Nos últimos dias estive ocupado com a campanha eleitoral – mais especificamente, com a campanha eleitoral nas mal chamadas “redes sociais”.
Para qualquer um que não seja um parvo ou um cínico, surge logo a pergunta “de onde veio essa gente?” a assombrar – sim, a assombrar – a mente.
Estou me referindo não a todo mundo, evidentemente, mas àqueles indivíduos que descarregam sua bile em apoio a candidatos evidentemente fascistas, desses que querem voltar, não à ditadura, mas ao governo Médici, de horrenda e sanguinolenta memória.
É gente que, em geral, não conseguiu dominar o português – pelo menos o português escrito -, mas consegue, em seus vários idiomas particularmente estranhos, defender a tortura, os assassinatos, as maiores barbaridades, e acreditam, ainda, que os comunistas são uma criação de Belzebu.
Um traço geral é a inacessibilidade à argumentação.
Em seu tratado, “Psicopatologia Geral”, publicado em 1913, Karl Jaspers apontou a convicção extrema – a digamos, falta absoluta de dúvidas – como característica do delírio verdadeiro, que não se confunde com o exagero dos histéricos, mesmo quando este é, também, extremo.
O delirante, diz Jaspers, acredita mais em seu delírio do que em qualquer coisa que seja real ou verdadeira – e se estas contrariam a ideia delirante, ele prefere acreditar que a última seja falsa e não a primeira.
No entanto, essa gente que descarrega sua penúria espiritual no Facebook (ou algum sucedâneo) não é psicótica.
Então, como é possível tal convicção em fantasias horrendas – e, inclusive, desconfortáveis para quem é acometido por elas?
O leitor (pelo menos muitos dos leitores) sabe perfeitamente que a política do PT – em relação aos militares, em relação à chamada “pauta identitária”, em relação à economia, em relação à questão social, em relação ao assalto à Petrobrás e aos fundos de pensão das estatais – cevou essa camada social, e não pouco.
Quando o objetivo da política – segundo Lula e Dilma – era que o Brasil fosse “um país de classe média”, como se fosse um pecado ser trabalhador, o que se poderia esperar?
Porém, não nos alonguemos. Apenas mais um exemplo.
A Anistia foi resultado de um acordo tácito entre a ditadura e a oposição à ditadura, em 1979.
É óbvio que a tentativa, durante os governos do PT, de rever – ou, melhor, de anular – esse acordo, somente poderia resultar na inflação política de Bolsonaros e outras nulidades.
O Exército de Caxias nada tem a ver com os torturadores que, instruídos pela CIA e outras agência de terror dos EUA, não souberam honrar a farda que vestiam.
Mas é claro que, ao se falar da revisão de algo que já passara para a História, abriu-se o caminho para a manipulação.
Porém, apenas apontamos esse problema político porque, se não o fizéssemos, cairíamos numa compreensão incompleta do problema.
É verdade que, quando o povo brasileiro derrubou a ditadura, em 1985, os seus apoiadores não deixaram de existir. Não estamos nos referindo aos apoiadores do golpe de 1964, pois, muitos deles, estavam contra a ditadura em 1985 – e mesmo muito antes de 1985.
O que importa, aqui, é aquela camada, muito estreita na derrubada da ditadura, que foi banida para os porões da política, porque sua ideologia tornou-se inaceitável publicamente. Aquela parcela que se identificava, por exemplo, com Nini Cruz e suas agruras, devido ao caso Baumgarten – cuja, vítima, por sinal, não era algum suposto subversivo, mas um fascista e agente do próprio SNI.
É essa camada que, devido aos problemas políticos, que brevemente mencionamos, reapareceu agora – ou, melhor, há alguns anos, depois que revelou-se o esquema de corrupção dos partidos governistas que se tornaram organizações criminosas, e, especialmente, depois do estelionato eleitoral petista em 2014/2015.
Porém, há mais alguma coisa, que nos verrumou o cérebro nas últimas semanas.
Com certeza, os atuais apoiadores de Bolsonaro não são os mesmos que apoiavam a ditadura em 1985. A base até pode ser, mas não a maioria.
Além dos problemas que fizeram com que o Brasil parecesse uma esculhambação (há quem apoie ditaduras fascistas apenas para “restaurar o respeito”), em toda sociedade – pelo menos em toda sociedade de classes – existe uma parcela que se conserva dentro de um molho de rancor e inveja.
É inevitável que exista esse grupo, quando as injustiças são flagrantes – melhor seria dizer, quando as injustiças existem.
Porque, diante dessas injustiças, existem os que reagem com a luta para acabá-las – e existem os que se esmagam e passam a viver do próprio rancor e inveja em relação àqueles “que se deram bem”.
A luta contra as injustiças, obviamente, é sempre social, coletiva, nacional – e humanizante. Podem existir, nela, indivíduos com razoável dose de rancor ou inveja, mas não é isso que a caracteriza. Pelo contrário, todos (exceto os muito jovens) já vivemos momentos em que todo rancor e inveja parece ceder diante do reconhecimento de que somos parte de um todo.
Ao contrário disso, a compota conservada em rancor e inveja é sempre individual, egoísta, isolada, raivosa – e desumanizante.
