contra o desmonte do setor energético patrocinado por este governo”, disse Luiz Pinguelli Rosa
Luiz Pinguelli Rosa, professor emérito da COPPE/UFRJ e ex-presidente da Eletrobrás, caracterizou bem o significado do seminário intitulado o “Impacto tecnológico da privatização do setor de Energia”, realizado pela Associação dos Docentes da UFRJ (AdUFRJ), no auditório da Coppe, na manhã de quarta-feira (02). “Isto aqui não é apenas um debate, é um ato de resistência contra o desmonte do setor energético patrocinado por este governo”, disse ele.
A presidente da AdUFRJ, Maria Lúcia Werneck, abriu o encontro, que faz parte das mobilizações que a AdUFRJ organiza em defesa da Educação, da Ciência e da Tecnologia.
Além de Pinguelli Rosa, participaram, como debatedores, o professor Ildo Sauer, do Instituto de Energia da USP e ex-diretor da Petrobrás, Roberto Pereira D’Araujo, do Instituto Ilumina, Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da UFRJ e ex-secretária do Orçamento Federal, e Luís Eduardo Duque Dutra, professor da Escola de Química da UFRJ e ex-assessor da diretoria da Agência Nacional de Petróleo.
ILDO SAUER: “LEILÃO DO PRÉ-SAL É UM DESCALABRO”
O primeiro debatedor foi o professor Ildo Sauer.
O ex-diretor da Petrobrás fez um apanhado do que significou para a Humanidade a descoberta do petróleo como fonte de energia e destacou, particularmente, o potencial que a descoberta das reservas do Pré-sal podem trazer ao desenvolvimento econômico do Brasil. Para ele, o excedente produzido a partir das transformações tecnológicas, particularmente no setor de energia, é motivo de grande disputa no mundo.
“Desde a formação do cartel do petróleo, oficializado em 1928 no Castelo de Achnacarry, na Escócia, e do setor elétrico, em 1936, há uma encarniçada luta pelo excedente econômico criado por esses setores de energia”, relatou Ildo Sauer.
“É isto o que até hoje está em jogo no mundo, a disputa pelos países que detêm o poder econômico e tecnológico sobre esse excedente econômico criado na área do petróleo e da energia elétrica”, afirmou o professor da USP.
Sauer ressaltou a importância da criação da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) em 1960 e, também, da criação das empresas estatais de energia, entre elas a Petrobrás e a Eletrobrás, para desbancar o poder dos trustes internacionais que dominavam o setor antes do processo de descolonização da África, Ásia e América Latina, ocorrido na década de 1940, 1950 e 1960.
Isso, segundo o professor, “foi fundamental para que empresas como a Petrobrás pudessem desenvolver sua tecnologia própria e ser capaz, como foi o caso, de descobrir o pré-sal na costa brasileira”.
O especialista afirmou que é decisivo, para um país como o Brasil, ter uma empresa como a Petrobrás. “Junto com as universidades, com as empresas nacionais e até com empresas estrangeiras, pode se desenvolver o setor de energia e, com isso, aumentar a produtividade do trabalho, para o bem da coletividade. Até porque, ressaltou Ildo, “não é o caso de produzir sozinha, mas, sim, deter a hegemonia deste processo”.
“Isso é o que nós temos a aprender com a China, que, numa interação com grandes empresas capitalistas do mundo, mantida esta interação sob o comando do Partido Comunista da China, detém a hegemonia do processo tecnológico e de produção e mantém relações em pé de igualdade com elas”, apontou o pesquisador.
“A Petrobrás tem hoje um custo de produção de US$ 8 a US$ 12 por barril. Suponha que o preço do barril esteja em US$ 65. Se, por exemplo, tivermos um custo de produção de US$ 10, se acrescentarmos mais US$ 5 de prêmio para a Petrobrás, sem contar os impostos, royalties e transferências, com 100 bilhões de barris, podemos produzir 2,5 milhões de barris por dia ao longo de 45 anos, gerando um excedente de US$ 125 bilhões por ano, ou R$ 500 bilhões por ano”, disse Ildo.
Ele lembrou que “esse cálculo não leva em conta as transferências, que poderiam levar o preço final de produção para US$ 20 ou US$ 25 e reduziriam um pouco esse excedente. Mas, mesmo assim, isso significaria uma ‘reforma da Previdência’ a cada dois anos”, ironizou. “É isso o que está em disputa no pré-sal”.
“Por isso, eu concordo com o Pinguelli de que o inimigo principal não é aquele que faz fanfarronices em Nova Iorque, mas sim aquele que assalta a nossa capacidade tecnológica e os recursos naturais, que pertencem ao povo”, disse Ildo Sauer, referindo-se a Paulo Guedes.
“Estão anunciando um leilão para novembro da cessão onerosa da Petrobrás. E nós assistimos aos governadores se refestelando como uma alcateia de hienas, antecipando os restos do banquete que os compradores dos recursos terão no futuro”, apontou Ildo.
“É só fazer a conta. Se forem 15 bilhões de barris, [correspondente às reservas estimadas do Campo de Libra, leiloado em 2013], com 40 dólares de excedente, são 600 bilhões de dólares em disputa, ou 2,4 trilhões de reais ao longo de vinte anos ou trinta anos. Os governadores e o governo estão brigando por causa de 100 bilhões de reais, ou 25 bilhões de dólares”, observou.
“Além disso, o governo Brasileiro age contra os interesses dos países produtores de petróleo, organizados na OPEP – mais a Rússia – e se soma ao lado das potências consumidoras, comandadas pelos EUA, que buscam controlar as fontes de petróleo”, denunciou Ildo.
