O Senado derrubou, por 47 votos a 28, o decreto de Bolsonaro que flexibiliza as regras para a posse e o porte de armas de fogo. A votação no plenário da Casa, na noite da terça-feira (18), aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 233/2019, que pede a suspensão do decreto presidencial 9.785, assinado em maio de 2019.
A decisão confirmou o resultado da votação da última quarta-feira (12), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), quando os senadores que compõem o colegiado rejeitaram o relatório de Marcos do Val (Cidadania-ES), a favor do decreto bolsonarista, que recomendava a derrubada do projeto apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) em conjunto com outras seis iniciativas legislativas.
O “decreto das armas” concede porte a 20 categorias profissionais e aumenta de 50 para 5 mil o número de munições que o proprietário de arma de fogo pode comprar anualmente.
A discussão no plenário teve um intenso debate entre senadores contrários e favoráveis à proposta, que levou cerca de três horas. A votação da matéria foi precedida por um clima de tensão, que envolveu ameaças nas redes sociais a parlamentares contrários à liberação das armas. Na semana passada, Randolfe Rodrigues, que é líder da oposição no Senado, denunciou ter recebido ameaças, registrou um boletim de ocorrência e pediu investigação à Polícia Legislativa.
O próprio Bolsonaro reforçou as ações visando pressionar e constranger os senadores, desencadeadas pelos parlamentares de viés armamentista. “Não deixem esses dois decretos morrerem na Câmara ou no Senado. A nossa vida é muito importante. Vocês sabem o quanto é difícil produzir neste país e a segurança tem que estar acima de tudo”, disse em evento no Palácio do Planalto com a presença de integrantes da bancada ruralista.
O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, engrossou o coro dos armamentistas, afirmando terça-feira (18) na Câmara que, ao relaxar as normas para o porte e aquisição de armas, o governo “recuperou” o direito do cidadão à legítima defesa.
Senadores contrários à medida, como Fabiano Contarato (Rede-ES), rebateram a argumentação do governo, classificando a flexibilização das regras como um “retrocesso que pode aumentar o número de mortes por armas de fogo”. “A segurança pública é direito de todos e dever do Estado. Então, o Executivo, em nome de uma medida populista, renuncia à sua tarefa e a transfere para a população”, afirmou o parlamentar.
A senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) argumentou que o governo federal deveria melhorar as condições de trabalho das polícias. Para ela, cuidar da segurança pública é dever do Estado, não do cidadão comum.
Randolfe Rodrigues defendeu que o decreto é inconstitucional e que essa inconstitucionalidade foi apontada inclusive pela Consultoria do Senado. Ele considerou que o decreto que libera as armas “é a institucionalização do bangue-bangue no país”. “Vai ser um ‘liberou geral’. Não tem precedente na ordem jurídica mundial”, afirmou.
Embora favorável à flexibilização da posse e do porte de armas, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) corroborou com a tese de inconstitucionalidade do decreto e votou favoravelmente à derrubada da medida. “As Consultorias da Câmara e do Senado apontaram inconstitucionalidades na matéria”, acrescentou.
Eliziane Gama (Cidadania-MA), uma das que relataram ameaças recebidas, avaliou que o porte de armas não poderia ser liberado “da forma como o governo quer”. Para senadora, a população precisa de emprego, não de armas. Ela disse ainda que o Estado não pode se omitir de sua responsabilidade de garantir a segurança da população brasileira.
Após a proclamação do resultado, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), observou que muitos senadores questionaram a forma legal como o assunto foi tratado pelo Palácio do Planalto. Ele afirmou que a flexibilização do porte e da posse de armas para alguns segmentos poderá ser discutida no Congresso Nacional por meio de um projeto de lei.
“Havia o sentimento de muitos senadores, também é o meu, em relação à posse. Eu sou de um estado da região amazônica e nossos moradores ribeirinhos precisam ter uma forma de proteger suas famílias e seu patrimônio”, declarou.
O presidente da Casa se colocou à disposição dos senadores que sofreram ameaças e criticou as “injustiças que foram ditas” no embate em torno do assunto. “Os senadores estão aqui por meio de um processo democrático. Estamos à inteira disposição. O senador que achar conveniente pode pedir a proteção policial. A presidência dará total apoio aos senadores que se sentirem ameaçados”, afirmou.
Com a decisão no plenário do Senado, o texto segue para análise da Câmara dos Deputados. Até lá, as regras previstas no decreto continuarão valendo.