O depoimento mais interessante da segunda-feira, na 13ª Vara Federal de Curitiba, no processo do sítio de Atibaia, foi o de Rogério Aurélio Pimentel, segurança de Lula desde 1989 e assessor especial da Presidência da República de 2003 até fevereiro de 2011.
Pimentel confirmou que Frederico Barbosa, da Odebrecht, passava a ele dinheiro para as despesas com as obras do sítio. Tanto Emyr Costa, responsável em São Paulo pelas obras, quanto o próprio Barbosa, haviam relatado à juíza Gabriela Hardt esse procedimento.
Era Emyr quem recebia o dinheiro do departamento de propinas da Odebrecht. Em seguida, repassava-o a Barbosa, que, por sua vez, passava os recursos a Pimentel para que fizesse os pagamentos.
No entanto, Rogério Aurélio Pimentel negou completamente que tivesse repassado dinheiro a Carlos Rodrigues do Prado, dono da Construtora Rodrigues do Prado, contratada verbalmente – isto é, sem contrato escrito – pela Odebrecht, para fazer as obras do sítio de Lula.
Em seu depoimento, Carlos do Prado disse que apresentara o orçamento das obras a Pimentel:
“Eu não sabia nem o nome dele. Depois que eu fiquei sabendo que o Aurélio é uma pessoa que negociava ou acertava os negócios da obra. Inicialmente, a única pessoa que eu conhecia lá era o seu Frederico. Esse Aurélio foi quando eu fiz o orçamento, que eu liguei para o Frederico: ‘olha, o orçamento da obra está pronto’. A gente encontrou em um posto de gasolina que tinha lá antes de chegar na obra e encontrei com o Frederico e esse Aurélio. Ele [Frederico] falou: ‘o dono da obra é esse daqui’. Eu passei para ele, eles conversaram lá e a gente começou a tocar a obra.”
E, sobre os pagamentos:
“Sempre quando ele [Pimentel] ia para o sítio, nesse posto de gasolina, a gente se encontrava lá. Ele me entregava o envelope, eu pegava e ia embora. Normalmente ele anotava em um envelope, um papelzinho com o valor que estava lá dentro. Eu pegava, conferia, tudo certo.”
Pimentel, na segunda-feira, negou qualquer contato com Carlos Rodrigues do Prado.
No entanto, a passagem do envelope, descrita por Prado, é idêntica à conduta que o próprio ex-assessor de Lula descreveu em relação a outros pagamentos.
Sobre o que disse Alexandrino Alencar – o funcionário da Odebrecht que tinha por função “estreitar relacionamento” com Lula – o depoimento de Pimentel coincide:
“… Marisa (…) passou o contato de Rogério Aurélio, o qual soube, ainda naquela época, que Rogério era funcionário do Palácio do Planalto e tratava de assuntos particulares da família; Rogério foi incumbido de supervisionar a obra” (Termo de Declarações de Alexandrino Alencar, 05/05/2017).
BITTAR
Um traço comum aos três depoimentos do dia – além daquele de Rogério Aurélio Pimentel, o de Fernando Bittar e o de Roberto Teixeira – é a reiteração da velha linha de defesa de Lula, que já aparecera no processo do triplex de Guarujá: descarregar a responsabilidade sobre Dª Marisa Letícia, que já não está mais neste mundo para se defender.
No caso do sítio, há uma dificuldade para essa linha: as tratativas com a OAS foram realizadas diretamente por Lula.
O próprio Rogério Aurélio Pimentel confirmou que esteve – com o engenheiro da Odebrecht, Frederico Barbosa – no apartamento de Lula, em São Bernardo, para ver um problema de “infiltração”.
Esta obra, aliás, não foi realizada. Mas que um cidadão que foi duas vezes presidente da República recorra à principal empreiteira que teve negócios com seu governo para resolver uma “infiltração” em seu apartamento, é um grau de promiscuidade nunca visto no Brasil, e, talvez, até nos outros países do mundo.
Quanto ao depoimento de Fernando Bittar (em nome de quem – junto com Jonas Suassuna – está o sítio de Atibaia), ele foi esclarecedor pelo que deixou de dizer.
Por exemplo, Bittar não sabe quem pagou as obras feitas em um sítio que está em seu nome. Aliás, nem sabe quanto custaram.
Depois de dizer que não sabia (“não, não tenho ideia”) qual o custo das obras que ficaram a cargo de José Carlos Bumlai, amigo de Lula, Bittar afirmou que “as obras são simples, foram super dimensionadas, porque elas não são obras de valores vultuosos. Nada que assuste aos olhos”.
JUÍZA HARDT: Só na parte do Bumlai existe uma planilha bem detalhada de custos que dá R$ 150 mil. O sr. acha que isso é baixo?
BITTAR: Não, não acho um valor baixo, doutora, pelo amor de Deus. A gente não pode menosprezar essa questão do dinheiro e orçamento, haja vista o valor do sítio, mas se tratando do que precisava fazer e com o empresário que é o Bumlai, eu falei: ‘ele tem condição de fazer’, eu não teria condições de fazer uma obra.
A juíza perguntou, então, se Bittar achava “normal” um “amigo” fazer uma obra de R$ 150 mil na propriedade de outro, sem cobrar nada.
BITTAR: Não, não acho normal, tanto é que eu tenho outra propriedade e ninguém fez uma obra para mim. Foi um caso… Eu não sei dizer se eles [Lula e Dª Marisa] pagaram. Mas na minha cabeça…
JUÍZA HARDT: Mas foi na sua propriedade, o benefício foi para o senhor.
BITTAR: Sim. Na minha cabeça, eu imaginava que isso eles [Lula e Dª Marisa] teriam que pagar. Eu estava cedendo um espaço para eles construírem alguma coisa.
