O presidente dos EUA, Joe Biden, está mentindo e abafando a verdade para esconder que a explosão dos gasodutos Nord Stream ocorreu por ordem dele. É o que afirma, trazendo detalhes, em entrevista exclusiva ao canal RT o vencedor do Prêmio Pulitzer, autor de uma investigação sobre o ataque aos gasodutos.
“No final de setembro do ano passado, estava claro que a probabilidade de a Ucrânia vencer e repelir a Rússia seria muito pequena. E é realmente muito pequena, não importa o que escrevam nos jornais todos os dias. E assim Biden diz à Europa Ocidental e à Alemanha (especialmente a Alemanha): ‘Estamos muito preocupados que vocês decidam não nos apoiar até o fim, porque compram gás da Rússia’. Em resposta, a Alemanha disse que a Rússia controlava o gasoduto”.
De acordo com Hersh, “Biden temia que a Alemanha suspendesse as sanções e voltasse a comprar gás da Rússia. E então ele, de fato, disse à Europa Ocidental: ‘Vamos deixar você congelar’”.
Veja a entrevista:
RT — Seymour, em seu artigo intitulado “Do Golfo de Tonkin ao Mar Báltico”, falando sobre as ações das autoridades norueguesas, você parece traçar paralelos ou comparar as guerras americanas que ceifaram a vida de muitas pessoas no Vietnã, Camboja e Laos, com o ataque cometido a mando de Joe Biden ao Nord Stream. Essa comparação é realmente apropriada?
Seymour Hersh – Menciono a existência de um paralelo histórico. Ou seja, os EUA manipularam a inteligência e planejaram um ataque em 1964 para induzir o Congresso a dar ao então presidente o que ele queria: rédea solta.
Algo semelhante se observa no caso da equipe do atual presidente, que, por assim dizer, foi flagrada quando se trata de gasodutos. Mas ninguém reconhece nada e, na minha opinião, nunca reconhecerá pelos riscos que isso acarreta.
Devo dizer que não faço ideia se alguém morreu de frio neste inverno devido à explosão de gasodutos e à perda de um canal de abastecimento de energia. Na verdade, a Europa deveria ter medo do próximo inverno.
Entre a explosão dos gasodutos no final de setembro e o início deste inverno, ela ainda conseguiu reabastecer o combustível. Mas no que diz respeito ao próximo inverno, realmente há algo a temer.
Também estou certo de que a população da Europa está mais atenta a esse problema do que a americana. Eles veem motivos para agitação na Alemanha: muitas coisas estão acontecendo lá, há discussões no Bundestag, tudo isso está sendo discutido ativamente.
Fui convidado para todos os tipos de eventos (dos quais prefiro não participar); esta questão, tanto quanto sei, também foi levantada no Conselho de Segurança da ONU. Mas a mídia americana, infelizmente, não cobre nada disso.
RT – Como você comentaria as palavras do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, que disse que a ONU não está em posição de investigar os incidentes com o Nord Stream?
SH – Sabe, eu não acompanhei tudo isso tão de perto. Hoje li um artigo e também ouvi falar da declaração do diplomata britânico. Nos Estados Unidos, o poder do presidente sobre a comunidade de inteligência é colossal.
Ele pode emitir as chamadas ordens a seus representantes, pode dar ao gabinete do chefe da inteligência nacional (na verdade, o comandante-chefe de toda a inteligência, inclusive militar) acesso total a todas as fontes, inclusive inteligência eletrônica de dados.
Ele pode se dirigir diretamente à CIA, onde existe um departamento especial com sua própria linha de trabalho. Há também uma estrutura especial para operações secretas. Existem três grandes organizações de inteligência que podem acessar qualquer coisa. Mas o presidente dos Estados Unidos não emitiu uma única ordem relevante.
O conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan, que esteve amplamente envolvido na organização da operação original, disse em sua coletiva de imprensa: “Nossos aliados estão investigando isso”, referindo-se à investigação não americana.
