Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (8)
(HP 28/08/2015)
CARLOS LOPES
Um dia desses, um de nossos redatores lembrou do início do governo Dilma, quando a senhora presidente era promovida como “faxineira”, demitindo ministros e outras autoridades supostamente corruptas, sob os aplausos gerais da mídia mais reacionária, inclusive, da mais fascista.
Com exceção do Sr. Antonio Palocci, que adquiriu um apartamento por R$ 6,6 milhões (e um escritório por R$ 821 mil) devido a sua extraordinária competência como consultor universal – aumentou em 125 vezes o faturamento de sua empresa de consultoria entre 2006 e 2010 (cf. HP 25/05/2011) – não lembramos de ninguém demitido por algum indício real.
A maioria, como comprovado no caso Cachoeira-Demóstenes, tinha contra si os interesses mais escusos, abanados pela mídia mais escusa – e a histeria de Dilma em se submeter ao que há de mais escuso.
Enquanto isso, o Cartel do Bilhão – e sua corte de “operadores” do PT, PMDB e PP – esculhambava (é o termo) com as obras públicas e extorquia a Petrobrás e outras empresas, autarquias ou repartições públicas – ao modo do Octopus: para todo lado em que há (ou houve) obras públicas, lá estavam a Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez etc.
Recentemente, por mera curiosidade, demos uma olhada na inspeção do Tribunal de Contas da União (TCU), encerrada em maio, nas obras do Perímetro de Irrigação do Tabuleiro de Russas, no Ceará, empreendimento do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), construído por um consórcio formado pela Andrade Gutierrez e OAS.
Essas obras foram contratadas em 2002 – ou seja, ainda antes do governo Lula – pelo valor de R$ 84.737.023,48 (84 milhões, 737 mil, 23 reais e 48 centavos). Com aditivos de R$ 19.755.301,87 (19 milhões, 755 mil, 301 reais e 87 centavos), esse valor foi elevado para R$ 104.492.325,35 (104 milhões, 492 mil, 325 reais e 35 centavos), um aumento de +23% no preço.
Já que a maioria dos leitores – igual a nós – não é especialista em engenharia, preferimos transcrever, aqui, trechos da sentença do ministro Benjamin Zymler, ao invés do relatório da auditoria:
“Com relação à execução de serviços em desacordo com o projeto executivo, a equipe de auditoria confrontou a previsão dos principais elementos construtivos do empreendimento no projeto executivo com o as built [as medições do que foi efetivamente construído], identificando diversas modificações não justificadas.
O que há de ilegal, diz o TCU, é que “tais mudanças não podem trazer reflexo nos quantitativos, nas especificações técnicas ou no dimensionamento dos serviços contratados, o que exigiria necessariamente a prévia celebração de aditamento contratual” (cf. AC-2053-33/15-P, 19/8/2015).
No entanto, não existe o aditamento com essas mudanças, apesar de existirem quatro aditivos. Simplesmente, passou-se por cima do projeto executivo.
O detalhe final é que essa obra nunca funcionou. Segundo o DNOCS, por falta de água. O TCU estranha o planejamento de uma obra de irrigação que nunca funcionou por falta d’água. Porém, apesar do relatório e da decisão do TCU, ninguém foi responsabilizado.
Voltemos à Petrobrás.
O mais estranho na auditoria das obras de terraplenagem da Refinaria Abreu e Lima, a cargo do Consórcio Refinaria Abreu e Lima (Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Galvão Engenharia) é como as irregularidades foram identificadas tão precocemente – já em 2008 e 2009 – mas permaneceram por tanto tempo impunes e em processo de franco inchaço. É como se houvesse um poder acima do TCU, que sempre determinasse a continuação do roubo.
Trata-se de uma obra estimada em mais de meio bilhão de reais.
O relatório do ministro Valmir Campelo, aprovado pelo TCU em 2013, faz um resumo das várias auditorias.