Segundo Bittar, depois de oferecer o sítio para que Lula depositasse seu “acervo”, Dª Marisa foi ver o imóvel.
BITTAR: … Hoje já não faço nada com esse coração aberto que fazia antigamente, porque a gente viu as consequências disso.
Começou já um pouco de problema para mim, porque a minha tia Marisa e a minha esposa já começaram ‘não gostei disso, não gostei daquilo’. Começou aquela coisa de não gostar, não gostar. Ela [Dª Marisa] chegou e falou: ‘vocês me permitam que eu possa fazer um projeto para vocês?’. Eu falei: ‘a sra está autorizada, sim, a fazer’. Me gerou um problema familiar, minha esposa ficou chateada comigo, inclusive. Ela começou também a frequentar menos o sítio a partir desse período.
Ela [Dª Marisa] falou: ‘eu não quero isso aqui, isso aqui é muito simples, eu quero um negócio legal, eu quero um negócio bacana, eu quero um negócio que a gente tenha um encontro familiar’.
Foi, então, disse Bittar, que apareceu uma nota fiscal da Kitchens (onde a OAS comprou os apetrechos das cozinhas do sítio de Atibaia e do triplex de Guarujá) em seu nome.
“Eu falei com a tia Marisa: ‘tem uma nota lá, eu não consigo pagar aquela nota’”, recebendo como resposta: “Deixa que a gente vai ver”.
“Ficou naqueles ‘vamos ver’. Ela me falou: ‘não se preocupe, deixa que eu resolvo isso’. Na minha cabeça, ela ia pagar a obra e ela que pagou a obra.”
TEIXEIRA
Quanto ao depoimento do compadre e advogado de Lula, Roberto Teixeira, foi uma lição de como a amnésia é importante em certos depoimentos.
Teixeira confirmou – até porque existe outra testemunha – a reunião com Alexandrino Alencar após o fim das obras do sítio, mas disse que não se lembrava de detalhes.
TEIXEIRA: Em relação ao assunto, me lembro do Alexandrino ter estado em meu escritório. Na época, ele estava preocupado e me deu a explicação: uma empresa amiga dele tinha feito obras e ele tinha medo das consequências que poderiam haver com essa parceria.
Vejamos o depoimento de Alexandrino Alencar, funcionário da Odebrecht encarregado, com Emílio Odebrecht, da relação com Lula:
“… encerradas as obras, em março de 2011, o advogado Roberto Teixeira ligou ao colaborador solicitando uma reunião no escritório daquele, situado Rua Padre João Manoel, em São Paulo;
“… o colaborador foi para reunião no escritório de Roberto Teixeira, o qual solicitou a regularização da obra, realizada em benefício do ex-Presidente Lula, como se tivesse sido contratada e paga pelo Sr. Fernando Bittar;
“… Roberto Teixeira disse ao depoente que Fernando Bittar era titular da escritura de propriedade do referido imóvel;
“como [Alexandrino] não tinha participado da operação de reforma, foi realizada uma segunda reunião no escritório do advogado Roberto Teixeira, na qual o colaborador foi acompanhado por Emyr Costa, o qual poderia ajudar com detalhes para regularização pretendida pelo advogado;
“… Emyr Costa fez um relato detalhado de todo o processo de reforma, principalmente sobre a forma de pagamentos em dinheiro em espécie e a participação do subcontratado Carlos Rodrigues do Prado;
“… de posse das informações, Roberto Teixeira sugeriu que fosse feito um ‘contrato fictício’ entre a Construtora Rodrigues do Prado e Fernando Bittar, titular do imóvel;
“… este contrato deveria abranger toda obra;
“… o advogado Roberto Teixeira também solicitou que este contrato fosse feito em um valor menor que R$ 700.000,00 e que o suposto pagamento de Fernando Bittar a Carlos Rodrigues do Prado fosse parcelado, de modo que isso pudesse se ajustar aos recursos de Fernando Bittar;
“… Emyr Costa ficou de procurar Carlos Rodrigues do Prado para elaborar o “contrato fictício” nas condições propostas pelo advogado Roberto Teixeira;
“[Alexandrino] soube depois que Emyr Costa teve uma reunião com Carlos Rodrigues do Prado, na qual foi firmado o contrato fictício e que, posteriormente, Emyr Costa retornou a Roberto Teixeira com o aludido contrato e documentos pertinentes a obra;
“… a obra de reforma realizada pelo Grupo Odebrecht seria uma retribuição ao ex-Presidente Lula em benefício da organização, em particular por inciativas junto à Petrobrás e também em trabalhos de desenvolvimentismo de mercado no exterior, principalmente América Latina e África” (v. Termo de Declarações de Alexandrino Alencar, 05/05/2017).
Esse depoimento de Alexandrino Alencar foi reiterado à juíza Gabriela Hardt, na semana passada, no interrogatório desse funcionário da Odebrecht.
O engenheiro Emyr Costa confirmou a reunião com Roberto Teixeira: “Fui lá instruído para poder encontrar uma forma de regularizar a obra para que não parecesse que a Odebrecht tinha feito a obra e que constasse que o senhor Bittar tivesse feito” (v. Dinheiro para obras no sítio de Lula vinha do departamento de propinas da Odebrecht, depõe engenheiro).
No entanto, Roberto Teixeira não se lembra desses detalhes.
“A única coisa que sei”, disse ele à juíza Hardt, “é que a propriedade era do Fernando [Bittar]. Tenho a mais absoluta e segura certeza que a propriedade é do Fernando”.
C.L.
Abaixo, os depoimentos da segunda-feira no processo do sítio de Atibaia.
1 – Rogério Aurélio Pimentel:
2 – Fernando Bittar:
3 – Roberto Teixeira: