Este é o tamanho da tragédia. O Brasil está em 64º lugar no ranking mundial de vacinação. Desdém do governo causou a morte evitável de dezenas de milhares de pessoas e foi fruto da sabotagem de Bolsonaro às vacinas
Ao sair do Ministério da Saúde, depois do desastre na condução da pandemia de Covid-19, Eduardo Pazuello apresentou números pomposos de doses de vacinas que ele teria conseguido contratar. No total eram quase 600 milhões de doses. Os números fictícios eram anunciados com a mesma expressão que ele usou na CPI para dizer que Bolsonaro não lhe dava ordens. Seu “cronograma” de entrega de vacinas ao país previa àquela altura 171 milhões de doses distribuídas até junho.
Quando Pazuello foi efetivado no cargo de ministro da Saúde eram 132.006 os mortos pelo coronavírus. Quando ele saiu, em 24 de março de 2021, o Brasil alcançou 300 mil mortes por Covid-19. Na CPI ele disse: “missão cumprida”.
Assim como outros anúncios pomposos feitos pelo general da intendência, nada se confirmou. Segundo dados do próprio Ministério, até agora apenas 103,5 milhões de doses de imunizantes foram entregues aos Estados e municípios, ou seja, 60% do que havia sido alardeado, e somente 10,7% da população está efetivamente vacinada, ou seja, recebeu as duas doses de imunizantes. Especialistas afirmam que, para deter a pandemia, é necessário que ao menos 75% da população esteja vacinada com as duas doses.
Um dos principais problemas que levaram à frustração das entregas previstas foram os atrasos do governo em contratar as vacinas. O executivo da Pfizer, Carlos Murillo, informou, em seu depoimento à CPI da Pandemia, que a empresa ofereceu 70 milhões de doses ao governo brasileiro em setembro de 2020, mas Bolsonaro se recusou a contratá-la. Foi nesta época e em relação a esta vacina que ele disse que quem a tomasse poderia virar jacaré e não teria quem reclamar.
São deste período também os taques à vacina do Butantan, desenvolvida em parceria com a empresa chinesa Sinovac. Bolsonaro apareceu várias vezes na mídia atacando a vacina, chamada por ele de “vachina”. Em uma de suas lives, se dirigiu diretamente ao governador de São Paulo, João Dória (PSDB), e afirmou que não compraria de jeito nenhum a “sua vacina”. Poucos dias depois, Pazuello participaria de uma reunião com governadores e, pressionado, anunciou a compra de 47 milhões de doses da CoronaVac. No dia seguinte, o ministro era desautorizado publicamente.
Também a essa altura já se ouvia falar do “gabinete das sombras”, formado por fanáticos terraplanistas, oportunistas, charlatões e figuras exóticas que substituía o ministério da Saúde no desaconselhamento do Planalto em relação aos assuntos da pandemia. Ali as vacinas não tinham vez. Só se falava em cloroquina e ivermectina. O distanciamento social era demonizado por “cercear a liberdade” de espalhar o vírus e o uso de máscara era criticado como causadora de problemas respiratórios. Este gabinete de nulidades derrubou dois ministros que não aceitaram a sua existência.
Hoje a CPI da pandemia, em funcionamento no Senado Federal, investiga a atuação desta estrutura paralela que tantos males causou ao país. Calcula-se que suas orientações anti-vacina e a favor de medicações sem eficácia contra a Covid-19 tenha sido responsável pela morte de dezenas de milhares de pessoas.
Um dos focos da CPI também é a negligência do governo na chamada “crise do oxigênio”, ocorrida na cidade de Manaus no final do ano passado e inicio desta ano. Enquanto centenas de pessoas morriam por falta de oxigênio, a equipe chefiada por Pazuello e Bolsonaro, que já tinham sido avisadas do colapso iminente do falta de oxigênio, estava visitando unidades de Saúde da capital amazonense e cidades do interior, a mando do ministro, para obrigá-los a usar cloroquina no tratamento da Covid-19.
O escárnio com a população amazonense foi confirmado integralmente pela médica Mayra Pinheiro, funcionária de Pazuello, em seu depoimento à CPI da pandemia. Incialmente ela tentou se esquivar, mas, diante de vídeos e outras provas apresentadas pelos senadores, ela teve que admitir. Além de forçar a distribuição de cloroquina, ela e Pazuello anunciaram, na ocasião, o lançamento do “TrateCov”, um dispositivo criminoso que indicava cloroquina até para recém-nascidos.
O plano inicial divulgado pelo governo era receber 69,1 milhões de doses do produto da AstraZeneca de janeiro a maio, das quais 52,7 milhões foram entregues. No caso da CoronaVac, o recebimento foi de 47,2 milhões de doses entre 58 milhões anunciadas. O atraso na contratação de vacinas, fruto da sabotagem de Bolsonaro e de seu “gabinete paralelo à assinatura dos contratos a tempo”, fizeram com que os país não conseguisse mais doses. A demanda mundial havia explodido.
Passados quase cinco meses do início da vacinação no país, as fabricantes das duas vacinas no Brasil ainda enfrentam dificuldades em razão de desabastecimento de matéria-prima no mercado mundial, diminuindo suas previsões de entregas, inclusive para este mês de junho, com redução de 3,9 milhões de doses no último cronograma divulgado, em 2 de maio, em relação ao da semana anterior. Não fosse a boa vontade do governo Chinês e o Brasil não teria nem iniciado a sua imunização. O Brasil é atualmente o 64º no ranking geral de vacinação no mundo, apesar de ser o quarto em número absoluto de doses distribuídas.
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