A “reforma” de Trump vai aumentar impostos das pessoas de renda de US$ 40 mil a US$ 50 mil anuais em US$ 5,3 bi e reduzirá em US$ 5,8 bi de impostos dos que ganham US$ 1 milhão ou mais por ano
A votação ocorreu às duas horas da madrugada de sábado, com o texto de 500 páginas tendo chegado com mudanças rabiscadas nas margens em caligrafia quase ilegível. A tramitação da lei no Congresso durou apenas um mês, sem audiências públicas ou debate com especialistas, e os republicanos atropelando o regulamento para impossibilitar a obstrução.em discussão, sem oposição séria dos democratas, sem mobilização contra de vulto e sequer sem se saber direito o que estava sendo votado, o Senado dos EUA aprovou por 51 a 49 a reforma tributária do governo Trump que transfere em uma década US$ 1,5 trilhão dos mais pobres para os monopólios e os bancos, reduz o imposto de renda das corporações quase pela metade, aumenta o déficit e abre caminho para “a reforma do estado de bem-estar social”, a cínica forma como o presidente biliardário chamou a intenção de assaltar os programas sociais em um comício em Missouri.
As versões do Senado e da Câmara – cada uma pior que a outra – serão cotejadas e harmonizadas por uma comissão bilateral, para que Trump assine o achaque antes do final do ano. Apenas um senador republicano votou contra.
Assim, num país onde três bilionários – Jeff Bezos, Bill Gates e Warren Buffet – têm tanta riqueza quanto a metade da população, passou batida a indecente redução do imposto de renda corporativo de 35% para 20% – menor que no Japão (41%), França (33,3%, sendo que as 320 maiores pagam 38%), Canadá (33,5%), Alemanha (29,5%), Inglaterra (28%) e Suécia (28%) [os dados são da KPMG].
Nos últimos anos, ao invés de investirem e gerarem empregos, as corporações só fizeram recomprar ações, para inflar a capitalização das empresas nas bolsas e aumentar o pagamento de dividendos e bônus aos executivos. Na reforma de Trump, os cartéis ainda obtiveram a benesse de repatriar o capital que vêm mantendo nos paraísos fiscais, por módicos 14,5%.
Essa legislação só pôde ser aprovada porque não há resistência organizada nos EUA. Os democratas não fizeram nenhum apelo à oposição popular, que é generalizada conforme variadas pesquisas de opinião.
Ao invés disso, no período da imposição da reforma de imposto de Trump, os democratas se concentraram na caça às bruxas sobre a suposta ingerência russa nas eleições de 2016 e na onda de denúncias de assédio sexual. A AFL-CIO também ficou muda.
Para facilitar o achaque, os republicanos embrulharam sua colossal transferência de riqueza para as corporações – a redução permanente do imposto de renda -, com reduções temporárias em algumas faixas de renda mais baixas. A estas faixas, o que davam com uma mão tiravam com a outra, como o aumento da isenção e o corte de deduções.
Assim, os 0,1% do topo verão em 2027 um aumento de 2% na sua renda pós-imposto, enquanto os 20% mais pobres sofrerão redução de renda. Também segundo estudos de órgãos controlados pelos próprios republicanos, a lei acabará por aumentar os impostos das pessoas de renda US$ 40.000-50.000 anuais em US$ 5,3 bilhões e reduzirá em US$ 5,8 bilhões os impostos daqueles que ganham US$ 1.000.000 ou mais por ano.
Um dos “argumentos” centrais da cúpula republicana para entupir os ricaços ainda com mais dinheiro, foi a de que a reforma, ao reduzir imposto para as corporações, iria aumentar os investimentos e gerar mais empregos e mais receita. Uma balela que foi contestada pelo Comitê de Tributação do Congresso dos EUA, que advertiu para um aumento do déficit público nos próximos dez anos de US$ 1 trilhão.
Como a diferença de votos no Senado era muito estreita e bastava uma mudança de três votos entre os republicanos para a rejeição da reforma tributária, a reta final da votação foi aquele momento de devoção são-franciscana. A senadora Lisa Murkowski obteve a abertura à perfuração de petróleo e gás do Refúgio de Nacional de Vida Selvagem do Ártico, no Alasca. “Eu queria mais”, disse o senador republicano Ron Johson, tido na véspera como reticente. Acrescentou: “mas sou um ser humano razoável”.
A ele e ao senador Steve Daines a mídia atribui ainda o aumento da dedução do imposto “pass through” sobre pequenas empresas de 17,4% para 23%. Quem também virou foi Susan Collins, que não votara contra o Obamacare.
Um grupo de 15 senadores democratas andou oferecendo seus préstimos até o último minuto, mas ao que parece não deu para fechar negócio. “Por que se contentar com apenas 50 votos quando você poderia conseguir até 70”, afirmaram em uma entrevista coletiva quatro dias antes da votação. “O país precisa de uma reforma tributária significativa”, reiterou o senador Joe Manchin, da Virginia Ocidental.
PRÓXIMO ALVO
Agora, os capos republicanos já não escondem que o próximo alvo são o Medicare, a Previdência e os programas sociais. Como a transferência maciça de dinheiro para as corporações vai gerar um déficit, vão dizer que só há um jeito de resolver, desidratar os programas sociais conquistados no New Deal e na Grande Sociedade. O Escritório de Orçamento do Congresso já advertiu sobre um déficit no Medicare de US$ 500 milhões em dez anos.
Na semana passada, o senador republicano da Flórida, Marco Rubio, contestando quem dizia que a redução de impostos levaria ao déficit, argumentava que “pelo contrário, os custos podem ser compensados pela imposição de ‘mudanças estruturais’ na Previdência Social e no Medicare no futuro”. Também poderia ter acrescentado por sua conta e risco: “comam brioches”.
Na véspera da votação, o secretário do Tesouro, o Goldman-boy Steven Mnuchin, advertira sobre o risco para a bolha de Wall Street se o Senado não entregasse o que era ordenado. Na verdade, ainda vai demorar muito até Trump transferir tanta renda para as corporações e os magnatas quanto fez Obama, com seu bailout, juros zero e quantitative easing, mas o bilionário faz a coisa com gosto.
De acordo com o NYT e o Washington Post, baseando-se na declaração de renda de Trump de 2005, a única disponível, sob a nova lei Trump economizaria US$ 31.000.000 dos US$ 38.000.000 que ele pagou de imposto naquele ano, bem como – na versão da Câmara – escaparia de US$ 1,1 bilhão em impostos de transmissão de transmissão de herança sobre propriedade. Desse jeito, não há pântano que não seque.
ANTONIO PIMENTA
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