Existe até mesmo uma famosa representação literária dessa camada: o narrador de “Notas do Subsolo” (ou, dependendo da tradução, “Notas do Subterrâneo” ou “Memórias do Subsolo”), de Dostoiéwsky.
A ideologia desses indivíduos faz fronteira e mesmo se confunde com o lúmpen, com os marginais, embora, em geral, sejam pequenos negociantes, pequenos funcionários e pequenos alguma-coisa (bem entendido, não estamos dizendo que os pequenos negociantes e pequenos funcionários são assim).
Em geral, essa camada não tem (ou não tinha) como descarregar a sua bile – exceto quando aparecia um “führer” ou “duce”, que rapidamente os capava, logo que chegava ao poder.
Por outro lado, é necessário reconhecer, quando predomina uma política de acordo com os interesses nacionais, muitos deles deixam o molho de ressentimento para se tornarem cidadãos bastante razoáveis.
Noutro lugar, observamos como as chamadas “redes sociais” servem ao imperialismo, desviando a insatisfação do plano real para um plano virtual. O sujeito faz ali a sua catarse – e, depois, no resto da vida, comporta-se como um equilibrado (?) conformista.
O que não tínhamos, então, percebido, é que essas “redes sociais” servem, também, para dar voz a uma camada específica de rancorosos que, sem ela, ficaria, como se diz, reduzida à sua insignificância.
Sem dúvida, continuam reduzidos a essa insignificância. Só que, com a alternativa de fazer barulho – e até iludir-se (e iludir alguns) de que são a maioria da sociedade.
O resultado, para nós, desses dias imersos na campanha eleitoral virtual, foi uma repugnância que parecia tornar-se invencível.
Graças aos céus (ou a Deus, para quem acredita que o todo-poderoso existe) o ser humano é maior que a sujeira em que querem abandoná-lo.
VIDA E PENSAMENTO
Aconteceu que, ao mesmo tempo em que quase me tornei um combatente virtual enojado, eu tinha que preparar uma palestra, para um grupo de jovens, sobre “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo.
Depois de reler o romance, reli o ensaio de Álvaro Lins sobre Aluísio, depois o ensaio de Antonio Candido, do qual não tenho uma opinião muito boa – no entanto, foi seguindo uma sugestão de Candido que reli, também, a introdução de Sílvio Romero para a sua “História da Literatura Brasileira”, escrita (a introdução) alguns dias após a Abolição da escravatura.
Uma literatura se faz não apenas com poetas, romancistas e contistas, mas com críticos.
Essa é a razão pela qual os russos, desde o século XIX até hoje, dão tanta importância a Bielínski, Dobrolyubov – e, claro, Tchernichevski.
Foram esses críticos que serviram de parâmetro à grande literatura russa do século XIX. Eles fizeram a reflexão que era necessária para que Pushkin, Gogol, Tolstoy, Turgueniev, Dostoiewsky, Lermontov, e outros, produzissem uma das literaturas mais férteis da História da Humanidade, desde que Homero nos legou a “Ilíada” e a “Odisseia”.
Da mesma forma, a nossa literatura.
O que seria de Alencar, em sua época, sem o grande crítico Machado de Assis?
O que seria do romancista Machado de Assis, em sua época, sem a crítica de José Veríssimo?
O que seria da literatura brasileira do século XX sem críticos como João Ribeiro, Tristão de Ataíde, Álvaro Lins, Agripino Grieco, Augusto Meyer?
Aqui, cumpre distinguir o crítico literário e o historiador literário – ainda que as duas funções possam coexistir na mesma pessoa.
Sílvio Romero foi um dos dois grandes críticos brasileiros da segunda metade do século XIX (faleceu em 1914). O outro, como já dissemos, foi o paraense José Veríssimo, adversário de Romero, que escreveu sobre ele um de seus livros mais polemicamente agressivos, “Zéverissimações Ineptas da Crítica (Repulsas e Desabafos)”, de 1909.
Romero foi, sobretudo, historiador literário, ao contrário de Veríssimo, que era, principalmente, crítico literário, ainda que tenha publicado, em 1916 – dois anos após a morte de Sílvio Romero – uma “História da Literatura Brasileira”.
A vocação para a polêmica – tão evidenciada pelo livro sobre Veríssimo – era uma das qualidades de Sílvio Romero. Ele foi o principal crítico do naturalismo brasileiro. Por exemplo, diz ele, na “História da Literatura Brasileira”:
“Quem já se lembrou de afirmar, exempli gratia, a superioridade do Homem de Aluísio Azevedo sobre a Relíquia de Eça de Queiroz? Pois já o deviam ter feito há muito, e assegurar o mesmo do Mulato e da Casa de Pensão, que são reveladores de mais talento e aptidões do que O Primo Basilio e O Crime do Padre Amaro. Estes tiveram apenas mais réclame” (Sílvio Romero, “História da Literatura Brasileira”, T. 2, Garnier, Rio, 1888, p. 1041).
Era implacável em seus gostos. Não somente quando gostava – mais ainda quando não gostava. No mesmo livro:
“[Álvares de] Azevedo fez bem em morrer cedo; a sua melhor poesia foi sua morte mesma. Se continuasse a viver ter-se-ia desmantelado irremediavelmente ao galopear tumultuário de nosso século” (Sílvio Romero, “História da Literatura Brasileira”, T. 1, Garnier, Rio, 1888, p. 515).
