Em mais um ano de cortes de verba para investimentos e manutenção, reitores de universidades federais já alertam para o risco de paralisação das atividades do ensino superior a partir de julho. De acordo com reportagem divulgada pelo O Globo, com base em dados do Painel do Orçamento Federal, a verba disponível para os gastos em investimentos e manutenção da estrutura das universidades caiu ao patamar de 2004.
No ano de 2021, foram alocados apenas R$ 2,5 bilhões em gastos discricionários para as 69 universidades e 1,3 milhão de estudantes. O valor praticamente é igual ao que foi orçado há 17 anos atrás (números atualizados pelo IPCA), época em que o Brasil contava com 51 instituições e 574 mil estudantes. Verbas discricionárias são previstas para o pagamento de contas de água, luz, limpeza, segurança, entre outras despesas básicas. Além disso, esta rubrica também cobre o investimento em infraestrutura, pesquisas e bolsas para estudantes de baixa renda.
A reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Denise Pires Carvalho, afirma que “com o que temos disponível para gastos discricionários hoje, a UFRJ para de funcionar em julho. As aulas só continuam porque estão remotas. Mas todos os serviços da universidade, como os hospitais e as pesquisas, incluindo o desenvolvimento de uma vacina de Covid-19, serão interrompidos”, afirmou.
Entre cortes permanentes e recursos bloqueados pelo governo Bolsonaro, a Educação sofreu um corte de R$ 2,7 bilhões previstos na dotação orçamentária de 2021, que foi aprovada pelo Congresso no final de março. Mesmo que o governo desbloqueie o R$ 1,8 bilhão – que foi contingenciado no final de abril por meio de um decreto presidencial – somando isto com R$ 2,5 bilhões – a verbas de investimentos e manutenção deste ano alcançaria no máximo o nível registrado em 2006 – período que o país tinha apenas 54 universidades federais.
Através de uma nota, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) alertou que se não houver liberação dos recursos, a unidade não terá “como arcar com o funcionamento básico a partir de julho”, e, portanto, “o risco de paralisação total é real”.
“Para se ter ideia, a principal ação orçamentária, onde se encontram alocados os recursos para funcionamento da universidade, incluindo as despesas básicas como energia elétrica, água, limpeza, manutenção, vigilância, insumos para laboratórios de graduação, entre outros, que em 2020 foi de R$ 66 milhões, hoje, na prática, é de R$ 21,1 milhões, suficientes para manutenção das atividades até o mês de julho. Isso porque estamos no modelo de ensino à distância na maior parte de nossos cursos. Se houver a obrigatoriedade do retorno presencial, não será suficiente sequer para as adaptações mínimas necessárias”, diz a reitoria da Unifesp, em nota.
Situação dramática
O recente corte de Bolsonaro nas verbas das universidades também coloca em risco o funcionamento dos 50 hospitais universitários que possuem leitos destinados à Covid-19, além de serviços oferecidos pelas universidades como testagem e apoio à imunização.
Segundo o reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e presidente da Andifes, Edward Madureira, “a situação é absolutamente dramática e nós reitores estamos mobilizados o tempo todo. Tivemos reunião hoje (3), temos outra semana que vem, vamos a Brasília tentar sensibilizar os parlamentares porque a situação em 2021 não está nem um pouco fácil para as universidades”, ressaltou o reitor. Em 2020, foram cortados quase R$ 180 milhões para assistência estudantil.
Pesquisa contra Covid prejudicada
O Pró-Reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças (Proplan) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fernando Marinho Mezzadri, declarou nesta sexta-feira que todos os terceirizados da área de pesquisa podem ter que ser demitidos. “Isso afeta o desenvolvimento da vacina contra Covid que estamos trabalhando. Efetivamente estamos no limite, não há possibilidade de conclusão do ano dessa maneira, denunciou.
Cortes em bolsas de graduação e de assistência estudantil
Também através de nota, a Universidade de Brasília (UnB) afirmou: “Para lidar com o atual cenário, a UnB trabalha de forma a preservar as suas atividades-fim, postergando despesas, sempre que possível”, diz a instituição que busca viabilizar a aquisição de insumos, como álcool em gel e equipamentos de proteção individual (EPIs), para retornar as aulas presenciais.
A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) prevê terminar o ano com dívida de mais de R$ 6 milhões, mesmo tendo ajustes que afetam todos os setores. “Entre as medidas estão a redução de materiais de consumo, serviços e projetos voltados à comunidade, corte no número e no valor da maioria das bolsas de graduação e de assistência estudantil, além de perda de 307 postos de trabalho terceirizados em 2021”.
Ao comentar a atual situação do ensino superior brasileiro, ex-secretário de Ensino Superior do MEC (2008 a 2010), Paulo Speller, afirmou que o Brasil vai na contramão mundial ao retirar investimento da educação e pesquisa justamente no momento de crise. “Esse governo acha que o processo de formação se dá a preços de mercado muito mais baixos. Essa é uma visão limitada”, avaliou Speller.