Os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) lançaram uma carta aberta denunciando o desmonte do setor, pedindo autonomia, investimento e aumento do pessoal para conseguir combater os incêndios e o desmatamento da Amazônia.
“O discurso propagado e as medidas concretas adotadas contra a atuação do Ibama e ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade] apontam para o colapso da gestão ambiental federal e estimulam o cometimento de crimes ambientais dentro e fora da Amazônia”, afirmam.
Os servidores acreditam que “nos anos recentes, o Ibama e o ICMBio passaram a ser atacados e sofrer com a falta de estrutura evidenciada especialmente pelo fechamento de unidades, bloqueio a novos concursos, destruição de leis ambientais, ingerência de políticos aliados a segmentos fiscalizados por lei, cortes orçamentários, entre outros”.
“Não há como dissociar todos estes fatores ao aumento expressivo dos índices de desmatamento e queimadas, conforme dados já amplamente divulgados pelo INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] e pela NASA [Agência espacial estadunidense], com risco da destruição da floresta retornar aos patamares de 2003”.
Os servidores lançaram a carta aberta para expressar a sua “imensa preocupação com a condução da política ambiental no Brasil e encaminhar propostas que consideramos fundamentais para solucionar a atual crise ambiental”.
“Neste cenário, o Presidente da República, em pronunciamento em rede nacional, afirmou que este é um governo de tolerância zero aos crimes ambientais. Declaramos total apoio à tolerância zero aos crimes ambientais, contudo, alertamos para o risco de esvaziamento desse discurso, caso não venha acompanhado pela garantia, por parte do governo brasileiro, de uma atuação permanente, continuada, estratégica e efetiva da fiscalização ambiental federal, sem a qual os índices de destruição da floresta amazônica não diminuirão”.
Segundo eles, o aumento do pessoal é urgente. “O ultimo concurso público realizado para reposição dos quadros das unidades da Amazônia foi em 2009, ou seja, há 10 anos. Entre 2010 e 2019 houve uma redução de 45% no efetivo da fiscalização ambiental”.
É necessária também a “garantia de recursos orçamentários e financeiros para a devida execução das atividades” de combate a incêndios e ao desmatamento, “especialmente após a paralisação dos repasses financeiros oriundos do Fundo Amazônia”, que financia parte das atividades de preservação.
A Noruega e a Alemanha suspenderam suas doações para o Fundo Amazônia após os anúncios de que o desmatamento e os incêndios voltaram a crescer sob o governo Bolsonaro. Além disso, o governo anunciou que iria alocar os recursos do fundo em outras finalidades, como indenizar proprietários rurais desapropriados.
Leia na íntegra a carta:
“Nós, agentes ambientais federais do IBAMA, servidores do Estado Brasileiro, pautados pelo dever de lealdade à instituição a qual servimos, nos termos da Lei 8.112/1990, bem como pelo compromisso assumido com a sociedade brasileira e, convencidos da necessidade de providências para assegurar o efetivo controle ambiental e a preservação da qualidade do meio ambiente no país, vimos a público externar nossa imensa preocupação com a condução da política ambiental no Brasil e encaminhar propostas que consideramos fundamentais para solucionar a atual crise ambiental e político-econômica instalada.
2. Indiscutivelmente, o IBAMA é a principal instituição responsável pela prevenção e combate ao desmatamento ilegal na Amazônia. Todas as grandes ações de combate ao desmatamento da Amazônia foram protagonizadas pelo IBAMA, graças à implantação de estratégias inovadoras de combate ao desmatamento aliadas à capacitação, dedicação, competência e patriotismo de seus agentes ambientais federais, garantindo ao Brasil destaque mundial nas ações de combate ao desmatamento e incêndios florestais.
3. Todos estes fatores contribuíram significativamente para reduzir em 80% o desmatamento ilegal em toda a Amazônia. Entre o auge da destruição da floresta em 2004 e o ano de 2012, foram conquistadas as menores taxas de desmatamento da história.
4. Entretanto, nos anos recentes, o IBAMA e o ICMBio passaram a ser atacados e sofrer com a falta de estrutura evidenciada especialmente pelo fechamento de unidades, bloqueio a novos concursos, destruição de leis ambientais, ingerência de políticos aliados a segmentos fiscalizados por lei, cortes orçamentários, entre outros.
5. Não há como dissociar todos estes fatores ao aumento expressivo dos índices de desmatamento e queimadas, conforme dados já amplamente divulgados pelo INPE e pela NASA, com risco da destruição da floresta retornar aos patamares de 2003.
6. O discurso propagado e as medidas concretas adotadas contra a atuação do IBAMA e ICMBio apontam para o colapso da gestão ambiental federal e estimulam o cometimento de crimes ambientais dentro e fora da Amazônia.