E nem vamos falar de seus equívocos quanto a Machado de Assis (depois repetidos, por exemplo, por Lima Barreto), porque já o fizemos em outro texto (v. Machado de Assis e a luta pelo fim da escravatura).
Ancorado em uma teoria que propunha, como base para a crítica, uma etnologia brasileira, Romero hoje é lembrado mais por esses equívocos.
No entanto, é difícil relacionar esses equívocos com a base étnica brasileira que estava propondo.
O texto que reproduzimos, por sinal, contém um desses equívocos, provavelmente o maior, ou mais grave, da vida de Romero – logo em relação à tática para chegar na Abolição.
A solução de Romero para acabar com a escravidão, apresentada em 1881, era, simplesmente, deixar a questão para a “iniciativa particular”. Nas suas palavras: “Sustentamos a doutrina da emancipação autonômica e popular pela iniciativa particular” (v. sua coletânea de artigos “Lucros e Perdas”, Rio, 1883, p. 13).
É claro que a diferença disso para a posição dos escravagistas não era muito grande – embora, segundo a opinião de Romero, havia um abismo entre as duas.
Na verdade, essa diferença consistia em uma série de medidas para forçar os senhores a libertar os escravos.
Mas, se era necessário que a política fizesse leis nesse sentido, e o Estado as fizesse cumprir, por que não fazer uma lei que abolisse de vez a escravidão – e o Estado a fizesse cumprir?
A resposta de Romero beirava a argumentação escravagista: para evitar o caos econômico que se seguiria à Abolição imediata.
Ele era um homem vaidoso – e, no texto a seguir, como o leitor poderá comprovar, ele insiste, apesar da Lei Áurea, que a sua alternativa foi a vitoriosa na luta contra a escravidão.
Então, perguntará o leitor, por que reproduzir um texto de um autor com tais equívocos?
Porque, leitor, independente de tais problemas, Sílvio Romero era um homem que pensava – e, antes de tudo, pensou o Brasil.
Daí, sua referência ao servilismo mental dos tempos coloniais:
“A literatura no Brasil, a literatura em toda a América, tem sido um processo de adaptação de ideias europeias às sociedades do continente. Esta adaptação nos tempos coloniais foi mais ou menos inconsciente; hoje tende a tornar-se compreensiva e deliberadamente feita. Da imitação tumultuária, do antigo servilismo mental, queremos passar à escolha, à seleção literária e científica” (Sílvio Romero, “História da Literatura Brasileira”, T. 1, Garnier, 1888, p. 15).
Guerreiro Ramos, em sua “Introdução Crítica à Sociologia Brasileira” (1957), ao resgatar o caráter nacional da obra de Romero, ainda que apontando suas contradições, que não eram pequenas, ressalta o seguinte trecho, do mesmo livro, em que o autor expõe o problema a resolver:
“A nação brasileira não tem pois em rigor uma forma própria, uma individualidade característica, nem política, nem intelectual. Todas as nossas escolas, numa e noutra esfera, não tem feito mais em geral do que glosar, em clave baixa, as ideias tomadas da Europa, às vezes em segunda ou terceira mão” (idem, p. 125).
Romero falava, evidentemente, do Brasil nos fins do século XIX.
Hoje, depois da Revolução de 30 e de todos os acontecimentos que vieram em seguida, há, no entanto, quem queira que o Brasil não passe de um decalque, menos que uma colônia, dos centros imperialistas. Pergunte, o leitor que tiver dúvidas, ao vice de Bolsonaro, Hamilton Mourão, ou ao seu guru econômico, Paulo Guedes – ou, melhor ainda, ao próprio Bolsonaro.
Por último, uma cautela. Sílvio Romero foi o principal propagador de uma suposta “escola do Recife”, formada em torno de Tobias Barreto, que teria desenvolvido um pensamento filosófico próprio.
De lá para cá, essa “escola do Recife” se tornou, em certos redutos pseudo-filosóficos, um cavalo de batalha do que há de mais reacionário.
Romero, em sua tentativa de fundar o pensamento em uma etnia brasileira, é forçoso reconhecer, transformou uma fantasia em escola filosófica.
Nisso, estamos mais com Agripino Grieco, que via no grupo de Tobias, na Faculdade de Direito de Recife, uma pequena coleção de nulidades.
Com uma exceção – e não era Tobias Barreto.
Era aquele a quem o próprio Agripino Grieco chamou “o grande Sílvio”.
O texto abaixo foi condensado, nesse caso para facilitar sua leitura.
Parecerá a alguns que estamos publicando uma curiosidade. Também é. Mas, antes de tudo, é um capítulo do pensamento brasileiro – com equívocos, mas mesmo assim, pensamento.
C.L.
SÍLVIO ROMERO
No momento em que traçamos estas linhas troa por toda a parte o ruído das festas da abolição. A lei foi sancionada pela Regente há poucos dias, estamos no período dos festejos promovidos pela imprensa da capital. Temos lido os jornais e ouvido os oradores.
