A fusão entre Suzano e Fibria, criando uma gigante do setor – líder mundial em celulose, quinta maior companhia em valor de mercado e maior empresa do agronegócio brasileiro – é um escândalo. O objetivo dessa nova megaempresa é criar condições negociais, logísticas e sobretudo bancário-financeiras para ganhar mercados globais e aumentar o faturamento de maneira exponencial. Esse cenário de monopólio deve ser visto com preocupação, pois se considerarmos uma área de milhares de hectares no comando de uma só indústria, isso pode influenciar futuramente no valor da produção regional.
NOVOS TEMPOS
O país vive novos tempos após a Lava Jato, e tanto os órgãos antitruste como a sociedade civil estão mais atentos aos “negócios de ocasião” que, ao longo dos anos, mostraram ser prejudiciais ao povo e à economia brasileira. Um exemplo disso é o recente acordo entre a Embraer e a Boeing para criar uma nova empresa (joint venture) com operações em comum. Apesar de o negócio entre Boeing e Embraer envolver valores bem menores que o da Suzano e Fibria – a fabricante norte-americana de aeronaves deve pagar 3,8 bilhões de dólares pelos 80% do novo negócio, enquanto a operação entre a as duas líderes do setor de celulose prevê troca de ações e o pagamento de R$ 29 bilhões da Suzano aos acionistas da Fibria –, ambas as fusões já enfrentam semelhantes obstáculos para serem efetivadas.
O negócio envolvendo Suzano e Fibria ainda tem muitas etapas a vencer para ser concluído, principalmente a resistência de entidades ligadas ao setor de celulose no Extremo Sul baiano, onde ambas as empresas mantêm operações e têm vastas extensões de plantação de eucalipto.
MOVIMENTO CONTRA MONOPÓLIO
O anúncio da compra da Fibria pela Suzano causou preocupação entre trabalhadores das empresas de celulose que atuam no Extremo Sul baiano e fomentados (produtores particulares que plantam eucalipto e vendem para as empresas de celulose). Eles pedem que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) analise os efeitos sobre o mercado antes da aprovação da compra. O surgimento de um oligopólio com características de monopólio no setor de celulose é visto com apreensão. Segundo lideranças do movimento, essa concentração é perigosa porque, se não for uma empresa do bem, ela poderá manipular o mercado.
Por isso, entidades da região deram início ao movimento denominado “Monopólio Não”, que está propondo, entre outras ações programadas, acionar juridicamente o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para vetar a compra da Fibria pela Suzano.
As lideranças do movimento consideram a fusão entre Suzano e Fibria o maior escândalo do Brasil depois da Petrobras e da JBS, cuja fusão com a Bertin, em 2010, criou a maior empresa de proteína animal do mundo, gerando um monopólio que resultou em corrupção e preço menores aos pecuaristas.
CONDIÇÕES DE TRABALHO
O Sindicato dos Trabalhadores na Silvicultura, no Plantio, nos Tratos Culturais, Extração e Beneficiamento da madeira em Atividades Florestais e Indústrias Moveleiras no extremo Sul da Bahia (Sintrexbem) está preocupado com as condições de trabalho após a fusão da Suzano com a Fibria. Segundo o presidente da Sintrexbem, Silvânio Alves, a empresa já nasce com uma “dívida monstruosa”, o que “certamente sobrará para o trabalhador pagar”.
O sindicato alega que a Suzano tem como hábito o “pouco diálogo com a comunidade” e que “existe o questionamento” sobre a opção por “mão de obra barata”, ou contratação de profissionais fora da sua área, para pagar uma remuneração menor.
Outra questão colocada pela classe é a diminuição da possibilidade de trabalho, já que o trabalhador técnico na área ficará sem opção e, “caso seja desligado, terá que se mudar para uma outra região para conseguir emprego em uma outra empresa”. No entendimento dos profissionais, a união criará um “poder totalitário” no segmento da celulose, com a formação da quinta maior companhia do país, “que consequentemente será a dona de alguns municípios da nossa região”.
Essa postura, ainda de acordo com os trabalhadores, “gera um enorme déficit de emprego na região”. “Falamos com conhecimento de causa, pois já vivenciamos situação parecida quando a Votorantim, em 2009, comprou a Aracruz e criou a Fibria Celulose. A Fibria nasceu da compra da Aracruz pela Votorantim em 2009, com ajuda do BNDES, em negócio que evitou quebra da empresa.
MODELO DE VENDA
O modelo de venda, tanto da Fibria para a Suzano como a fusão da Embraer com a Boeing, também promete ser alvo de ação judicial. Entidades do Extremo Sul baiano alegam que, pelo fato de a Fibria ter entre seus sócios majoritários uma empresa pública – o BNDES, através da BNDESPar -, a venda deveria passar por licitação, conforme determina a lei.
Também o acordo entre a Embraer e a Boeing precisa de autorização federal, já que, com a privatização da empresa em 1994, o governo passou a ter, por questões estratégicas e de segurança nacional, ações de caráter especial, chamadas de “golden share”, com direito a veto.
MINORITÁRIOS
A ação civil pública movida pelos parlamentares corre em paralelo à movimentação de minoritários da Embraer, que entendem que a formação de uma joint venture se trata, na prática, de uma transferência de controle que demandaria a realização de uma Oferta Pública de Aquisição de Ações (OPA) para todos os acionistas.