Em setembro e outubro, a Suécia e a Dinamarca conduziram suas próprias investigações e chegaram a uma conclusão surpreendente: algo realmente aconteceu debaixo d’água e esse “algo” foi uma explosão.
RT – A Casa Branca diz que não se deve acreditar em nenhum dos fatos que você apresenta. E o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, chegou a dizer: “Hersh distorce completamente os fatos, como já aconteceu em casos que se tornaram uma grande ressonância”.
SH – Essas são as regras. Eu aguento. Desde que preparei meu artigo sobre Mi Lai em 1969, sempre houve pessoas a quem eu poderia recorrer. É sobre um massacre ocorrido um ano e meio antes.
Muitos jornalistas sabiam desses eventos. Mas para os jornalistas que trabalhavam diretamente lá, era perigoso cobrir o que havia acontecido. Então aqui as pessoas inevitavelmente hesitaram.
Após o lançamento de meus materiais, mais da metade dos americanos me considerou um mentiroso. Então eu já passei por isso, embora tenha sido um assassinato em massa óbvio.
RT — Seu material sobre Nord Stream saiu muito mais rápido do que o artigo de Robert Shire sobre as provocações no Golfo de Tonkin cometidas com o conhecimento de Lyndon Johnson. No momento, os eventos estão se desenvolvendo mais rapidamente.
SH – Sabe, a atual Casa Branca não só não está interessada em investigar essa história, como também não vai refutá-la.
Veja o que eles fizeram no final de setembro do ano passado, cinco meses atrás. Já escrevi anteriormente sobre operações na Noruega e afins. Escrevi sobre isso detalhadamente, com uma quantidade horrenda de detalhes, incluindo informações sobre algumas das reuniões dentro da Casa Branca.
Claro, não mencionei minha fonte. E note: não há sequer uma pista de que minha fonte esteve presente em qualquer reunião. Porque uma coisa em que somos muito bons é espionar as pessoas. Se minha fonte estivesse nas reuniões, eles saberiam disso. No momento, o problema deles é organizar escutas telefônicas ilegais, mas não acho que eles vão fazer isso.
RT – O Ministério da Defesa da Federação Russa anunciou o envolvimento do MI6 e da Marinha Real da Grã-Bretanha. Como resultado do vazamento, soubemos da mensagem de Liz Truss, que na época atuou como primeira-ministra da Grã-Bretanha. Um inquérito sob a Lei de Liberdade de Informação foi aberto sobre o motivo pelo qual ela enviou ao secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, uma mensagem de uma palavra: “Feito”.
A resposta à consulta de hoje é: “Obrigado pelo seu e-mail. A pesquisa não encontrou nenhuma informação relevante para o seu pedido”.
Mas como resultado do pedido, soube-se que ela havia enviado tal mensagem. A Rússia não descobriu o que é o quê?
SH – Eu não faço ideia. Não falei com ninguém na Rússia. A própria Rússia, é claro, reage fortemente a essa história, porque está envolvida em hostilidades e tudo é possível.
Vou formular da seguinte forma. Como já disse em entrevistas algumas vezes, se eu estivesse fazendo essa história agora como repórter do The New York Times ou do The Wall Street Journal, tentaria encontrar pessoas, até mesmo americanos, que são proprietários ou membros do conselho de empresas que colocam dutos sob a água. Tenho material empírico que não posso divulgar porque prometi não o fazer.
Mas posso dizer agora: as pessoas do ramo de dutos, consultores de empresas que trabalham com dutos – falei com alguns deles – estão firmemente convencidos de que a Rússia não fez nada disso – tal passo da parte dela seria pura loucura.