Um fenômeno singular salienta-se já aos olhos do observador independente: cada um já vai puxando para si as glórias do feito e deixando os outros atufados na sombra…
Singular destino da raça negra no Brasil! Alimentou o branco, deu-lhe dinheiro durante quatro séculos e agora por último dá fama aos gananciosos de nomeada fácil, dá glória aos espertos que não se pejam de declamar!Singular destino em verdade!
Hoje faz até acanhamento andar a gente nas ruas do Rio de Janeiro; a nós os obscuros acanha-nos por certo ombrear com tantas e tão ilustres notabilidades, com essas centenas de heróis, que a abolição imortalizou!
Ao pobre acanha o fausto, o deslumbramento dos milionários. É já tanta gente a reclamar as honras do feito que nós permitimos ao nosso direito ir buscar também o seu quinhão. Antes de traçar o quadro do estado atual de nossos problemas sérios, o leitor não levará a mal que se lhe notem as fases diversas do emancipacionismo nacional.
E seja logo o nosso primeiro asserto: a raça negra foi liberta, porque merecia sê-lo, e quem a libertou foi principalmente o povo brasileiro. Não foi S. Alteza a Regente, como dizem os monarquistas; não foi o Sr. João Alfredo, como dizem os pretendentes; não foi o Sr. Joaquim Nabuco, como dizem os liberais; não foi o Sr. José do Patrocínio, como dizem os democratas; não foi o Sr. Dantas, como dizem os despeitados…
Não, nada disto, a cousa vem um pouco mais de longe.
O feito que se acaba de realizar tem valor aos nossos olhos justamente por ser uma obra na qual colaborou toda a nação. É uma injustiça esquecer os serviços especialmente dos que se não podem mais defender. O emancipacionismo brasileiro tem já os cabelos brancos, vai por trezentos anos de idade.
No primeiro século da conquista e da colonização notam-se já fortes protestos contra a escravidão. Tais protestos, que se referiam exclusivamente à raça indígena, repetiram-se no século seguinte ainda tendo por alvo o selvagem tupi. Mas já então a raça negra lavrava o seu primeiro e eloquentíssimo brado de libertação. Este protesto foi duplo: de um lado ensinava ao branco a resistir ao holandês invasor, e de outro lado, nessa famosa república dos Palmares, mostrava ao branco que seria livre quando definitivamente quisesse.
Estes últimos fatos passaram-se no século XVII na antiga capitania de Pernambuco. Então fez-se ouvir o decano dos poetas e abolicionistas brasileiros — Gregório de Matos, o grande satírico. A marcha ascendente do pensamento libertador não ficou aí; no século seguinte os protestos continuaram e com tal insistência, que tiveram bastante força para mover o ânimo de bronze de Pombal, que acabou definitivamente com a escravidão índia, e bastante intensidade para ecoar nos altos sertões mineiros, onde se foram aninhar nos cantos ardentes dos poetas da Inconfidência.
Alvarenga Peixoto intentara empregar na revolução
“Os fortes braços feitos ao trabalho”
e esses fortes braços eram os braços dos escravos, que seriam libertados pela nova república.
No século atual não houve um só decênio em que a emancipação dos cativos se não impusesse como o maior dos problemas, a máxima aspiração do povo.
Vejamos os fatos.
Em 1817 a revolução republicana de Pernambuco hasteava bem alto a grande ideia.
Em 1823 Bonifácio de Andrada agitava-a na Constituinte. Por esse mesmo tempo Antônio Ferreira França apresentava radical projeto a respeito.
Em 1826 o governo imperial comprometia-se a reprimir o tráfico.
Em 1831 Diogo Feijó suprimia-o de uma vez na legislação e Odorico Mendes batia-se pela libertação. O mesmo fazia o velho Rebouças.
Em 1835, a revolução rio-grandense inscrevia em sua bandeira a reforma salutar.
Os patriotas de 1848 alentavam iguais desígnios.
Em 1850 Euzébio de Queiroz varria completamente dos mares os navios negreiros.
No decênio que se abre então a ideia avoluma-se e alastra pelo país inteiro. Fundam-se sociedades libertadoras, cria-se o costume de festejar as grandes datas nacionais e familiares alforriando escravos. A propaganda doutrinária espadana por todos os lados.
É quando aparecem as obras jurídicas de Perdigão Malheiros e Teixeira de Freitas com intuitos abolicionistas.
É quando o jornalista Alves Branco Muniz Barreto se agita. Em 1861 Tavares Bastos dá rebate desusado ao secular problema entre os liberais. Rangel Pestana e Américo de Campos seguem-no de perto.
Mas o espírito prático, o vidente, aquele que teve a intuição pronta e real da questão foi Luiz Gama.
Desde 1863 ou 64 os rumores das sociedades emancipadoras da Europa chegaram até aos ouvidos do imperador. É o momento da intervenção do monarca no pleito. Ele indica o assunto ao estudo de S. Vicente e à apreciação política de Zacarias de Góes.
Era o tempo da guerra com o Paraguai; a ebulição de todas as ideias era geral; a questão da emancipação dos cativos, posta no domínio de todos pelos publicistas, penetra nos corações pela ação dos poetas. Castro Alves dá então a nota geral. A vitória não podia estar longe; ela se avizinhava em verdade.