Os acionistas minoritários da Embraer, que entendem que serão prejudicados pelos negócios, já iniciaram a conversação com escritórios de advocacia para questionar os temos do acordo firmado entre as companhias.
Em 2006, uma história parecida aconteceu no acordo entre a Mittal e Arcelor. A Mittal, depois de muita disputa, teve que estender a oferta aos acionistas da controlada, a Arcelor Brasil. No caso, a Previ tomou posição publicamente e liderou os minoritários para exigirem a mesma metodologia de cálculo utilizada na aquisição do controle da Arcelor Europa pela Mittal Steel.
FIBRIA
Assim como os minoritários da Embraer, os acionistas da Fibria também prometem entrar na Justiça contra a venda da empresa. O Fundo de Investimento Versa já se manifestou contrário à fusão, argumentando que a combinação das operações da Fibria e Suzano traz prejuízo e fere os interesses aos acionistas minoritários da Fibria. “A transação como anunciada trouxe prejuízo aos acionistas minoritários da Fibria. Somos contrários à operação nesses termos”, afirma a diretoria do fundo de investimentos.
Segundo o Versa, “somados a parcela em dinheiro e ações, o valor oferecido pela Suzano não chega a R$ 65/ação, abaixo do valor de mercado da Fibria (R$ 71,6/ação) e abaixo da oferta existente da Paper Excellence (R$ 71,5/ação). Se considerarmos que a fusão gerará os R$ 10 bilhões em sinergias, o valor total chega em R$ 68,2/ação.
“Acreditamos que a decisão pode até ser questionada nos tribunais de justiça, pois o Artigo 115 da Lei das Sociedades Anônimas diz: o acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas”, avalia a empresa de fundo de investimentos.
BNDES
Em 2017, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) reconheceu que a fusão bilionária entre os frigoríficos Bertin e JBS, aprovada na época pelo Cade, foi fraudulenta. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional pediu que a Justiça cancelasse a fusão, alegando fraudes fiscais e societárias. Também foi contestado o apoio do BNDES aos dois frigoríficos para a operação. O Tribunal de Contas da União (TCU) calculou em R$ 711,3 milhões o prejuízo que o BNDES teve com operações de compra de ações e debêntures (títulos de dívida) do grupo JBS. Os auditores chegam a afirmar que houve “cessão graciosa de dinheiro público” para a empresa.
Na compra da Fibria pela Suzano não foi diferente, com o BNDES tendo um papel preponderante nas negociações. A fusão entre as duas companhias foi aprovada pelo BNDES e coordenada pelo BNDESPAR, banco de fomento que detém participação tanto na Suzano, quanto na Fibria. O banco aumentou a injeção de recursos no setor em 2009. Hoje, é o principal investidor em celulose no mundo.
HIDRELÉTRICA
O monopólio contribui para a formação de enclaves econômicos inexpugnáveis ao controle público, à lei e ao próprio Estado. Um exemplo disso é a questão ambiental.
A Suzano é, atualmente, a maior responsável pela poluição do rio Mucuri, situação que vem sendo denunciada há muitos anos pela imprensa e pela população que mora na região. As denúncias apontam que a empresa despeja matéria orgânica acima do que é permitido no rio, matando aos poucos aquele que é a fonte de renda para muita gente.
SONEGAÇÃO FISCAL
Além das questões ambientais, a Suzano terá de lidar com outras denúncias, dessa vez relativas à Fibria. Em 2016, produtores denunciaram que o estado da Bahia e os municípios do Extremo Sul poderiam estar deixando de arrecadar milhões de dólares anualmente em impostos pagos pelas exportações de celulose, que é uma commodity – produto primário com cotação internacional. O motivo é a diferença entre os valores por metro cúbico do eucalipto pagos pela Fibria na Bahia e em outros estados onde a empresa atua, entre eles o Espírito Santo, e em outros países. A empresa mantém uma fábrica no município capixaba de Aracruz, mas grande parte da madeira é oriunda de plantações no estado da Bahia.
Ainda conforme a denúncia, a medição dos caminhões de madeira que passam no Posto Fiscal do Estado da Bahia é feita precariamente. Com isso, os dados estatísticos “aumentam” a produção de metros cúbicos por hectare no Estado do Espírito Santo e “diminuem” a produtividade na Bahia. Segundo estimativa do Index (Instituto de Desenvolvimento do Extremo Sul), os prejuízos anuais com a suposta sonegação de impostos chegam a 70 milhões de dólares na Bahia.
PROPINA
Os prejuízos desse valor subfaturado da pauta estão sob suspeita e envolvem uma suposta propina a funcionários públicos do Estado da Bahia.
A sonegação afeta diretamente a população do Extremo Sul baiano, onde a Fibria mantém extensas áreas com plantação de eucalipto. Esses municípios dependem fortemente dos impostos gerados pela indústria de celulose, e o rebaixamento no preço pago pela commodity causa empobrecimento econômico à região.
Esse não é o único caso suspeito de sonegação fiscal envolvendo a Fibria. Em 2015, a gigante do setor de celulose entrou na mira da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa destinada à apuração de sonegação fiscal no Espírito Santo.
(Opovonews, 07/08/2018)