“Ao cometer o descalabro de leiloar, agora em novembro, não se sabe se 6 ou 15 bilhões de barris – vergonha não saber, porque é só fazer alguns furos exploratórios e demarcar quanto tem – ao mercado internacional, perde-se a possibilidade de controle dos preços do petróleo”, complementou.
ROBERTO D’ARAUJO: “PRIVATIZARAM TUDO E O PAÍS FICOU MAIS ENDIVIDADO“
Roberto D’Araujo denunciou o processo de privatização do país como uma “destruição arrasadora” da economia nacional.
“Eles mostraram que nem privatizar sabem. Temos hoje prefeituras quebradas, os Estados quebrados e o governo federal quebrado”, denunciou. “Vou apresentar a vocês o que foi privatizado neste país de 1990 até 2006:
“Siderurgia: Usiminas, Cosinor, Piratini, CST, Acesita, CSN, Cosipa e Açominas.
“Petroquímica: Petroflex, Copersul, Copen, Polisul, Petroquímica União, Álcalis e mais 19 pequenas usinas.
“Na área de fertilizantes: Indago, Fosfértil, Orosfértil, Ultrafértil e Arafértil.
“Elétrico: Ecelsa, Light, Gersul. Cergi, Coelba, Cachoeira Dourada, CPFL, Cemat, Cesp Paranapanema, Cesp Tietê, Cemar e Eletropaulo.
“Transportes: Toda a malha ferroviária federal, Mafersa, Ferroeste, Metrô.
“Mineração: Caraíba, Vale do Rio Doce. Portos: Santos Catuaba, Sepetiba, Rio, Angra e Salvador.
“Financeiro: Meridional, Banespa, Beg, Amazonas, Maranhão, Ceará, Minas Pernambuco, Bahia e Paraná.
“Gás: Ceg, Riogás, Congás, Gasnordeste e Gas Sul.
“Outros setores: Embraer, Datamec.
Telecomunicações: praticamente tudo”.
“Eu não conheço, se existe, algum outro país que fez o nível de privatização que nós fizemos de 1990 até 2006. Privatizamos toda a economia. Quanto arrecadamos? 106 bilhões de dólares, mais ou menos 450 bilhões de reais. Basta dois anos de renúncia fiscal e você já cancelou isso aí. A dívida pública, que era 37% do PIB no início do governo FHC, foi a 70%, depois caiu um pouco, mas não baixou de 60% do PIB e, agora, estamos indo para 90%. Ou seja, privatizou-se a economia e se ficou mais endividado”, denunciou D’Araujo.
“O setor elétrico, depois da privatização, transformou a tarifa de energia brasileira na terceira maior do planeta”, acrescentou o debatedor.
ESTHER DWECK: “DESNACIONALIZAÇÃO FAZ PARTE DA DESTRUIÇÃO DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL”
A professora Esther Dweck, do Instituto de Economia da UFRJ e ex-secretária do Orçamento Federal, disse que o “show” apresentado pelo governo “faz parte do projeto de destruição nacional”. Ela concordou que a agenda de Paulo Guedes é mais destruidora para o país, mas reconheceu que há um consenso maior em torno da luta contra Bolsonaro. A economista salientou que a privatização e, principalmente, a desnacionalização, “fazem parte do projeto de destruição do modelo de desenvolvimento nacional que vem sendo montado há 100 anos”.
Esther Dweck lembrou que todos os instrumentos criados para garantir o projeto nacional brasileiro vêm sendo desmantelados pelo governo.
O Brasil, segundo ela, “foi o país que mais cresceu entre 1930 e 1980, e foi um crescimento com mudanças estruturais relevantes”.
“Nós chegamos ao final da década de 1970 com um parque industrial que competia com a Europa, fruto de uma série de instrumentos que foram criados e que permitiram que o país desse esse salto”, disse ela. Para a professora, “tudo isso está em risco com a agenda do atual governo”.
LUIS EDUARDO DUTRA: “TROCAMOS O MONOPÓLIO ESTATAL DA PETROBRÁS NA PETROQUÍMICA POR UM MERCADO OLIGOPOLISTA”
Luís Eduardo Duque Dutra, professor da EQ/UFRJ e ex-assessor da diretoria da Agência Nacional de Petróleo, completou o painel, apresentando sua concordância com a análise feita pelos demais debatedores e lembrou que “essa visão ultraliberal teve início com o governo Collor exatamente no setor químico”. O resultado, segundo ele, “foi catastrófico para a indústria química brasileira”. “Hoje, este é o setor com o maior déficit comercial da indústria brasileira, de 30 bilhões de dólares por ano”, denunciou.
“Nós trocamos o monopólio estatal da Petrobrás na petroquímica por um mercado oligopolista onde o maior capital nacional é a Braskem, controlada justamente pela Odebrecht”, acrescentou Dutra, enfatizando não ter dúvida que o plano do atual governo é privatizar a joia da coroa, ou seja, a Petrobrás.
“Enquanto o mundo hoje presencia uma guerra comercial e uma guerra cambial, o governo decide por uma abertura absoluta e unilateral como esta que nós assistimos”, prosseguiu o professor.
“E lembro que as duas vezes em que o protecionismo exacerbado ganhou o mundo no ocidente, ele produziu os períodos mais sangrentos da história”, concluiu Dutra.
SÉRGIO CRUZ
Assista aqui ao vídeo do seminário