Lula tem razão quando diz que “esse país só tem um jeito de se governar: ele tem que voltar a crescer”
A fala de Lula nesta quinta-feira (10), em Brasília, sobre a necessidade de o país voltar a crescer e criar empregos suscitou uma reação “nervosa” do setor financeiro. É importante destacar que este é o único setor do país que está ganhando muito com a atual crise vivida pelos brasileiros. Só para se ter uma ideia, enquanto a produção nacional patina, os três maiores bancos privados do Brasil obtiveram R$ 16 bilhões de lucro só no terceiro trimestre deste ano.
CRESCIMENTO ELEVA ARRECADAÇÃO
Esse lucro dos bancos não vem de estímulos à produção ou ao consumo. Não vem do financiamento de novas plantas industriais. Ele vem basicamente da compra de títulos do governo que, por sua vez, paga o maior juro do mundo. A estagnação da produção, resultado desta política, reduz a dinâmica da economia, deprecia os salários, mantém altas as taxas de desemprego, restringe o mercado interno e provoca queda da arrecadação. O resultado não podia ser outro: agravamento da crise e mais desequilíbrio fiscal.
Ao contrário do que apregoa o mercado financeiro ao reagir ao discurso de Lula, a verdadeira estabilidade só pode ser obtida com o crescimento econômico. É o aumento da arrecadação advindo do crescimento econômico que garante o desenvolvimento e a harmonia. Mesmo quando é necessário elevar o endividamento, como defende o próprio Lula, isso serve de impulso ao crescimento do país. Principalmente, quando os ativos criados com esse endividamento dão retorno para a sociedade. E, investir na população, diz Lula, é investir no principal “ativo” de qualquer nação.
Aliás, foi também o próprio presidente eleito quem demonstrou que esse é o caminho a ser seguido. Fez isso em seus governos anteriores. Os grandes investimentos realizados por ele durante a execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) desenvolveram o país e equilibraram as contas públicas. O PIB cresceu, a arrecadação aumentou e a relação dívida/PIB caiu. Lula está certo quando diz que “esse país só tem um jeito de se governar: ele tem que crescer”.
VERDE É A ÁRVORE DA VIDA
O presidente eleito lembrou diversas vezes durante a campanha ter assumido o governo em 2003 com o país quebrado e com um grande rombo nas contas públicas, provocado pelos fiscalistas de plantão daquela época. “A inflação estava em 12%. A dívida estava em 67% do PIB. Fizemos investimentos, aumentamos os salários e crescemos a 4% ao ano em média. O resultado foi que a inflação caiu, o desemprego também, e eu deixei a dívida em 37% do PIB”, afirmou Lula. Ou seja, ele provou que as teorias são cinzas e que verde mesmo é a árvore da vida.
Algo que não se pode negar é que a prática é o critério da verdade. E ela mostra que quem praticou arrocho fiscal quebrou o país, aumentou a dívida e manteve o país estagnado ou em recessão. Quem, como Lula, inverteu essa lógica, fez o país crescer, melhorou a vida do povo e não provocou nenhuma crise fiscal. O que a vida mostra é que não se atinge estabilidade com arrocho fiscal e cortes de gastos. O que se obtém com essa política é mais recessão, mais desemprego, mais queda de arrecadação, mais endividamento e mais desequilíbrio das contas.
É assim que pensa também o professor de economia da Unicamp Pedro Rossi, ao comentar a reação do mercado à fala de Lula. “O mercado coloca o equilíbrio fiscal como finalidade da política econômica e deixa a questão social como uma variável para ajustes. Para ele, Lula está invertendo essa lógica. “O mercado vai se adaptar ao Lula, não o contrário. A finalidade da política fiscal é garantir o bem-estar da população; o equilíbrio fiscal é uma peça importante, mas não a finalidade do processo”, afirmou.
“NEOLIBERALISMO É UMA IDEIA PRIMITIVA”
O professor André Lara Resende, um dos fundadores do Plano Real, também rebate essa ideia fixa do arrocho fiscal a qualquer custo. “Quando se faz a defesa de uma política radical neoliberal, e me parece primitiva, e que procura atar a mão do Estado e defender que o único objetivo da boa política econômica é equilibrar as contas públicas, em qualquer circunstância e a qualquer preço, a crítica passa a ser que você está defendendo uma irresponsabilidade, uma ideia de que não existem limites para o Estado, para o que o Estado pode fazer, o que é rigorosamente falso”, afirmou Lara Resende.
“O Estado deve ser competente e responsável. O que está errado é definir responsabilidade fiscal simplesmente como equilíbrio orçamentário em qualquer circunstância e a qualquer custo”, frisou Resende. “Não existe um limite ao qual a economia se desorganiza. O que não pode é a relação dívida pública/PIB crescer permanentemente, em trajetória explosiva”, defende o economista. “O que é preciso é garantir que o crescimento do PIB, do denominador, acompanhe, no mínimo, a taxa de crescimento do numerador. Se a dívida cresce muito mais que o crescimento do país há alguma coisa errada”, prossegue o “pai do Real”.
Para o economista, “o gasto público é fundamental”. “O gasto de investimento do Estado tem de ter retorno em termos de produtividade, o que garantirá a convergência da relação dívida/PIB. Se o investimento tiver retorno superior ao custo da dívida pública, por definição, você vai ter convergência na relação entre PIB e dívida pública, mesmo que, num primeiro momento ela aumente, ao expandir o crédito para investimento na capacidade instalada da economia”.
FIM DO TETO DE GASTOS
Resende também se somou a Lula quando afirmou que “o teto dos gastos é um equívoco, um limite linear que estrangulou o investimento público”. “É preciso revê-lo, no mínimo, tirar investimento do teto dos gastos”, defendeu. “Tem que excluir os investimentos de qualidade do teto de gastos. É uma camisa de força que estrangula os investimentos e agrava o problema de convergência da relação da dívida/PIB”, acrescentou Resende.
Tomando como referência um outro fato histórico, também vivido na prática, de enfrentamento exitoso de governantes contra a “ditadura fiscalista”, lembramos dois grandes presidentes que conseguiram se libertar da ditadura parasitária do capital financeiro. Foram eles Franklin Delano Roosevelt, presidente dos EUA, e Getúlio Vargas, no Brasil. Os dois derrubaram de forma exitosa a camisa de força fiscal, principal instrumento de anulação do Estado e de controle das finanças públicas pelos monopólios financeiros. O primeiro tirou os EUA da “grande depressão” e abriu o terreno para a “Era de ouro” e o segundo deu um grande salto à frente, tornando o Brasil uma grande nação industrializada e moderna. É por aí que devemos seguir.
SÉRGIO CRUZ