Agentes da Superintendência da Receita Federal de São Paulo afirmam que foram alvo de atos de coação para liberarem joias ao ex-presidente
Os atos de coação que o ex-secretário da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, praticou contra servidores para conseguir a liberação de joias avaliadas em R$ 16,5 milhões e enviá-las à família Bolsonaro resultaram em denúncias à corregedoria do Ministério da Fazenda.
Por meio da Superintendência da Receita Federal de São Paulo, funcionários da Receita que sofreram pressão do ex-chefe decidiram registrar representação para que os atos sejam investigados.
A denúncia foi assinada pelo comando da Superintendência e pelos delegados da alfândega de Guarulhos (SP).
E que ninguém se engane. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estava por trás de todo o processo. Porque nenhum agente político fez o que fez para tentar reaver as joias, sem que tenha recebido ordens de cima. No serviço público, o servidor não toma decisões à revelia dos chefes e superiores hierárquicos.
A propósito, em nenhum lugar que haja hierarquia — seja no setor público ou privado — empregados atuam por impulsos ou tomam decisões unilaterais. Não é assim que funciona onde existem as cadeias de comando.
DOCUMENTOS ENVIADOS À CORREGEDORIA
Como prova, foram enviados à corregedoria diversos tipos de documentos, além de mensagens de texto, áudios e e-mails, entre outros itens. A representação foi entregue nesta semana, após o Estadão noticiar o caso.
Os servidores também avaliam a possibilidade de entrar com representações individuais contra Gomes. Eles ainda relataram temor em relação à corregedoria da Receita, que era ocupada, até a última terça-feira (7), por João José Tafner, indicado pela família Bolsonaro e uma das razões da demissão de José Tostes, o antecessor de Gomes, do comando da Receita.
João José Tafner pediu demissão na última quarta-feira (8), depois que servidores da corregedoria ameaçaram com saída coletiva caso ele não deixasse o cargo.
ATOS EXTRAOFICIAIS
Como revelou o Estadão, a pressão que o ex-chefe da Receita Federal exerceu sobre os servidores públicos para liberar as joias envolveu atos extraoficiais que, no cargo de comando da Receita, jamais poderiam ser utilizados.
Para conseguir liberar as joias, Gomes pressionou servidores de diversos departamentos, por meio de mensagens de texto enviadas por aplicativos como WhatsApp, gravou áudios, fez telefonemas e encaminhou mensagens eletrônicas sobre o assunto.
A pressão chegou também a subsecretários do órgão.
Antes mesmo da denúncia ser feita à Corregedoria da Fazenda, já havia processo interno de apuração dos casos em andamento na própria Receita Federal.
ASCENSÃO METEÓRICA
Não era apenas a pressão e os atos extraoficiais de Gomes que chamavam a atenção dos servidores. A ascensão meteórica dele ao posto mais alto do órgão federal também causava estranhamento entre todos os funcionários da casa.
Auditor-fiscal de carreira, Gomes era ex-conselheiro do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e tinha sido membro da DRJ (Delegacia de Julgamento) da Receita, cargos sem grande protagonismo na hierarquia da Receita e distante do posto de comando do órgão.
Na prática, Gomes não tinha carreira administrativa que justificasse a escolha dele para liderar a Receita, mas acabou sendo catapultado para o posto de chefe do órgão, em dezembro de 2021, pouco mais de um mês depois de as joias terem sido “presenteadas” pelo regime da Arábia Saudita serem apreendidas em Guarulhos.
No cargo, ele tinha canal direto com o Palácio do Planalto. O próprio Bolsonaro visitou, em março no ano passado, estande de tiro de armas na Divisão de Repressão ao Contrabando e Descaminho da 1ª Região Fiscal em Brasília.
SERVIDORES ESTÁVEIS
O silêncio é sepulcral sobre este que não é detalhe de somenos importância — a estabilidade no emprego garantiu aos servidores da Receita conduta irretorquível no trato do problema.
Por que os servidores da Receita Federal do Brasil fizeram o que fizeram e ainda resistiram aos assédios criminosos comandados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para reaver as joias?
Porque são servidores públicos estáveis. São servidores de Estado e não contratados de confiança dos chamados “políticos de plantão”, que alocam apaniguados nos chamados “cargos políticos ou de confiança” ao bel-prazer das conveniências imediatas.
Se fosse o caso, teriam que se submeter às ilegalidades e conveniências dos chefes e superiores sem compromisso com a legitimidade das legislações que protegem o erário e o Estado brasileiro.
Por isso, Bolsonaro e outros queriam acabar com a estabilidade dos servidores públicos, por meio da Reforma Administrativa (PEC 32/20), ainda, em tramitação na Câmara dos Deputados.
Esses agentes políticos — que envergam as falsas teses neoliberais de “Estado mínimo” e “liberdade econômica” — querem isso: servidores sem estabilidade para que sejam manipulados e submetidos às mais infâmias ilegalidades, porque estariam a soldo de interesses e conveniências de governantes de plantão.
M. V.