Ex-diretor da Petrobrás que negocia colaboração vai devolver R$ 86 milhões roubados
A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), de retirar da esfera do juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, trechos dos depoimentos dos executivos da Odebrecht envolvendo Luiz Inácio Lula da Silva, está caminhando para se tornar um tiro no pé bastante incômodo para o petista. Além de não comprometer o andamento do inquérito que investiga o sítio de Atibaia, a manobra arquitetada pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Tofolli e Lewandowski acabou acelerando o acordo da Polícia Federal com o ex-diretor da Área de Serviços da Petrobrás, Renato Duque, operador de propinas do PT na estatal. Isso vai comprometer ainda mais Lula.
As tratativas para a assinatura do acordo de colaboração estão bastante avançadas e muito próximas de serem anunciadas oficialmente. Em maio de 2017, Renato Duque já havia prestado depoimento a Moro e disse que Lula comandava o esquema de corrupção na Petrobrás. Em seu depoimento, Duque revelou que se encontrou pela última vez com Lula em 2 de junho de 2014, quando a Lava Jato já estava em curso. Foram entregues à PF pela defesa de Duque, como parte das provas deste encontro, ocorrido em um hangar da TAM em São Paulo, as comprovações dos voos JJ3944-CGH-SDU, para São Paulo e o seu retorno para o Rio, no voo SDU-CGH.
Segundo Duque, neste encontro Lula queria saber se ele tinha dinheiro em conta na Suíça. Externou que essa não era uma preocupação sua, mas da então presidenta Dilma Rousseff e ainda fez uma recomendação: “Olha, presta atenção no que vou te dizer. Se tiver alguma coisa, não pode ter, entendeu? Não pode ter nada no teu nome entendeu?” Sabe-se que, do ponto de vista prático, a advertência feita por Lula ao ex-diretor da Petrobrás teve consequências: a investigação, que culminou com a 10ª fase da Lava Jato e que prendeu Duque, acabou identificando que ele havia transferido recursos da Suíça para Mônaco.
O ex-diretor confirmou ter mantido no total três encontros secretos com Lula para tratar de assuntos relacionados ao esquema: em 2012, 2013 e 2014. “Nessas 3 vezes, ficou claro, muito claro para mim, que ele tinha pleno conhecimento de tudo e detinha o comando”, disse.
Duque confirmou também que, além de João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, ter sido designado para recolher as propinas para o partido, Antônio Palocci, que também está preso, era o operador de propinas exclusivo de Lula e o único autorizado a falar em nome dele nos assuntos da Petrobrás.
O ex-executivo entregou em maio do ano passado para a Polícia Federal uma foto de um encontro seu com Lula, ocorrido em 2012. A foto, segundo ele, desmente a afirmação, feita por Lula, em depoimento a Sérgio Moro, que não tinha nenhuma relação com Duque. Ao contrário do que disse Lula, eles mantiveram os encontros e trataram de todo o esquema. O dinheiro que vinha de contratos da Área de Serviços da Petrobrás para o PT, segundo o ex-diretor da Petrobrás, passaram a ser operados por ele, Renato Duque.
Segundo fontes que tiveram acesso às negociações entre o ex-funcionário da Petrobrás e a PF, consta, na proposta de acordo de colaboração premiada, que o ex-funcionário da estatal negocia, a disponibilização, por ele, de documentos, extratos bancários, planilhas e fotografias suas com os investigados. Renato Duque cita ainda valores e descreve em detalhes como foi acertada a divisão de propinas milionárias que abasteceram os cofres do PT e os bolsos de dirigentes petistas. Segundo ele, 1% de todas as obras tinham que ser desviados e divididos, sendo 1/3 “para a casa” e 2/3 para o PT. A “casa”, no caso, eram os gerentes e outros funcionários da estatal.
Apesar do acordo estar sendo formalizado somente agora, Renato Duque, que está preso desde 14 de novembro de 2014, já colabora com a PF em depoimentos para representantes da Lava Jato, desde o ano passado. Duque vem, inclusive, colaborando com investigações que envolvem a empresa italiana Techint e sua atuação na América do Sul. Duque foi preso em 2014 e foi solto logo em seguida. Ele voltou a ser preso em março de 2015 e, desde então, cumpre pena no Paraná. As condenações de Duque somam mais de 57 anos de prisão, em 3 processos diferentes.
Alguns meses depois da prisão de Duque, seu amigo João Antonio Bernardi Filho, ex-funcionário da petroleira italiana Saipem, também foi preso pela Polícia Federal a pedido do Ministério Público. Bernardi confirmou ter sido “laranja” de Duque e ter administrado as propinas que o então diretor da Petrobrás recebia de empresas contratadas pela estatal. A filial da Techint no Brasil chegou a vender tubos e canos para a Petrobras por mais de US$ 1,6 bilhão.
A Techint pagava propinas por meio de uma sociedade criada no Uruguai: Hayley SA. A companhia simulava contratos de serviço fictícios com as construtoras que prestavam serviços para a Petrobrás. Logo, o dinheiro chegou a uma conta na Suíça, no Millenium BCP Banque Privée, e dali seguiu para a sucursal da Hayley no Brasil, onde Bernardi comprava ativos para lavar o dinheiro: 12 imóveis, 14 obras de arte e mais US$ 1,5 milhão em fundos de investimento.
Neste processo, Duque já se comprometeu a devolver R$ 86 milhões em propinas desviadas por ele e que estavam depositadas no exterior. Na petição, Renato Duque abre mão desses valores depositados em duas contas no exterior, uma na Suíça e outra no principado de Mônaco. E, mais do que falar, apenas a devolução dessa propina por si só, já é algo que incomoda bastante os petistas, afinal, eles vivem dizendo que não houve roubo nenhum, que tudo não passou de invenção do Moro. Quando a propina aparece, fica difícil sustentar essa versão.
SÉRGIO CRUZ
Assista a íntegra do depoimento de Renato Duque ao juiz Sérgio Moro
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