
O Federal Reserve dos EUA cortou em 0,25 ponto percentual as taxas de juros na reunião de setembro do Comitê Federal de Mercado Aberto (FCOM), seu primeiro corte de taxa desde dezembro, sob a piora nos números do mercado de trabalho detectados pelo Bureau de Estatísticas do Trabalho e os danos colaterais da guerra tarifária de Trump e de sua caçada aos imigrantes.
É a taxa de juro mais baixa desde novembro de 2022, na faixa de 4-4,25%, o que, para uma inflação de 2,9%, implica em um juro real de 1,3%. O Fed também sinalizou na quarta-feira (17) mais dois cortes de 0,25 ponto percentual nas duas reuniões que restam no ano.
Há meses, diante de uma monumental dívida pública [US$ 37 trilhões], da urgência em sua rolagem e dos sobressaltos no mercado de títulos do Tesouro, Trump vem exigindo do presidente do Fed, Jerome Powell, que corte os juros e corte bem, e deve seguir insatisfeito com os 0,25%.
O corte de 0,25% foi aprovado por 11 votos a 1, com o único voto divergente vindo do recém ingresso Stephen Miran, presidente licenciado do Conselho de Assessores Econômicos de Trump, que queria 0,5%. No Senado, sua aprovação para o cargo foi apertada: 48 a 47.
“Os ganhos de emprego diminuíram e os riscos negativos para o desemprego aumentaram”, disse Powell, durante uma coletiva de imprensa, constatando que, ao mesmo tempo, a inflação aumentou.
“No curto prazo”, disse ele, “os riscos para a inflação estão inclinados para cima e os riscos para o emprego para o lado negativo – uma situação desafiadora”.
Ele também observou que “a desaceleração acentuada tanto na oferta quanto na demanda por trabalhadores é incomum”.
O que é confirmado pelos dados do emprego do BLS de maio e junho, com o número de empregos adicionados à economia revisado para baixo em 258.000, enquanto a taxa de desemprego subiu para 4,3%, a maior desde 2021. Também há o efeito deletério da caçada aos imigrantes e deportações em massa desencadeadas pelo governo Trump.
Sob o tarifaço de Trump, a inflação em agosto subiu para 2,9%, apesar das promessas do presidente de que os custos iriam ser absorvidos pelos exportadores e pelas empresas, não pelos consumidores. Segundo o Laboratório de Orçamento da universidade de Yale, o tarifaço custará às famílias em média US$ 2.300 ao ano.
O diretor do Escritório de Orçamento do Congresso, um órgão apartidário, disse à CNBC na terça-feira que as tarifas já fizeram os preços subirem a um ritmo mais acelerado do que o inicialmente previsto.
As novas projeções econômicas mostraram que as autoridades continuam a ver a inflação terminando este ano em 3%, muito acima da meta de 2% do banco central, uma estimativa inalterada desde o final de junho. A previsão para o desemprego também permaneceu em 4,5% e a previsão para o crescimento econômico subiu ligeiramente de 1,4 para 1,6 por cento – anêmico, portanto.
Por sua vez Powell, naquele jargão de pitonisa usado pelos bancos centrais, sugeriu ser “razoável” esperar que as tarifas de Trump levem a “uma mudança única” nos preços. Mas – sempre tem um mas – ele filosofou que “também é possível que os efeitos inflacionários sejam mais persistentes, e esse é um risco a ser avaliado e gerenciado”.
“Nossa obrigação é garantir que um aumento único no nível de preços não se torne um problema contínuo de inflação”, asseverou. Embora haja dito antes que as tarifas mais altas “começaram a elevar os preços em algumas categorias de bens, mas seu efeito geral sobre a atividade econômica e a inflação ainda está para ser visto”.
Segundo um relatório do Financial Times desta semana, as indústrias produtoras de bens mais expostas ao efeito das tarifas “lideraram o declínio no sombrio relatório de empregos de agosto da semana passada, que mostrou que a economia dos EUA adicionou apenas 22.000 empregos à medida que as contratações desaceleraram”.
A manufatura, que supostamente deveria ser a maior beneficiária do tarifaço, perdeu 12.000 empregos em agosto, elevando o total este ano para 78.000. O setor de mineração, incluindo petróleo e gás – apesar do refrão de “drill, baby, drill” – perdeu 6.000 empregos. O emprego no comércio atacadista caiu 32.000, até agora, neste ano.
A gigante de máquinas industriais e agrícolas John Deere disse que as tarifas custaram US$ 300 milhões até agora este ano e que esse número provavelmente dobrará até o final do ano. Seu lucro líquido no terceiro trimestre caiu 26% em comparação com o mesmo período do ano passado. Já está demitindo.
Matéria do Wall Street Journal sobre uma conferência de executivos-chefes realizada na Universidade de Yale revelou que 71% dos entrevistados descreveram o tarifaço como prejudicial. Três quartos disseram que os tribunais estavam corretos ao dizer que as tarifas são ilegais quando executadas.
E não havia agricultores na conferência. Os executivos também disseram que os consumidores dos EUA e as empresas importadoras domésticas são os que arcam com o peso dos custos das tarifas, não as empresas ou países exportadores internacionais.
Quando perguntados se planejavam investir mais em manufatura e infraestrutura nos EUA, 62% dos entrevistados disseram que não planejavam fazê-lo.
A razão, disse o economista de Yale, Jeffrey Sonnenfeld, é porque tarifas, políticas de imigração e preocupações com a economia estão pesando sobre os líderes e impedindo-os de se sentirem confiantes o suficiente hoje para fazer novos investimentos. “Eles estão se segurando para fazer qualquer coisa”, disse ele.
Yves Smith, do portal Naked Capitalism, enfatizou que “a única coisa que está segurando a aparência de que as condições não são tão ruins é o mercado de ações vertiginosamente valorizado … que depende de muito poucas empresas com a bolha de IA como impulsionador. Quanto tempo antes que isso esvazie ou mesmo caia? Há sinais de enfraquecimento do sentimento entre os maiores ganhadores que mantiveram a economia no ar, como o fraco desempenho dos varejistas de bens de luxo e o colapso do mercado de arte.”
Cenário muito próximo do exposto recentemente pelo executivo-chefe do MacDonalds, Chris Kempczinski: os americanos agora vivem em um “cenário de consumo dividido” criado por “uma economia de dois níveis”: “Se você tem uma renda alta e ganha mais de US$ 100.000, as coisas estão boas, os mercados de ações estão perto das máximas históricas… O que vemos com os consumidores de renda média e baixa é, na verdade, uma história diferente”.