7. É importante destacar que a questão ambiental detém significativa relevância estratégica para o Brasil e o mundo. Respeitar as leis de proteção ambiental interessa, sobretudo, à economia brasileira, fortemente dependente da exportação de commodities. O clamor mundial pela proteção da Amazônia brasileira, bem como o risco de adoção de sanções econômicas contra exportações, explicita ainda mais sua relevância.
8. Neste cenário, o Presidente da República, em pronunciamento em rede nacional, afirmou que este é um governo de tolerância zero aos crimes ambientais. Declaramos total apoio à tolerância zero aos crimes ambientais, contudo, alertamos para o risco de esvaziamento desse discurso, caso não venha acompanhado pela garantia, por parte do governo brasileiro, de uma atuação permanente, continuada, estratégica e efetiva da fiscalização ambiental federal, sem a qual os índices de destruição da floresta amazônica não diminuirão.
9. Assim, informamos que são necessárias as seguintes medidas governamentais de caráter emergencial em áreas estratégicas:
a) Gestão: cumprimento imediato de critérios técnicos para ocupação de funções de direção no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, IBAMA e ICMBio, seguindo os princípios da administração pública de legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência administrativa. Cargos de gestão devem ser ocupados por servidores de carreira destas instituições, protegendo-as de interferências políticas e de representantes institucionais sem capacidade técnica e legitimidade para tal;
b) Pessoal: autorização imediata para realização de concurso público para vagas de analista ambiental, considerando que não há meios de garantir a proteção ambiental da Amazônia com o atual quadro de servidores. O último concurso público realizado para a reposição do quadro das unidades da Amazônia foi em 2009, ou seja, há 10 anos. Entre 2010 e 2019 houve uma redução de 45% do efetivo da fiscalização ambiental do IBAMA, que conta atualmente com 780 fiscais para combater os crimes ambientais em todo o Brasil. Somente entre 2018 e 2019 a redução foi de 24%. Dos 780 agentes ambientais, 189 (cerca de 24% do efetivo atual) já estão aptos e podem aposentar a qualquer momento. É necessária também a inclusão dos agentes ambientais federais no rol de instituições da Lei N° 12.885/13, a qual prevê indenização para exercício em localidades estratégicas vinculadas à prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços, bem como a implementação de seguro de vida e do adicional de atividade de risco;
c) Orçamento: garantia de recursos orçamentários e financeiros para a devida execução das atividades institucionais de Fiscalização Ambiental e de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, realizadas pelo Prevfogo/IBAMA, especialmente após a paralisação dos repasses financeiros oriundos do Fundo Amazônia;
d) Logística: imediata estruturação logística para subsidiar as atividades decorrentes da fiscalização ambiental, como a apreensão e destinação de produtos oriundos em áreas embargadas e desmatadas ilegalmente;
e) Autonomia: conceder à fiscalização ambiental autonomia para empregar estratégias e instrumentos legais estabelecidos na legislação que visem incapacitar economicamente os infratores para a prática de novos crimes ambientais, bem como minimizar a vantagem econômica auferida em decorrência dos crimes praticados. O discurso contrário a estas medidas que promovem a dissuasão do crime ambiental, cria um clima de insegurança, desconfiança e desmotivação entre os fiscais, o que tem contribuído para a diminuição do uso dessas medidas e consequente para o atual aumento do crime ambiental. No mesmo sentido, a correta divulgação das ações institucionais na proteção ambiental desestimula o cometimento de crimes ambientais, por isso, é necessária a devolução da autonomia à assessoria de imprensa do IBAMA e ICMBio, as quais estão atualmente condicionadas à aprovação de pautas por parte do Ministério do Meio Ambiente;
f) Legislação: inclusão do IBAMA e do ICMBio no rol de instituições que podem emitir porte de armas, via Projeto de Lei nº 3723/2019, a ser votado esta semana na câmara dos deputados, e revisão da legislação criminal, com agravamento de penas para desmatamento e queimadas ilegais na Amazônia.
10. Protegemos o meio ambiente brasileiro para as presentes e futuras gerações, sempre no estrito cumprimento da legislação ambiental brasileira.
11. Registramos que sem uma atitude firme contra os crimes ambientais, os índices de destruição da floresta amazônica não diminuirão. Para isso, é preciso um comprometimento imediato do governo com a valorização do IBAMA e ICMBio e seus agentes para a manutenção da soberania brasileira na Amazônia.
12. Sem a adoção de tais medidas estruturantes, qualquer esforço do governo brasileiro em resolver a situação não tem potencial de produzir resultados sólidos a longo prazo e assume o risco de configurar mera tentativa de arrefecer a crise política atual.
Respeitosamente,
Agentes Ambientais Federais do Brasil e demais Servidores do Ibama“