Para o senador Angelo Coronel (PSD-BA), liberdade de expressão não pode ser usada para acobertar calúnias, ofensas, violências e racismo na internet
O projeto de lei das fake news (PL 2.630/20), de relatoria do senador Angelo Coronel (PSD-BA), foi aprovado no Senado, na terça-feira (30), por 44 votos contra 32.
O senador também é presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, que investiga a produção e a disseminação de notícias falsas e ofensivas na internet.
A comissão tem recolhido provas que mostram o trabalho criminoso das redes bolsonaristas, com destaque para o “gabinete do ódio”, ligado ao Planalto, que ataca, ameaça, calunia a democracia e as instituições, como o STF e o Congresso Nacional, e desafetos de Jair Bolsonaro.
O PL 2.630/20 prevê que perfis suspeitos de disseminar fake news deverão ser identificados pela plataforma, além de outras alterações.
O PL, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania23-SE), teve apoios e contestações no Senado.
Em entrevista ao HP, o senador Angelo Coronel detalha as novas regras para coibir notícias falsas na internet e rebate críticas ao projeto.
“Esse PL é um primeiro passo nessa luta de tentar tornar o ambiente virtual limpo de manifestações que depreciem pessoas e marcas, que coloquem em risco nossa democracia por meio de discursos extremistas, e tantas outras coisas que nossa sociedade não aceita”, declara o senador.
Leia a seguir a entrevista:
Hora do Povo: Senador, os que são contrários acusam o projeto de cercear a liberdade de expressão. Como o senhor vê isso?
Angelo Coronel: Não há qualquer cerceamento à liberdade de expressão. O ponto mais gravoso do PL (artigo 12 – que traz situações em que um conteúdo pode ser retirado de imediato) diz respeito a manifestações graves, de quem, por exemplo, possa provocar um dano imediato de difícil reparação, viole direitos de crianças e adolescentes, faça discursos com preconceitos de raça. Manifestações que não estão acobertadas pela liberdade de expressão.
Quem acha normal que se vá para uma rede social ofender alguém, talvez não entenda que a sociedade não aceita esse comportamento. E é contra isso que o PL trabalha.
HP: Qual foi a posição das empresas de redes sociais em relação ao projeto?
AC: As redes sociais estão sofrendo protestos de grandes empresas, em todo mundo, que estão suspendendo anúncios por não concordarem com o ambiente contaminado das redes. Isso diz muito.
Não se percebe ações concretas das redes sociais para lutar contra conteúdos irregulares. Na discussão do projeto, não recebemos das plataformas soluções para os problemas apontados. Sem essa colaboração, as plataformas não parecem se importar com aquilo que se vê no ambiente virtual.
“Não se percebe ações concretas das redes sociais para lutar contra conteúdos irregulares“
HP: Como o projeto pode ajudar no combate às fake news? Qual a importância desse combate?
AC: O PL não buscou definir o que seja uma fake news ou uma desinformação, justamente para não arriscar comprometer a liberdade de expressão. O caminho buscado foi o de reafirmar os tipos de condutas que já ferem a legislação e por isso não podem ser aceitas.
Esse PL é um primeiro passo nessa luta de tentar tornar o ambiente virtual limpo de manifestações que depreciem pessoas e marcas, que coloquem em risco nossa democracia por meio de discursos extremistas, e tantas outras coisas que nossa sociedade não aceita.
Acreditamos que o próximo passo seja encarar as questões que envolvem a definição de crimes, debatendo em um PL específico que cuide dos crimes cometidos na internet e preveja mecanismos, por exemplo, para punir quem financia crimes praticados nas redes sociais ou quem financia essa enxurrada de robôs que espalham mensagens difamatórias nas redes sociais.
Como Presidente da CPMI das Fake News já tive contato profundo com todas essas preocupações e já apresentei o PL 2948/2020 que eleva as penas dos crimes contra a honra pela internet. Nesse PL é cabível incluir as emendas apresentadas por outros senadores para modificar a Lei de Lavagem de Dinheiro, a Lei Carolina Dieckmann, a Lei de Associação Criminosa, a Lei de Improbidade Administrativa e outros diplomas legais sobre matéria criminal.
HP: Quais foram as modificações mais importantes feitas pelo seu relatório, depois de ouvir os senadores e a sociedade civil?
AC: Vários senadores pediram explicações sobre o PL, sobre pontos considerados mais sensíveis. As principais alterações, após ouvir os colegas foram:
No artigo 5º, vamos incluir a seguinte ressalva na descrição de mensageria privada:
“excluídas aquelas prioritariamente destinadas a uso corporativo e os serviços de correio eletrônico.”