Em 1871 morria o poeta baiano em julho, e de setembro em diante ninguém mais nascia escravo. Devia-se tão esplêndido resultado, a quem? A todo o trabalho, ao esforço acumulado da propaganda.
Rio Branco e seus companheiros, e o imperador que se pôs ao lado deles, foram apenas os executores da vontade da maioria da nação. Aí findou a ação governamental.
Mas já antes em 1866, a Ordem Beneditina libertara o ventre de suas escravas e em 1871 libertou todos os seus cativos.
Já antes a poesia se havia votado ao assunto, e seria quase impossível enumerar os poetas que tiveram um brado de alento para os míseros cativos.
É bastante lembrar os nomes de Trajano Galvão, Macedo Soares, Pedro de Calazans, José Bonifácio, Bittencourt Sampaio, Joaquim Serra, antes de Castro Alves, e os nomes de Elzeário Pinto, Celso de Magalhães, José Jorge e Mello Moraes Filho ao lado dele.
Já nem falemos nos poetas recentes, todos abolicionistas. Continuemos a narrativa.
O governo em 1871 tinha dado tudo por concluído; fazendo pacto com a morte, confiou-lhe o cuidado do futuro.
A nação é que não entendeu assim. Ao passo que a Lei de 28 de Setembro tinha toda a confiança na sua aliada, esperando que ela enchesse os túmulos de cativos, em compensação aos berços que se enchiam de livres, o povo compreendeu que a morte é muito má companheira para o que quer que seja e mais ainda para resolver as questões sociais.
O frenesi das libertações por impulso particular tomou proporções colossais. Quase não havia um só dia em que se não consignassem emancipações em qualquer número. Era o festejo predileto das famílias brasileiras.
Assim correram as coisas até 1880. Neste intervalo os combatentes, os propagandistas da imprensa e da literatura fizeram-se ouvir sempre mais ou menos intensamente. É o tempo do moço Ferreira de Menezes e dos velhos Beaurepaire Rohan e José Maria do Amaral.
De 1880 em diante a montanha começou a baquear de uma vez, e o que fez rolar a primeira pedra do geral desmoronamento foi o Sr. Joaquim Nabuco, apresentando naquele ano o seu inglório projeto de um prazo de dez anos para a extinção completa do cativeiro. Do parlamento passou logo a pugna para a imprensa; foram se formando as sociedades abolicionistas.
Os Srs. Vicente de Souza, João Clapp, José do Patrocínio, André Rebouças, Ennes de Souza e Nicolau Moreira tomaram a frente da propaganda intransigente. Digladiavam-se três partidos, ou antes três soluções diversas: o statu-quo, patrocinado pelos Srs. Paulino de Sousa e Andrade Figueira; a ideia de um prazo, defendida pelo Sr. Joaquim Nabuco; a abolição imediata, sonho do Sr. José do Patrocínio e de seus amigos.
A discussão tomou desde o princípio caráter incandescente.
Foi então que nós aparecemos e procuramos encaminhar científicamente o debate.
Nosso artigo da Revista Brazileira, transcrito em todo império apareceu em fevereiro de 1881. Tivemos a inaudita ousadia de taxar de errôneas, atrasadas e perniciosas as três soluções e a audácia ainda maior de apresentar uma quarta…
Ao statu quo mostramos o seu acanhamento, a sua inépcia diante do movimento econômico e democrático do país.
À solução por um prazo, mostramos com a história a sua ineficácia, a desorganização que traria ao trabalho, a perturbação, o sobressalto perene, que se lhe seguiriam.
À abolição imediata mostramos o absurdo de querer de um jato, repentinamente, retirar de um país a sua força produtora, e a leviandade de querer brincar com os fenômenos econômicos e sociais, pretendendo resolvidos com música. Referíamo-nos às conferências e matinées.
É inenarrável a barulhada que levantou o nosso artigo. Na imprensa e nas conferências foi de então em diante artigo obrigatório atacar-nos. Orador que o não fazia não merecia aplausos.
Entretanto, durante oito anos nenhuma das três soluções foi posta em execução. Nem o statu quo, nem o prazo, nem o imediatismo serviram para nada.
A solução que pregamos, a que demos o nome de emancipação autonômica e popular, foi a única que se pôs em pratica. Nada de deixar dependendo do governo geral uma questão de caráter social e econômico, dissemos nós. E acrescentávamos que o indivíduo, a família, o município, a província fossem libertando os seus escravos, os nossos irmãos de cor, ao que eram impelidos, além de motivos morais, pelo fato do escravo começar já então a ser um trambolho, uma desvantagem diante do trabalho livre.
Apesar de não terem sido estas ideias declamadas da tribuna das conferências ou da Câmara dos deputados, constituíram a solução que praticamente foi posta em execução pelos heróis populares da abolição no Ceará, Amazonas, Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Paraná, Pernambuco, Minas e Rio de Janeiro, durante oito anos. Foi a solução posta em prática pelos homens do povo, os fautores mais valentes, os obreiros mais meritórios do abolicionismo, Nascimento, João Cordeiro, João Ramos, Antonio Bento, Carlos de Lacerda e vinte outros.
