NEIL CLARK*
Esta semana faz sete anos que o conflito na Síria começou. Como as coisas teriam se desenvolvido sem o papel negativo desempenhado pelas potências ocidentais e seus aliados regionais?
Lembro que os Idos de Março, ao longo das eras, viram não apenas o assassinato de Júlio César e a invasão nazista à Checoslováquia, neles agora também presenciamos o início do conflito na Síria.
De acordo com a narrativa padrão, foi a intransigência e a brutalidade do governo de Bashar Al Assad (ao qual essa narrativa sempre se refere como ‘regime’) que mergulhou a Síria no caos. No entanto, ainda que seja verdade que havia genuíno descontentamento com o governo, por um número de razões válidas, sete anos atrás, as divisões no interior da Síria poderiam ter sido superadas sem todo esse enorme derramamento de sangue, não tivessem alguns países trabalhado para sabotar quaisquer soluções pacíficas para a crise.
Diante de uma ameaça direta a seu papel, o governo Assad mostrou sua disposição para fazer compromissos. Já no dia 26 de março de 2011, a BBC estava divulgando que o governo havia liberado mais de 200 presos políticos. Também foram decretadas anistias em maio e em junho do mesmo ano.
E não apenas isso. Importantes mudanças políticas foram introduzidas, logo depois de uma declaração de Assad pela televisão reconhecendo que as demandas por mudanças eram legítimas.
Em fevereiro de 2012, uma nova Constituição, que terminou com o monopólio de poder de 40 anos do partido Baas, foi amplamente votada em um referendo nacional. O artigo 8º da nova Constituição afirmava: “O sistema político do Estado deve ser baseado no princípio do pluralismo e o exercício do poder deve ser democraticamente determinado pelas urnas”.
Essas medidas democratizantes foram muito mais longe do que quaisquer “reformas” realizadas pelo aliado autoritário dos Estados Unidos e da Inglaterra, a Arábia Saudita. Medidas que mereceram elogios generalizados foram simplesmente ignorados pelo Ocidente.
Além disso, não foi apenas no verão de 2011, quando líderes norte-americanos e europeus começaram a declarar abertamente: “Assad tem que sair”, que o projeto de intervenção teve início; a verdade é que a mudança de regime já estava na agenda deles há muito tempo.
Sabemos, através de documentos apresentados pelo Wikileaks, que altos escalões de governo estavam discutindo como desestabilizar o governo sírio. Um telegrama do embaixador dos Estados Unidos à Síria, William Roebuck, discutia as “vulnerabilidades potenciais” da administração Assad e “os meios possíveis de explorá-las”.
Um dos “meios possíveis” era buscar provocar divisões entre as comunidades xiita e sunita na Síria. Em uma seção intitulada: Jogar com os medos sunitas quanto à influência iraniana, o embaixador escreveu:
“Existem medos na Síria de que os iranianos atuem em fazer proselitismo para a conversão ao xiismo, dos sunitas pobres. Ainda que comumente exagerados, tais receios refletem um elemento da comunidade sunita na Síria que está cada vez mais aborrecida devido a esta influência iraniana em seu país, que vai desde a construção de mesquitas aos negócios”.
A data do telegrama é muito significativa. 2006 foi o ano em que Israel, o mais próximo aliado dos Estados Unidos na região, foi à guerra no Líbano, mas, apesar de sua clara superioridade militar, não teve sucesso ao buscar derrotar o Hezbollah. Se Israel tivesse que obter sucesso no futuro, a aliança Síria-Irã-Líbano tinha que ser quebrada.
Em uma entrevista na TV, o ministro do Exterior da França, Roland Dumas, disse que a Inglaterra estava preparada para mandar homens armados à Síria, dois anos antes dos protestos antigovernamentais de 2011 eclodirem.
É claro que os Estados Unidos e seus aliados tinham que fingir que o que eles buscavam realmente na Síria era a ‘democracia’. Mas, tivessem eles, genuinamente, buscando isso, teriam encorajado as reformas de Assad e ficado ao lado de forças da oposição que queriam mudanças pacíficas e democráticas e não um levante armado. Ao invés disso, eles fizeram tudo o que puderam para escalar a crise, inundando o país com armas e facilitando o fluxo de islamistas armados vindos de muitos outros países.
A intervenção ocidental na Síria, perseguindo uma mudança violenta de regime, tem sido massiva.
Em junho de 2015, está dito, em reportagem do Washington Post: “Está em US$ 1 bilhão o custo de operações relativas à Síria; 1 dólar para cada 15 dólares de todo o orçamento da CIA… Funcionários de governo declaram que a CIA treinou e equipou perto de 10.000 lutadores enviados à Síria nos últimos anos – isso significa que a Agência está gastando em termos brutos US$ 100.000 por ano com cada rebelde anti-Assad que passou pelo programa”.
Ao mesmo tempo, tentativas de resolver o conflito de forma diplomática foram repetidamente sabotados pela insistência de que “Assad tem que sair” e pelo crescente apoio às forças antigovernamentais.
Continua na próxima edição
* É jornalista, escritor e editor do Blog www.neilclark66.blogspot.com