Parlamentares, petroleiros e especialistas da área contestam a venda da Refinaria Isaac Sabbá (Reman) para o grupo Atem, anunciada em agosto do ano passado
O governo Bolsonaro pressiona o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para liberar a venda da refinaria da Petrobrás em Manaus, a Isaac Sabbá (Reman), para o grupo Atem.
O anúncio da privatização da refinaria em agosto do ano passado foi alvo de ações, críticas e manifestações de parlamentares, sindicalistas e de empresas do setor privado. A direção da Petrobrás assinou o contrato de venda da Refinaria Isaac Sabbá (Reman) e seus ativos logísticos pelo valor de US$ 189,5 milhões – o que equivale a R$ 994,15 milhões – ao grupo Atem.
Um estudo do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep) mostra que a Reman foi negociada com a Atem por 70% do seu valor. Ou seja, vendida por US$ 189 milhões, quando seu preço deveria ter sido, no mínimo, de US$ 279 milhões.
Em março, a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) declarou como ‘complexo’ o processo de venda da refinaria e determinou que a direção da Petrobrás fizesse um aprofundamento da análise da operação e seus efeitos sobre os mercados, além dos possíveis impactos concorrenciais.
A declaração de complexidade permite ao Cade determinar a realização de instrução complementar, especificando as diligências a serem produzidas, e facultando, ainda, à autarquia, requerer, posteriormente, se for o caso, a dilação do prazo em até 90 dias, alterando o prazo limite de análise da operação de 240 para 330 dias.
“Os dados revelam que a Reman tem um potencial importante de geração de caixa futura, o que, pelas premissas que achamos adequadas, pode estar sendo subvalorizada nesse momento de venda”, disseram os pesquisadores do Ineep. Para realizar o valor, o instituto utilizou o método do Fluxo de Caixa Descontado (FCD), que se baseia no valor presente dos fluxos de caixa, projetando-os para futuro. Do resultado, são descontadas: taxa que reflete o risco do negócio, despesas de capital (investimento em capital fixo) e necessidade adicionais de giro.
De acordo com instituto ainda, esse fluxo de caixa é calculado tanto para a empresa como para o acionista. Trata-se de um modelo de cálculo que apresenta o maior rigor técnico e conceitual, sendo, por isso, o mais indicado e adotado na avaliação de empresas.
Em outubro, com base na denúncia feita pelo Ineep, o Sindicato dos Petroleiros do Amazonas (Sindipetro-AM) entrou com ação na Justiça contra a venda da Reman ao grupo Atem. Além disto, o sindicato denuncia que a venda da Reman irá acarretar monopólio privado devido os ativos de logística e por estar localizada de forma isolada das demais refinarias do Sistema Petrobrás.
O Sindipetro-AM também apresentou denúncia no CADE contra a venda da Reman para o setor privado.
“A denúncia reforça as consequências e os impactos à economia do Amazonas com a venda da Reman, a única da Região Norte e localizada a mais de 4 mil km de distância da refinaria mais próxima”. “Com o monopólio privado, isolamento geográfico e logística, os preços dos combustíveis e gás de cozinha irão ter constantes reajustes de preços, prejudicando principalmente o consumidor”, destacou o sindicato em nota.
O Sindipetro-AM também alerta que o grupo Atem “irá deter de infraestrutura portuária importante, sendo possível realizar importações para completar o abastecimento – elevando mais ainda os preços de combustíveis e derivados. A empresa anunciada como compradora da Refinaria é uma empresa privada que atualmente é a maior distribuidora local. O crescimento da Atem também já foi alvo de denúncias. O grupo Atem conseguiu uma liminar que permite à companhia o não pagamento de impostos. O fato também moveu denúncias das demais empresas privadas no setor na região ao Cade, questionando o benefício e a venda da Reman ao grupo”, apontou o Sindipetro-AM.
As empresas Raízen, Fogás, Equador e Ipiranga, também já se manifestaram contrárias a operação de venda da refinaria da Petrobrás em Manaus para o grupo Atem.
Em nota publicada em março, as empresas manifestaram preocupações em relação à operação, relacionadas aos impactos na cadeia de refino de petróleo na região Norte do país, especialmente nos processos de importação e distribuição de combustível.
Na nota técnica da SG/CADE, as empresas “apontaram haver possível sobreposição horizontal relacionada ao mercado de refino e importações de combustíveis líquidos.” A Ipiranga, por exemplo, “alega haver sobreposição horizontal nos mercados de produção de gasolina A e de diesel A pela Reman com as importações desses combustíveis realizadas pela empresa Amazônia Energia, pertencente ao Grupo Atem. Nesse caso, a variação do índice de concentração (“D HHI”) mostra-se superior a 200 pontos”.
Na nota técnica, os técnicos do CADE afirmaram que “esse cenário gera preocupações concorrenciais decorrentes de um alto nível de participação de mercado do Grupo Atem na venda de gasolina A e diesel A na Região Norte, em especial nos estados do Amazonas e de Roraima que, segundo a Ipiranga, “pode chegar, respectivamente, a 72,2% e 56,6% (poder de monopólio)””.
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) também debateu no mês passado a venda da Refinaria Isaac Sabbá (Reman). Participaram da audiência publica petroleiros, senadores e pesquisadores do Dieese e do Ineep que se manifestaram contra a operação. O senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que a venda não se reflete em combustível mais barato para a população. A empresa compradora da refinaria foi convidada para o debate, mas não compareceu alegando que a operação ainda aguardava o aval da justiça.
RLAM PRIVATIZADA É CAMPEÃ DE PREÇOS ALTOS
O Observatório Social da Petrobras (OSP) tem denunciado que os preços praticados na Refinaria de Mataripe, antiga Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, privatizada em dezembro do ano passado para Acelen – pertencente ao fundo árabe Mubadala Capital – estão acima dos preços praticados pelas refinarias da Petrobrás.
Em março, a gasolina na Refinaria de Mataripe estava 11% acima da paridade de preços de importação (PPI) e do diesel 10%.
“Mataripe já nos mostra de forma clara os efeitos da privatização da Petrobrás. É fato que a venda das refinarias aumentará ainda mais o preço dos combustíveis em todo o País”, afirmou o economista do OSP e do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), Eric Gil Dantas.
O Sindicato do Comércio de Combustíveis, Energias Alternativas e Lojas de Conveniência do Estado da Bahia (Sindicombustíveis Bahia) enviou representação ao Cade, alegando abuso de poder econômico da Acelen
De acordo com os documentos apresentados ao CADE, a “Acelen vem praticando, na Bahia, preços substancialmente maiores do que os que ela própria pratica para venda a outros Estados, como Alagoas, Maranhão e até mesmo Amazonas”.
Ao assumir a refinaria em dezembro de 2021, a Acelen modificou a métrica e a forma de divulgação dos reajustes dos combustíveis. Com isso, passou a promover sucessivos aumentos nos preços dos combustíveis.