É de justiça dizer que sua ação era estimulada, encorajada pela voz de parlamentares como Amaro Bezerra, Antonio Pinto, José Mariano, Rui Barbosa e Frederico Borges, este último um dos motores da libertação do Ceará.
Tal sistema era só por si mais que suficiente para concluir a obra encetada.
Não chegou mais depressa ao seu último resultado por causa da reação promovida pelo governo soi-disant liberal dos Lafaietes, dos Martinhos Campos, dos Saraivas e pela fraqueza inqualificável do gabinete Dantas, que não soube fazer uma eleição e criar uma maioria.
A verdade, porem, é que na luta pela abolição dos escravos, a ação governamental acompanhou mais ou menos a ação popular com medidas secundárias até 1871, e de então em diante recuou sempre, deixando o campo à iniciativa pública.
E a maior prova é que, se os recém-chegados do gabinete atual demorassem mais três ou quatro meses a apresentação de seu projeto, não encontrariam mais a quem libertar!… A abolição progressiva, espontânea, popular teria chegado ao último representante da escravidão, o nosso sistema teria vencido em toda a parte.
Nem era uma novidade inaudita a solução apresentada; era apenas a ilação lógica do concurso das diversas raças no espetáculo de nossa história, problema peculiar de etnografia brasílica, base de todos os nossos trabalhos de crítica literária. Insistimos nisto desde 1870 e fizemo-lo especialmente nos Estudos sobre a poesia e os contos populares do Brasil.
REPÚBLICA
Ditas estas palavras em esclarecimento de fatos próximos e em homenagem à abolição, que, seja dito em preito à verdade, pelo modo como aqui se fez, é um fato notável, mas não é único em seu gênero; porque já antes de nós o tinham praticado diversos estados da América, volvamos vistas rápidas sobre as novas questões que vão provavelmente ser agora agitadas.
A questão da forma de governo, em sentido de torná-la republicana, é de antiga data; vai tomar porém novo incremento com a excitação geral dos espíritos. Achamo-la razoável e acertada, impondo-lhe apenas uma condição: não sonhemos a república de pura forma com suas manias igualitárias pelo modelo francês. Lutemos pela república que funde a liberdade e o desenvolvimento cultural da nação.
A este problema prende-se muito de perto o da federação, que alguns intentam erroneamente fazer desde já com a monarquia. Cremos que mais cedo ou mais tarde este anelo político será levado a efeito, porque ele tem alastrado amplamente pelo partido liberal e pelo republicano.
É assunto muito sério, e, pelo que toca ao futuro do povo brasileiro, bem mais considerável do que a própria emancipação da escravatura.
Nós opomo-nos a ele, como patriota e nacionalista.
Referimo-nos à ideia de uma federação brasileira pelo modo porque a vão sonhando os exaltados do momento.
Somos sectários da república unitária, livre, autônoma, compatível com a boa e vasta descentralização administrativa e econômica, e compatível também com a unidade política, espiritual e étnica do país.
Passar da monarquia centralizadora, dadas as condições do meio e do espírito nacional, para a federação pelo modelo norte-americano, é desconhecer o caráter dos povos ibero-latinos; é estimular o separatismo, que já vai lavrando assombroso; é caminhar para o desmembramento da pátria brasileira.
Não nos iludamos com frases e com rótulos: se fizerem uma federação in nomine capaz de garantir plenamente a unidade nacional, ficaremos em essência com a república unitária.
República federal que garanta a unidade, ou república unitária, que garanta a liberdade, vem a ser uma e a mesma cousa.
Mas aí é que vai o perigo. A pretexto de reformas impensadas, não venhamos a desmantelar a famosa peça de arquitetura política de que falava o velho Andrada e que ele ajudou a levantar.
É mister que a monarquia, enquanto viver, entre no caminho das reformas, e conceda mais franquias às províncias.
A república quando vier, e deve procurar vir quanto antes, fortaleça essas franquias; mas só pelo culto da frase, pela mania de macaquear os norte- americanos, não cheguemos a dissolver o Estado brasileiro, que só unido poderá valer alguma cousa.
Não nos embriaguemos com a vitória da emancipação e não venhamos a perder a cabeça, pondo em prática ideias e reformas incompatíveis com a nossa índole nacional.
A centralização exagerada e o federalismo exagerado são ambos absolutamente maléficos para nós.
A ideia de federação assenta em dois falsos pressupostos: a crença errônea de nos convir o que convêm nos anglo-americanos e a falsa teoria de supor que para lá nos levam as lições da história.
Esta última deve sobretudo ser extirpada; porque o seu inverso é a verdade.
Desde os meados e fins da idade média outra não tem sido a marcha, o ritmo do movimento nacional na Europa.
Sempre a força biológica na história, isto é, a ação étnica representada pelo sangue e pela língua, foi-se tornando o centro de atração constituidor dos grandes focos nacionais. Assim foi por toda a parte.
Os antigos reinos e estados ibéricos se transformaram na Espanha; os antigos condados e reinos que ocupavam o velho solo da Gália produziram a França, a antiga heptarquia anglo-saxônica produziu a Inglaterra; as províncias unidas produziram a Holanda. Esta força de integração étnica foi sempre produzindo a sua ação, dissolvendo uns estados e fundando outros.
Em nosso século temos três exemplos iniludíveis do fato: a unidade dos povos alemães, a unidade da Itália, a quase completa desagregação da Turquia. Ali é a unidade de raça a força atrativa; aqui é ainda o fator étnico que agremia as populações eslavas e as habilita a sacudirem o jugo turco.
São as lições da história.
O Brasil possui uma certa unidade étnica que lhe tem garantido a existência até hoje. Mas esta unidade não deve ser perturbada com a ingestão sistemática de elementos estrangeiros em privilegiada zona do país, nem deve ser posta em prova com um projeto perigoso de federação.
A sábia descentralização republicana é suficiente para garantir-nos a liberdade na unidade.
Este assunto pediria um grande desenvolvimento; não é aqui o lugar próprio. Vamos a outros.
NACIONAIS
A organização municipal não é cousa que se decrete em quatro palavras, que tragam a mudança radical de nosso deplorável estado por esta face. Será antes necessário educar, disciplinar este povo para o self governement.
Ao observador competente não escaparão a pouca aptidão e o nenhum gosto de nosso povo para a gestão direta e hábil de seus negócios. Tal o motivo capital da pasmosa decadência de todas as instituições populares, que foram transplantadas para o Brasil, onde ainda não se aclimaram, como sejam o juri, o sistema representativo, as câmaras municipais, as assembleias provinciais. E é a um povo assim psicologicamente organizado que se vai impor o regime dissolvente da federação?
Da boa harmonia das liberdades provincianas e da forte ação do governo republicano central é que dependerá o futuro político do Brasil, repitamo-lo à saciedade. E’ preciso, pois, antes de tudo que governos, partidos, publicistas, escritores, todos enfim que têm uma ação qualquer sobre o povo, o vão habilitando para dotar-se de uma boa organização municipal.
Depois dos assuntos políticos seguem os sociais, e entre estes avulta o da imigração e colonização estrangeira, que, a nosso ver, é mais um temeroso problema social do que econômico.
Sobre ele acha-se neste livro a nossa opinião. Queremos em primeiro lugar que se aproveitem os elementos nacionais.
Existem aí milhares e milhares de patrícios nossos que devem ter a preferência nos favores do governo para a colonização. É um meio de fixar e garantir o imenso proletariado brasileiro.
Quanto aos estrangeiros, deve-se fazer com eles o que nós intitulamos a colonização integral, isto é, que se vão espalhando por todo o país, especialmente o norte e o grande oeste. Nada de aglomerá-los às dezenas e centenas de milhares de uma só raça nas quatro províncias do sul.
E por que não quererão eles ocupar o resto do país? Nosso plano é o mais liberal possível: em vez de três ou quatro províncias, damos-lhes vinte. O Brasil todo aí está; espalhem-se, tenham o mesmo trabalho que tiveram outrora os portugueses. Espalhem-se e misturem-se às populações nacionais. Não vemos motivos para não aceitarem este sistema. Nada de privilégio de zonas; o clima do país é todo apto à colonização.
A grande naturalização se nos antolha medida precipitada por enquanto num país, como o Brasil, sem um povo radical e valentemente constituído e organizado para lutar com as influências estranhas. Isto virá mais tarde. Fortaleça-se primeiro a nação; não queiramos fazer num dia o que as nações europeias levaram séculos a fazer.
A reforma do ensino a que nos referimos é a da adoção do idealismo que tem predominado no ensino de todos os graus na Alemanha, que estimula em subida escala as faculdades elevadas e inventivas, e, longe de ser um obstáculo para a prática e a técnica, bem pelo contrário as desenvolvem grandemente. É justamente o contrário do ensino rasteiro, materializado e pretendidamente prático, o qual atrofia a inventiva, a imaginação, e abaixa muito o nível intelectual.
Pela face econômica o estímulo principal será atirar fora os velhos processos financeiros e abrir novas fontes de renda. Isto pertence aos governos e aos particulares.
O problema do aproveitamento do proletariado ex-escravo e do que já dantes existia será, ao menos em parte, solvido num vasto sistema de colonização nacional.
Os colonos nacionais deveriam sistematicamente, se isso fosse possível, acompanhar de perto as levas de colonos estrangeiros para dois fins principais: aprenderem com eles os novos métodos e as novas ideias de trabalho e mais facilmente cruzarem com eles para assimilá-los.
Sobre a organização do trabalho, que inserimos entre os desideratos nacionais, avisamos nitidamente que a não consideramos à maneira dos socialistas europeus. Nada. Referimo-nos à exploração de novas indústrias, ao ensaiamento de novos métodos nas antigas, tudo no sentido de dotarmo-nos de verdadeira autonomia econômica.
A divisão progressiva das terras tem duas faces principais: a das nacionais e a das particulares. Naquelas o governo fará bem em distribuí-las aos colonos, dando sempre a preferência aos nossos patrícios; porque este é o direito deles. Nas outras, isto é, a redução dos latifúndios, não é cousa que se decrete; irá se fazendo por si progressivamente. Pode ser auxiliada por medidas indiretas.