O artigo 8º reformulamos a redação para deixar claro que as medidas ali previstas atingirão apenas os números celulares cujos contratos forem rescindidos ou pelo usuário ou pela plataforma. A nova redação é a seguinte:
“Art. 8º Os serviços de mensageria privada que ofertem serviços vinculados exclusivamente a números de celulares ficam obrigados a suspender as contas de usuários que tiveram os contratos rescindidos pelas operadoras de telefonia ou pelos usuários do serviço.”
§1º Para o cumprimento do caput, os serviços de mensageria privada deverão solicitar os números objeto de contratos rescindidos às operadoras de telefonia, que os disponibilizarão, sem acréscimo de quaisquer outros dados cadastrais, conforme regulamentação.
§2º O disposto no caput não se aplica aos casos em que os usuários tenham solicitado a vinculação da conta para novo número de telefone.”
Da mesma forma, em atendimento aos apelos feitos por diversas entidades, mas sobretudo pela Safernet e por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente, lavramos uma nova redação para o artigo 12, que trata dos procedimentos de moderação. Procuramos tornar o texto mais sucinto, assegurando o direito de resposta e a remoção imediata de conteúdos em situações graves como a violação a direitos de crianças e adolescentes, preconceitos por questões de raça, etnia e procedência nacional. Com as sugestões, trabalhadas também em conjunto com diversos senadores, o artigo 12 ficou com a seguinte redação:
“Art. 12. Os provedores de aplicação de internet submetidos a esta Lei devem garantir o direito de acesso à informação e à liberdade de expressão de seus usuários nos processos de elaboração e aplicação de seus termos de uso, disponibilizando mecanismos de recurso e devido processo.
§1º Em caso de denúncia ou de medida aplicada em função dos termos de uso das aplicações ou da presente lei que recaia sobre conteúdos e contas em operação, o usuário deve ser notificado sobre a fundamentação, o processo de análise e a aplicação da medida, assim como sobre os prazos e procedimentos para sua contestação.
§2º Os provedores dispensarão a notificação aos usuários se verificarem risco de:
I – dano imediato de difícil reparação;
II – segurança da informação ou do usuário;
III – violação a direitos de crianças e adolescentes;
IV – crimes tipificados na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989;
V – grave comprometimento da usabilidade, integridade ou estabilidade da aplicação.
§3º Deve ser garantido pelo provedor o direito de o usuário recorrer da indisponibilização de conteúdo e contas.
§4º Havendo dano decorrente da caracterização equivocada de conteúdos como violadores dos padrões de uso de aplicações ou do disposto na presente lei, caberá ao provedor de redes sociais repará-lo, no âmbito e nos limites técnicos do serviço.
§5º O prazo de defesa será diferido nos casos de conteúdo que use imagem ou voz manipuladas para imitar a realidade, com o objetivo de induzir a erro acerca da identidade de candidato a cargo público, ressalvados o ânimo humorístico ou de paródia.
§6º A decisão do procedimento de moderação deverá assegurar ao ofendido o direito de resposta na mesma medida e alcance do conteúdo considerado inadequado.”
HP: O que mais os líderes partidários pediram para mudar no PL?
AC: Retiramos também, a pedido das bancadas do Cidadania e do MDB, o inciso III do artigo 14. O artigo trata da identificação de todos os conteúdos impulsionados e publicitários e o inciso III previa o direcionamento do usuário para acessar informações sobre os conteúdos impulsionados pela mesma conta responsável pelo impulsionamento ou publicidade nos últimos 12 (doze) meses.
De modo a atender a sugestão do Senador Cid Gomes (PDT-CE) e manter a competitividade dos anúncios nas redes sociais em relação às demais plataformas da internet, suprimi o artigo 16.
Já no artigo 19 atendi a sugestão do líder Eduardo Braga (MDB-AM) para permitir ao agente político, que possua mais de uma conta em plataforma, ressalvar das exigências desta Lei, as contas voltadas ao uso pessoal com os respectivos grupos de familiares e amigos. Deste modo, insiro no artigo 19 o seguinte parágrafo:
“§ 2º Caso possua mais de uma conta em uma plataforma, o agente político indicará aquela que representa oficialmente seu mandato ou cargo, sendo as demais eximidas das obrigações deste artigo.”
Modifico também a redação do artigo 26 que trata das competências do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet. Em seu inciso segundo do artigo 26 suprimo a expressão “e sugerir”.
Por sugestão da ilustre senadora Daniela Ribeiro (PP-PB), adiciono ao referido conselho representantes da ANATEL e do CONAR, totalizando 21 membros.
Também estamos acolhendo pedido do líder da Rede, Senador Randolfe Rodrigues (AP), melhorando a estrutura do Art. 27, especialmente quanto à forma de escolha pelos membros do Conselho indicados pela sociedade civil, pelas universidades, pela área de comunicação social, por exemplo. Para garantir que cada setor indique seus membros sem qualquer amarra, estamos retirando o parágrafo 5º que dizia que ato do Presidente do Congresso Nacional disciplinaria a forma de escolha desses conselheiros.
PEDRO BIANCO