Para melhor entendimento, destacamos que, do ponto de vista da contabilidade pública, “sobrepreço” e “superfaturamento” não são a mesma coisa.
Sobrepreço é definido como a estimativa de preços acima dos preços de mercado para compor uma planilha orçamentária.
Já o superfaturamento é o pagamento de valores acima daquele que é devido, como consequência da aceitação de quantidades acima das realmente empregadas – ou como consequência do sobrepreço.
No resumo abaixo, omitimos, por razões de espaço, a maior parte da cerebrina argumentação do cartel, apresentada por diretores da Petrobrás – hoje recolhidos à detenção – em favor dos sobrepreços e do superfaturamento.
Essa argumentação se resume a apresentar como um “por fora” (e haja “por fora”!) os custos de administração (central e local) e até mesmo o pouco tempo que os trabalhadores não se dedicam aos afazeres da obra, durante o horário de trabalho. Esta última invenção, denominada “impeditividade”, provocaria uma queda na produtividade, que aumentaria o preço da obra. Como diz o ministro em seu relatório, isso somente seria verdade se os equipamentos estivessem ligados na hora do cafezinho.
Abaixo, o resumo do relatório sobre Abreu e Lima, do ministro Valmir Campelo.
C.L.
1. O valor do contrato foi inicialmente previsto em R$ 429.207.776,71, a preços iniciais, data-base de 22 de junho de 2007.
2. O contrato foi concluído com o valor total pago pela Petrobrás de R$ 534.171.862,30, a preços iniciais de junho de 2007, já descontadas as notas de crédito lançadas a favor da Petrobrás, após a redução de alguns preços, mediante negociação com o consórcio construtor – e em decorrência da ação fiscalizadora do TCU.
3. Por ocasião da execução do Fiscobras 2008, a unidade técnica especializada em fiscalização de obras apontou indícios de irregularidades com o seguinte teor, em resumo:
a) ausência de cadastramento de contrato no SIASG (Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais);
b) início de investimento com duração superior a um ano sem constar do Plano Plurianual 2003-2007;
c) deficiência do projeto básico;
d) contratação sem licitação para elaboração do projeto básico;
e) obra licitada sem licença ambiental;
f) ausência, no edital, de critérios de aceitabilidade de preços unitário e global;
g) adiantamento de pagamentos;
h) ausência de celebração de termo aditivo ao contrato, apesar da ocorrência de alteração das condições inicialmente pactuadas;
i) orçamento incompleto, sem a composição dos preços unitários para cada serviço previsto;
j) sobrepreço de R$ 81.558.706,86, correspondente a 19% dos preços contratados (R$ 429.207.776,71).
4. Nos primeiros meses de 2009, a unidade técnica empreendeu nova inspeção na obra a fim de verificar o efetivo cumprimento da medida cautelar e de atualizar o valor do superfaturamento estimado.
5. Fatos novos foram apurados: o item “Execução de drenagem vertical subterrânea através de drenos fibro-químicos de seção 100 mm x 5 mm, incluindo fornecimento, corte, colocação/cravação, com comprimento máximo de 6 m por unidade” fora executado com aumento de 1.278% em relação ao quantitativo originalmente previsto e que seu preço estaria sobreavaliado em 48%, resultando em superfaturamento de R$ 6.397.158,16.
6. Além disso, encontrava-se em negociação proposta de termo aditivo para pagamento de distâncias adicionais de transporte, que, conforme verificado, acrescentariam mais R$ 63,5 milhões ao contrato, sem a devida motivação de tal ato.
7. Nas fases seguintes do processo, após a análise das respostas às audiências e às oitivas, a unidade técnica apresentou, entre outras medidas, proposta de conversão em tomada de contas especial, para cobrança de superfaturamento até então calculado em R$ 96.593.928,76, referente a medições efetuadas até abril de 2009. Nesse montante não estava considerado nenhum eventual prejuízo decorrente das distâncias adicionais de transporte, visto que até então não havia sido celebrado o aditivo correspondente.