Tais as linhas capitais da atual idade política do país, tanto quanto a temos podido compreender, tal a suma das ideias que, por este lado, havemos espalhado em todos os nossos livros.
A crítica acerba a eles feita, o esquecimento sistemático a eles votado, a conspiração do silêncio com que pretendem sufocá-los, dão-nos o direito de relembrar nossos trabalhos e apresentar nossos títulos. É o que vamos agora fazer. Eles são pequenos, são talvez insignificantes; mas gastaram as nossas forças e impossibilitaram-nos para outra qualquer carreira. O leitor nos perdoará, pois, este desabafo.
Nossa crítica não tem sido tão dissolvente, como aos inimigos aprouve assoalhar. Inspiramo-nos sempre no ideal de um Brasil autônomo, independente na política e mais ainda na literatura. Desse pensamento inicial decorreram todas as nossas investidas no domínio das letras.
Primeiramente, para firmarmo-nos bem em nosso terreno, tratamos de circunscrever e limitar o círculo de nossa ação: um pouco de poesia apenas e o resto crítica.
Em poesia, iniciamos a reação contra o romantismo em 1870, pregando a intuição nova de uma poesia alimentada do espírito criticista dos nossos dias. Nossa obra em totalidade deferia constar de cantos inspirados pela Natureza, Humanidade, América, e Sergipe.
A Natureza e a Humanidade representariam o lirismo em sentido geral; a América e Sergipe o lirismo local, indígena, brasiliano. Tudo isto acha-se esboçado nos Cantos do Fim do Século e nos Últimos Arpejos, livros não compreendidos pela alvar ignorância da crítica indígena, que um dia lhes fará justiça.
Em crítica aplicamo-nos apenas à filosofia, à etnografia, à política e à literatura propriamente dita, tudo isto sob o ponto de vista de aplicações ao Brasil.
A parte filosófica acha-se, por enquanto, principalmente na Filosofia no Brasil, onde analisamos tudo o que no gênero se havia escrito até 1876 entre nós. Defendemos aí as ideias do criticismo naturalista alemão, tanto quanto o compreendemos dentro do plano de nossa competência.
A parte etnográfica está nos Estudos sobre a poesia e os cantos populares no Brasil e mais especialmente nas críticas aos trabalhos dos Srs. Couto de Magalhães, Barbosa Rodrigues, Ladislau Neto, e Teófilo Braga. De Couto de Magalhães batemos o arianismo de algumas populações americanas; de Barbosa Rodrigues refutamos o asiatismo turquestânico, que se pretendia firmar nas decantadas pedras verdes (muyrakitans); de Ladislau Neto o mongolismo e quejandas patranhas oriundas da audácia e da ignorância; de Teófilo Braga a mania do turanismo.
Na política em os Ensaios de Crítica Parlamentar insistimos nos vícios do parlamentarismo, indicando a incompetência da maioria dos nossos homens de governo, que não estudam as condições reais do país e vivem a impingir-nos macaqueações impensadas.
A parte literária ocupa o restante, que é a maior parte de nossa obra. A Literatura Brasileira e a Crítica Moderna, os Estudos de Literatura Contemporânea, esta História da Literatura e outros escritos aliunde esparsos representam nossas ideias, nossos intuitos por este lado.
A aplicação ao Brasil é a preocupação constante; as considerações etnográficas, a teoria do mestiçamento, já físico, já moral, servem de esteios gerais; o criticismo filosófico é a base fundamental.
Nosso pensar sobre a evolução geral da história está no artigo — Interpretação filosófica dos fatos históricos; nossa opinião sobre a intuição da arte e da literatura em geral no estudo intitulado Sobre Emilio Zola.
São estas as linhas diretoras de nossa ação na literatura do país. Se nos faltou o talento, resta-nos em todo caso, a face moral da empresa; a verdade e o patriotismo foram os nossos guias.
Tal o sentido de certos ataques a influências estrangeiras, que desejamos ver anuladas de todo. Independência literária, independência científica, reforço da independência politica do Brasil, eis o sonho de nossa vida. Sejam eles a tríplice empresa do futuro.
Tenhamos confiança!
Rio de Janeiro 18 e 19 de maio de 1888.
Silvio Romero.
Muito bom! Seu Lopes é um gênio. Arrasa da Economia Política até a Literatura e História Brasileira.
Aqui em Sergipe, pouca gente sabe quem foi Sílvio Romero. E digo mais, só sabem que Tobias Barreto existiu pois hoje há um município que leva seu nome (e ninguém sabe que foi lá onde nasceu). Quando estuda-se as gerações do Romantismo, nas aulas de Literatura, os alunos decoram que Castro Alves, o poeta dos escravos, foi o maior representante do Condoreirismo, mas não sabem que Tobias Barreto é considerado o fundador dessa corrente.
Enfim, é uma triste realidade que a curto prazo tende a piora, haja vista os políticos “nacionalistas” que apareceram por aí. Só nos resta ter esperança que um dia vai mudar.
O que nunca vai mudar é que um das coisas que tem de ser feitas por todos antes de morrer é passar um feriadão degustando um caranguejo aqui na Orla de Atalaia!
A turma do HP está convidadíssima!
Obrigado pelo convite. O risco é todo mundo aceitar… Brincadeira, brincadeira.