Quando isso aconteceu, em setembro, o segundo gasoduto, Nord Stream 2, estava pronto. O primeiro oleoduto foi anunciado no final da era Bush-Cheney. E posso dizer que desde a época de Kennedy se teme que a Rússia – com suas reservas colossais de gás natural e petróleo (a parte asiática do país está cheia de minerais e gás, metano) … Portanto, sempre houve temores de que a Rússia – temos uma expressão: “usar como arma” – usasse, em particular, o gás como arma política na luta contra nós travada desde a Segunda Guerra Mundial.
RT – Quando tudo começou, se o plano deles amadureceu antes mesmo de a Rússia entrar no Donbass há um ano? Por que Joe Biden, Jake Sullivan e Antony Blinken, sabendo dos acordos de Minsk, ainda deram esse passo como explodir gasodutos?
SH — Na minha opinião, os acordos de Minsk são nojentos. A ex-primeira-ministra alemã Merkel afirmou sem rodeios que, embora em 2014 os países ocidentais tenham assinado o Protocolo de Minsk, que prevê um cessar-fogo nas regiões da Ucrânia onde vivem muitos russos, todos entenderam que o documento apenas dava à Otan a oportunidade de aumentar o potencial militar da Ucrânia.
RT – Dada a escala dos eventos descritos em seu artigo, marinheiros noruegueses, pessoas nos órgãos administrativos da Noruega, pessoas no Departamento de Estado, no Pentágono, na CIA, mesmo Bill Burns, deveriam estar cientes do que estava acontecendo. E com tudo isso, há apenas um denunciante que diz: “O governo Biden fez uma coisa muito ruim.” Acho que isso surpreendeu até alguns representantes dessas estruturas, que te respeitam muito, mas ao mesmo tempo são obrigados a seguir o rumo de seus dirigentes, seja o Departamento de Estado ou a CIA.
SH – Você mencionou Edward Snowden, e aqui está o que eu acho interessante sobre ele. Devo dizer que li suas memórias. Eles são muito interessantes, porque ele era fascinado por computadores, não por ciência política. Em geral, era isso que eu sabia sobre o trabalho da NSA … Eu estava relatando em Washington para o The New York Times, e antes disso para a AP (cobri o curso da Guerra do Vietnã, o que aconteceu em Washington, no Pentágono). E conheci algumas pessoas que trabalhavam na área de inteligência eletrônica. Eu entendi que nesta área você não pode escutar a conversa de um americano sem ordem judicial. Snowden, como consultor, aprendeu o seguinte: a lei mudou, novas oportunidades se abriram aqui e todos sabiam disso. Se você ouviu o suposto agente da Al-Qaeda e ele conversou com um americano, não pode mais hesitar: pegue e anote.
Snowden, um homem do mundo da tecnologia, não da política, foi rejeitado. Na época, a NSA empregava cerca de 25.000 pessoas. Eu sei que de fato o número é maior … Mas, talvez, 10% dessas pessoas estivessem definitivamente cientes de que as regras haviam mudado aqui.
Mas isso é uma coisa muito importante: você não pode fazer escuta dos americanos, essas ações são contrárias à Constituição. E de todas essas dezenas de milhares de pessoas, apenas uma falou abertamente sobre a violação direta do princípio fundamental da Constituição americana – o direito à liberdade de expressão, discurso que não será monitorado sem ordem judicial.
Snowden foi uma pessoa em 10, 15, 25 mil – a única que se pronunciou. Portanto, realmente há algo muito estranho nessa comunidade. Snowden demonstrou uma coragem incrível ao falar e agora está pagando um preço alto. Acho que, por motivos de segurança, ele nunca poderá retornar aos Estados Unidos.
Há todo tipo de pessoa no governo dos Estados Unidos. Muitos nos círculos de inteligência e militares têm a Constituição em alta consideração. Quando tomam posse, prestam juramento à Constituição, não ao Presidente.
Ao longo dos anos, conheci muitas dessas pessoas. E alguns deles subiram para quatro estrelas. Algumas das pessoas com quem falei estavam no topo da cadeia. Eles conversaram comigo em particular sobre coisas que não podiam tornar públicas. Porque para eles a Constituição era de grande importância. Eu conheço essas pessoas. E quero dizer a você desde já que sempre os protegerei. Por que eu deveria fazer o contrário?
Em geral, a situação aqui é tal que o presidente está mentindo, abafando a verdade sobre o que aconteceu por ordem dele … Na minha opinião, no final de setembro do ano passado, estava claro que a probabilidade de a Ucrânia vencer e repelir a Rússia era muito pequena, não importa o que escrevam nos jornais todos os dias. Para a Ucrânia, a situação está longe de ser a melhor. E assim Biden diz à Europa Ocidental e à Alemanha (especialmente a Alemanha): ‘Estamos muito preocupados que vocês decidam não nos apoiar até o fim, porque compram gás da Rússia’. Em resposta, a Alemanha disse que a Rússia controlava o gasoduto. Biden temia que a Alemanha suspendesse as sanções e voltasse a comprar gás da Rússia. E então ele, de fato, disse à Europa Ocidental: ‘Vamos deixar você congelar’.
RT – De certa forma você está elogiando Joe Biden e Jake Sullivan (afinal, só se fala sobre Biden de que ele enlouqueceu e coisas do gênero). Você está indicando que eles não disfarçaram sua alegria com o desastre do Nord Stream. Por outro lado, talvez por algum motivo eles próprios queiram que saibamos que certas medidas foram tomadas.
SH – Vou contar como entendi isso por mim mesmo, analisando os passos de um grupo americano excelentemente treinado que foi enviado para a Noruega. Os americanos foram lá para traçar outro plano de ação, porque o gasoduto se estende por todo o Mar Báltico – literalmente da periferia de São Petersburgo e direto para a Alemanha: dois dutos, cada um com cerca de 1.200 km de comprimento.
Aqueles que o fizeram, que foram encarregados disso na comunidade de inteligência, o estado-maior operacional, inicialmente aprovaram esta ideia: ‘Vamos tentar’. Isso foi antes do início das hostilidades. A Rússia fez declarações, mas ainda era o final de 2021. ‘Vamos descobrir se temos a capacidade de fazer isso’. Obviamente, a Casa Branca foi informada sobre isso por vários meses.
De acordo com aqueles que fizeram isso, não foi uma má ideia dar à Casa Branca alguma oportunidade de, digamos, blefar ou convencer Putin de que o custo seria alto. Mas então, três semanas após o briefing em que Biden foi informado, ele falou publicamente sobre o assunto, assim como Victoria Nuland.
Três semanas após o briefing, no final de janeiro/início de fevereiro do ano passado, ambos disseram: “Sabemos que podemos detê-lo”. O presidente disse isso em uma coletiva de imprensa: “Vamos parar o Nord Stream 1”. Após suas palavras, houve uma pergunta de um jornalista. É tudo conhecido, documentado e no noticiário da noite. O jornalista perguntou: “Como você vai fazer isso?” Biden respondeu: “Vou te dizer: nós sabemos como fazer. Nós podemos fazer isso”. Isso incomodou o grupo que idealizou a operação, que pretendia ser clandestina.
Obviamente, no final de setembro, havia evidências de que eles tinham sérios problemas, havia um entendimento de que não seria fácil para os ucranianos, como notou alguém na imprensa.
E então ficou claro para o grupo que criou a possibilidade de minar que Biden o fazia para fins políticos. E ponto. Durante as hostilidades, isso não servirá de nada, o objetivo de Biden era impedir que a Alemanha e a Europa Ocidental como um todo abrissem o gasoduto no caso de um frio precoce.
As autoridades alemãs impuseram sanções, interromperam um gasoduto, mas tinham o direito de abrir um novo, o que Biden não queria. Esta foi a essência da operação: garantir que a Europa, em particular a Europa Ocidental, continuasse a apoiar a Otan e fornecer armas, alimentando a guerra por procuração contra a Rússia que está sendo travada agora.