8. Merece registro o fato de que também ocorreram fatos novos, tais como a celebração do 14o termo aditivo, com revisão de preços a impactar o cálculo do efetivo montante a ser ressarcido aos cofres da Petrobrás.
9. Em análise posterior, de outubro de 2010, foram acatadas algumas considerações levantadas pelas empresas. Esses ajustes, adicionados a outras correções de composição de outros itens de serviços, impactaram os preços considerados para o cálculo do superfaturamento, reduzindo-o para R$ 71.648.830,73.
10. Ao fim, sobrevindo o último termo aditivo ao contrato, mais uma análise foi empreendida (maio de 2012). Analisando o impacto desse último aditivo e os pagamentos ocorridos até o final do contrato, houve uma redução no valor do superfaturamento em relação à instrução anterior, passando a ser de R$ 69.597.561,76.
11. Ao comparar os preços propostos na ata de negociação dos itens relativos aos acréscimos de DMTs (distâncias médias de transporte), encontrou-se um sobrepreço de quase R$ 38 milhões.
12. Com efeito, o termo aditivo que formalizou os acréscimos só foi lavrado em março de 2010, não obstante terem sido realizados e medidos os serviços, antes dessa formalização.
13. Também cito a situação dos drenos de areia, cuja exorbitância do preço originalmente contratado foi ressaltado em meu voto condutor da primeira medida cautelar, com diferença maior na ordem de 459,86%, teve seus quantitativos aumentados enormemente, comparativamente ao que foi executado e o previsto no orçamento. Estavam previstos inicialmente a realização de 27.000 m3, mas já haviam sido realizados 299.758 m3 desse serviço.
14. Ora, com a repactuação do 14a TA [Termo Aditivo], o preço para esse serviço despencou de R$ 176,51 para R$ 49,09 [-72,19%].
15. Pelos quantitativos constantes nas medições da Petrobrás, o realinhamento do contrato acarretaria uma glosa de R$ 49.809.727,23.
16. A análise da documentação permitiu concluir a efetivação dos créditos resultantes da repactuação de preços em favor da Companhia, no valor de R$ 49.809.727,23 (preços sem correção).
17. Dessa forma, do valor do superfaturamento que ao final vier a ser fixado por este Tribunal, caso acolha a proposta que estarei submetendo ao colegiado, no importe de R$ 69.597.561,76 (a preços da data base do contrato – junho/2007), deve ser abatido o valor do crédito apropriado pela Petrobrás.
18. Aproveito esse ponto para afastar a argumentação trazida pelo Consórcio Abreu e Lima, no sentido de que o superfaturamento remanescente a ser considerado seria o resultado dessa diferença, no importe de R$ 19.787.834,53, valor que, se comparado ao montante executado no contrato, representaria percentual sem significância suficiente para se concluir pela ocorrência de superfaturamento.
19. A argumentação demonstra-se falaciosa, porque a redução dos preços decorreu, como já assinalei, da ação de controle deflagrada pelo TCU e consubstanciada nestes autos. Assim, para se fazer a adequada comparação percentual entre o montante do superfaturamento concluído pela unidade especializada (R$ 69.597.561,76) há que compará-lo, sem descontar as notas de crédito, com o valor executado no contrato, no importe de R$ 582.804.818,85. Tem-se, assim um superfaturamento da ordem de aproximadamente 12% – obtido, lembro, com critérios deveras conservadores. Ou seja, é um percentual nada desprezível, incabível de ser atribuído a variações aceitáveis pela jurisprudência do TCU.
