PF apura propina em troca de decreto
Torrealba contou reunião no Palácio, em 2015, com Gleisi (PT) e Temer (PMDB)
Em seu depoimento à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público, Gonçalo Torrealba, um dos donos do Grupo Libra, que opera no Porto de Santos, revelou que João Batista Lima pediu dinheiro a ele para Temer.
Em sua resposta ao questionário da PF, em janeiro, Temer disse que seu amigo Batista Lima “nunca atuou como arrecadador de recursos”.
Além disso, no relatório da Operação Skala, a PF descreveu a busca e apreensão na casa de um sócio de Batista Lima, Carlos Alberto Costa, onde foram descobertos documentos das empresas Rodrimar, do Grupo Libra – investigados por passar propina para Temer, através de Batista Lima – e da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), feudo de Temer desde o governo Fernando Henrique Cardoso.
Os documentos estavam dentro de uma maleiro – e outra parte estava escondida em um quarto de bebê, no segundo andar da residência do sócio de Batista Lima.
O caso tem interesse além do óbvio – as negociatas e os indícios de que a Rodrimar e o Grupo Libra, beneficiados pela nova legislação dos portos, eram abastecedoras de propina para o grupo de Temer.
Além disso, outro elo de Temer com o PT – nesse caso, com a atual presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann – apareceu na Operação Skala.
Há algumas (poucas) semanas, em um texto quase interminável, um lulista, logo reproduzido por outros, defendeu que a Operação Skala – que prendeu alguns membros do círculo de Temer, inclusive Yunes e o tão onipresente, quanto escorregadio, Batista Lima – era a continuação “do golpe”.
Como assim, perguntará o leitor? Não foi o Temer que, segundo os petistas, deu o golpe na Dilma?
Segundo o sujeito, a Operação Skala só existiu para que a direita arrume um candidato de direita (!).
Deve ser porque o Temer é muito de esquerda. Tanto assim que foi vice da Dilma duas vezes…
Vamos poupar aos nossos leitores o resto desse rocambole.
Mais importante é notar que essa defesa de Temer não é gratuita. Há interesse bem concreto nela, por parte dos lulistas – ainda que o autor da arenga que citamos possa estar agindo apenas como boneco de ventríloquo de outros, mais espertos.
No relatório da Operação Skala, o mesmo sócio do Grupo Libra, Gonçalo Torrealba, conta que, em 2015, foi ao Palácio do Jaburu, onde Temer morava, para uma reunião com a senhora Gleisi Hoffmann, hoje presidente nacional do PT, na época, ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff.
A discussão, disse Torrealba, era sobre um terminal, no Porto de Santos, para exportação de soja – e sobre a renovação dos contratos que seu grupo tinha nesse porto.
O Grupo Libra queria prorrogar seus três contratos, mas devia R$ 2,3 bilhões (valores atualizados) em tarifas portuárias.
Por isso, estava proibido de renovar os contratos.
A dívida do Libra era 94% do que a Companhia Docas do Estado de São Paulo, que administra o Porto de Santos, tinha para receber. Pior ainda: essa dívida equivalia a mais de três vezes o que o grupo se comprometia a realizar em investimentos (R$ 723 milhões), nos 20 anos da prorrogação dos contratos.
No entanto, após a conversa com Gleisi e Temer, os contratos foram prorrogados até o ano de 2035 – sem que o Libra tivesse pago a dívida.
Além disso, as condições da prorrogação foram mais favoráveis que as dos contratos originais, mesmo a dívida permanecendo intocada. Em seu voto no TCU, a ministra Ana Arraes, relatora do caso, resumiu que, além da inadimplência, “a arrendatária nunca atingiu a movimentação projetada. Aliás, logo no início da concessão, requereu redução desse parâmetro para patamares mínimos e o aumento do prazo de carência. (…) os déficits de performance foram substanciais. Além da diminuição dos índices de movimentação, o patamar de receita de apenas 9% da projetada é outro aspecto a demonstrar o esvaziamento do interesse público no prolongamento da relação contratual” (cf. TC 024.631/2016-7).
Como disse o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que pediu a anulação da prorrogação, “o poder concedente [isto é, o governo] se despiu de todas as suas prerrogativas e responsabilidades para atender de modo servil aos interesses da arrendatária”.
Não havia, legalmente, como conceder a prorrogação.
Resumindo o caso do Grupo Libra:
1) Em 2013, Dilma emitiu a Medida Provisória dos Portos – uma daquelas criminosas medidas de privatização, que a administração Rousseff perpetrou.
2) Um dos aliados de Temer, o hoje detento Eduardo Cunha, entrou com uma emenda, permitindo que empresas com dívidas para com a Companhia de Docas pudessem prorrogar seus contratos. Em seu depoimento para o Ministério Público, Lúcio Funaro, que operava para a cúpula do PMDB, relatou:
“… o Eduardo [Cunha] me narrou que, na época, o Michel pediu a ele: ‘ó, tem que fazer isso, tem que fazer isso, cuidar disso’, para que o negócio não saísse do controle. Pela definição dessa MP, o grupo Libra não ia poder renovar mais as suas concessões portuárias, porque ele tinha vários débitos fiscais. E o que que o Eduardo Cunha fez? Pôs dentro dessa MP uma cláusula que empresas que possuíam dívida ativa inscrita poderiam renovar seus contratos no setor portuário desde que ajuizassem arbitragem para discutir esse débito tributário”.
Realmente, foi esse o conteúdo da inclusão que Cunha fez na MP.
3) Em 2014, a emenda de Cunha foi aprovada e sancionada por Dilma. No mesmo ano, o Grupo Libra doou R$ 1 milhão para a campanha de Temer à vice-presidência e Gonçalo Torrealba, principal sócio do grupo, doou R$ 250 mil para o diretório do PMDB do Rio – isto é, para Eduardo Cunha.
4) Em 2015, o Grupo Libra entrou com pedido de prorrogação por 20 anos de seus contratos de concessão no porto de Santos. Como nota o procurador Júlio Marcelo, mesmo com a aprovação da emenda de Cunha na MP dos Portos, a prorrogação era completamente ilegal, até porque nem a exigência de “arbitragem” fora cumprida.
5) Os técnicos da Secretaria dos Portos deram parecer contrário à prorrogação dos contratos do Libra, considerando-a ilegal e contrária ao interesse público.
6) Houve, então, um encontro de Temer com Torrealba, que foi intermediado por Batista Lima.
7) Em seguida, Torrealba encontrou-se com Gleisi Hoffmann e Temer no Palácio do Jaburu.
8) Em setembro de 2015, os contratos do Libra foram prorrogados, passando por cima da lei.
Os contratos prorrogados somavam R$ 11.594.147.782,65 (onze bilhões, 594 milhões, 147 mil, 782 reais e 65 centavos).
CARLOS LOPES
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