
A Fundação para o Vestibular (Fuvest) da Universidade de São Paulo divulgou nesta segunda-feira (10) as notas de corte para a segunda fase do vestibular em janeiro e, com elas, trouxe à tona as deficiências do modelo de cotas adotado pela USP.
Uma mudança no sistema de cotas passou a valer a partir deste vestibular, que seleciona os ingressos para 2019. 60% das 8.362 vagas foram destinadas para a categoria Ampla Concorrência (AC) – onde alunos de escolas particulares e os que não se declararam estudantes de escolas públicas foram enquadrados.
Os outros 40% das vagas foram destinados aos alunos que cursaram o ensino médio na rede pública de ensino (EP) e aos alunos de escola pública pretos, pardos e indígenas (PPI). Desses 40%, 37,5% foram destinados à categoria PPI também vindos de escola pública e 62,5% para estudantes da rede pública no geral. Essa percentagem segue o último índice do IBGE que diz que 37,5% da população paulista é formada por pessoas dessas etnias.
De acordo com as normas que entraram em vigor neste vestibular, os estudantes deveriam optar em qual categoria iriam disputar a vaga. Com este novo modelo, o estudante foi obrigado a escolher uma das modalidades – AC, EP ou PPI – na hora da inscrição ao vestibular.
Ou seja, o aluno que se declarou apto a disputar uma vaga na USP na categoria Escola Pública, deixa de disputar na Ampla Concorrência, que passa a manter a disputa somente entre os estudantes oriundos das escolas particulares.
Com o modelo de escolha antecipada, a USP na verdade limita os estudantes de escola pública, negros, pardos e indígenas aos 40% das vagas da instituição, desconfigurando o que define as políticas de ação afirmativa – no caso, as cotas – que na verdade devem ser a reserva de um número mínimo de vagas para determinados grupos sociais e raciais e não um número máximo.
Os estudantes de Ensino Médio das escolas públicas são hoje no Brasil 87,77% do total, enquanto a rede particular congrega 12,23%, segundo dados do Censo Escolar de 2017 do Inep, órgão do Ministério da Educação.
Mesmo sendo a maioria dos estudantes, com esse sistema de cotas, a USP nega à maioria dos estudantes a chance de disputar todas as vagas. O correto seria, após preenchida a ampla concorrência com os melhores colocados, sejam eles de escolas públicas ou particulares, ir para a reserva de vagas somente aqueles candidatos os oriundos de escola pública.
Os dados divulgados nesta segunda-feira exemplificam isso. No curso de Arquitetura, foram disponibilizadas 90 vagas para ampla concorrência, 9 para cotas sociais e 6 para cotas raciais. Passaram para a segunda fase aqueles que acertaram pelo menos 52 (AC), 48 (EP) e 41 (PPI) questões da primeira prova. Já as notas mais altas registradas para este curso foram 77 (AC), 65 (EP) e 55 (PPI).
Logo, fica claro que os melhores colocados nas categoria EP e PPI teriam condições de ter disputado a vaga na ampla concorrência. Deixando a reserva de vagas para um segundo momento, se ampliaria a quantidade de estudantes de escola pública (que são a maioria dos alunos), dentro da universidade pública.
No curso de Direito a situação é mais evidente, a maior nota obtida pela ampla concorrência e pelas cotas foi igual nos dois modais – 80. E a nota de corte em pouco diferiu. Para os que vieram da rede pública foi 49 e para os que vieram da rede privada 53. Enquanto, a relação candidato por vaga na ampla concorrência foi de 23, nas cotas foi de 42,8.
Mais uma vez, se os melhores colocados do ensino público tivessem passado para a segunda fase junto com os estudantes da rede privada, a reserva de vagas seria mais efetiva em dar a oportunidade de estudar na principal universidade do país àqueles que têm chances menores de ascensão acadêmica e social.
Para os que disputam uma vaga em Ciências Sociais, os dados mostram claramente a vantagem aos que vieram da rede privada. A nota de corte para ampla concorrência ficou em 36, enquanto para os cotistas 40. A relação candidato por vaga para ampla concorrência ficou 5,62 e para cotas 14,14 pessoas por vaga.
Constatamos que na ampla maioria dos cursos acontece o que evidenciamos com o exemplo de Arquitetura e Direito. O caso de Ciências Sociais exacerba essa realidade que acontece em outros cursos como Educomunicação, e fica claro que o sistema de cotas da USP na verdade limita as chances dos estudantes de escola pública de entrar na universidade, com uma maquiagem de ação afirmativa para acesso das camadas mais populares ao ensino superior.
No caso do Brasil, onde há má distribuição de renda, desigualdades sociais gritantes, as cotas em universidades públicas devem ser uma forma de ampliar o acesso das classes sociais mais baixas as melhores universidades do país e assim crescer a ascensão dos mais desfavorecidos a melhores empregos e melhorias na qualidade de vida.
MAÍRA CAMPOS