20. A estratégia das argumentações apresentadas tanto pela Petrobrás como pelo Consórcio consistiu, inicialmente, em descaracterizar a validade desses paradigmas [de preço] para o cálculo do superfaturamento. A medida em que seus argumentos iam sendo meticulosamente refutados pela criteriosa e abalizada análise da unidade técnica especializada, novas argumentações eram apresentadas mediante apresentação de outros elementos adicionais de defesa, modificando-se a linha argumentativa ou contrapondo as análises preteritamente empreendidas. Algumas teses esposadas pelas partes, contudo, foram acolhidas, ensejando redução do superfaturamento inicialmente apontado, uma vez que se acatou – em uma abordagem bastante conservadora, em benefício dos defendentes – várias particularidades que estariam a reduzir os fatores de produtividade, procedendo-se os devidos ajustes.
21. O referido sobrepreço decorre, essencialmente, da prática de preços muito superiores aos referenciais do SICRO [Sistema de Custos Referenciais de Obras], para itens relacionados basicamente a serviço de terraplenagem.
22. Os argumentos trazidos pela Estatal e pelo consórcio consistem em tentar descaracterizar a validade dos referenciais do SICRO para a obra em análise. Todavia, a Secob (Secretaria de Fiscalização de Obras e Patrimônio da União), em sua análise, logrou demonstrar que as particularidades do empreendimento foram consideradas para a realização das adaptações necessárias, de modo a possibilitar a comparação dos preços contratuais com os preços de mercado, levando-se em conta as reais condições em que se desenvolve o empreendimento.
23. A Petrobrás e o consórcio não apresentaram as composições de custos unitários dos serviços. Os manifestantes parecem relutantes em apresentar estas informações, conforme oportunamente relatado pela equipe de auditoria. Há apenas o Demonstrativo de Formação de Preços (DFP), que seria o valor total de equipamentos, mão de obra e materiais do contrato como um todo, para Estimativa Petrobrás e para a proposta do consórcio contratado.
24. A Petrobrás, mesmo solicitada, não forneceu a composição de preços unitários de cada serviço do seu ‘Orçamento Estimativa Petrobrás –Terraplenagem RENEST’ e do orçamento proposto pelo consórcio vencedor da licitação.
25. Não identifiquei a presença de elementos que motivassem a alteração dos custos horários dos equipamentos na construção da refinaria, se comparada a uma obra rodoviária; os gastos de diesel, mão de obra, combustível e propriedade não variam de um caso para outro. Também não percebo motivos para grandes alterações nas produtividades dos serviços.
26. Quanto à adoção da cautelar “inaudita altera parte” [proibição de pagamento “sem consultar a outra parte”], além da cobertura legal e regimental da medida, avalio que o impressionante incremento na expectativa de superfaturamento do contrato após a primeira fiscalização do Tribunal, alcançando atuais R$ 94 milhões, impõe especial precaução nessa etapa processual. Ademais, como relatei anteriormente, a omissão na apresentação dos memoriais de cálculo, aliada aos indícios de sobrepreço nos serviços de transporte – não justificados no memorial – conduz à necessidade de tomada dessas providências imediatas.
27. Por último, com relação às ditas reduções de velocidade [dos caminhões dentro da obra], não vejo que tal argumento tenha força para alterar o conteúdo da proposta sugerida pela Secob e pelo Ministério Público. Eis alguns motivos:
a) a velocidade dos caminhões no canteiro de obras em nada altera a produtividade na execução dos ‘drenos fibro-químicos’;
b) o aumento de distâncias [percorrida pelos caminhões] continua imotivado em seus quantitativos;
c) os preços estavam sobre-elevados já na licitação;
d) a redução de velocidade nos caminhões em nada interfere no preço de boa parte dos serviços com sobrepreço elencados, como compactações, revestimento vegetal, drenos, bueiros e sarjetas;
e) a simples ilação sobre a redução de velocidade nos canteiros, desacompanhada de memorial que fundamente os preços unitários propostos em razão da nova velocidade média supostamente atingida, não representa motivo hábil, legalmente, para aceitação do preço proposto.