Para aumentar os investimentos no refino é necessário taxar a exportação de petróleo bruto, defende Paulo César Lima
O governo Bolsonaro não constrói nada. Como ele mesmo disse, “vamos desconstruir muita coisa”. Sua meta é vender o país inteiro. Regozija-se de cada ativo vendido, de cada empresa entregue. A ponto de, no Oriente Médio, ele comemorar entusiasticamente que “os Emirados querem comprar dois times brasileiros”. “Eles têm 12 times de futebol fora do seu país, e eles querem dois times aqui do Brasil”, festejou. Chegou ao cúmulo de oferecer o Botafogo na bandeja.
Mas, a falta de patriotismo, o entreguismo desvairado não ficou só nos times de futebol. A conversa ali era a alienação de nossa refinarias. O Mubadala, fundo do governo dos Emirados Árabes, e a Petrobrás devem assinar, nos próximos dias, o contrato final de venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), da Bahia. Vamos deixar de refinar petróleo brasileiro. Os Emirados vão ficar com a refinaria, vão passar a produzir os derivados que a Petrobrás produzia e mandar o lucro para fora.
É possível, segundo o Consultor Legislativo aposentado Paulo Cesar Lima, que o Mubadala importe petróleo dos Emirados Árabes. “A RLAM tem capacidade de processar 333 mil barris de petróleo por dia. Assim, as exportações de petróleo pela Petrobrás podem aumentar muito”, observou. “Se houvesse cobrança de imposto de exportação sobre petróleo bruto, por certo a Petrobrás não venderia a RLAM, nem as outras refinarias. Vejam a importância do imposto de exportação do petróleo bruto”, destacou o especialista.
Em carta ao senador Jean Paul Prates (PT-SE), Paulo Cesar argumenta a favor do imposto de exportação de petróleo bruto, tema que está em discussão tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados. Diversos especialistas avaliam que este é o caminho para ampliar o parque de refino nacional e resolver a crise dos preços dos derivados que não param de subir. A venda pura e simples das refinarias, como o governo está fazendo, vai agravar a situação.
TAXAR EXPORTAÇÕES DE PETRÓLEO BRUTO ABRE ESPAÇO PARA AUMENTAR REFINO
Segue a íntegra das argumentações do consultor legislativo:
“No 3º trimestre de 2021, o custo total de produção da Petrobrás foi de US$ 34 por barril. Nesse mesmo período, o preço médio de venda do petróleo foi de US$ 69,54 por barril. Assim, a receita líquida da estatal foi de US$ 35,54 por barril de petróleo produzido.
Além do baixo custo de extração, essa elevada receita líquida da Petrobrás decorre da baixa participação governamental de apenas US$ 13 por barril, o que representa 36,6% da receita líquida e 18,7% da receita total.
As empresas petrolíferas privadas que atuam no Brasil, geralmente em parceria com a Petrobrás, também apresentam um baixo custo total de produção e um baixo pagamento de participação governamental, principalmente na província petrolífera do Pré-Sal.
De fato, o Brasil está entre os países de menor participação governamental. Historicamente, nossa participação governamental é menor que a dos Estados Unidos, país que tem como objetivo maximizar a produção em vez da renda estatal.
Entre os países exportadores líquidos com campos de classe mundial, como os do Pré-Sal, o Brasil é, sem dúvida, o de menor participação governamental do planeta.
Como não há pagamento de imposto de exportação sobre o petróleo bruto, essa atividade torna-se extremamente rentável em detrimento da atividade de refino.
No cenário nacional de baixo pagamento de participação governamental e de reduzidos investimentos em refino, o imposto de exportação sobre petróleo bruto, além de aumentar a participação governamental, seria um importante instrumento de política industrial.
A decisão Administração da Petrobrás de vender oito de suas treze refinarias não foi uma imposição do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), mas uma proposta da própria estatal no âmbito de um processo aberto nesse órgão pela ABICOM (ssociação Brasileira de Importadores e Combustíveis).
Se houvesse efetivo pagamento de tributo sobre a exportação de petróleo bruto, é provável que a Administração não tivesse feito essa “proposta” ao CADE, pois ela seria antieconômica.
Desse modo, caso houvesse a tributação sobre a exportação de petróleo bruto, é possível que as unidades de refino e respectivos ativos logísticos da RLAM e de outras unidades não tivessem sido vendidas ou não estariam em processo de venda.
“Caso houvesse a tributação sobre a exportação de petróleo bruto, é possível que as unidades de refino e respectivos ativos logísticos da RLAM e de outras unidades não tivessem sido vendidas ou não estariam em processo de venda”
Nesse contexto, foi muito importante a apresentação do Projeto de Lei – PL nº 1472/2021, de autoria do ilustre Senador Rogério Carvalho, que efetivamente propõe a tributação da exportação do petróleo bruto. Para um valor do petróleo de US$ 69,54 por barril, como ocorreu no 3º trimestre de 2021, a alíquota do imposto de exportação seria de 20%, o que representa uma arrecadação de US$ 13,9 por barril.
Se houvesse a cobrança desse imposto, o custo total de produção aumentaria de US$ 34 por barril para US$ 47,9 por barril. Ainda assim, a receita líquida seria muito alta, pois cairia de US$ 35,54 por barril para elevados US$ 21,6 por barril.
Dessa forma, o imposto de exportação de US$ 13,9 por barril poderia gerar uma receita estatal anual de R$ 38 bilhões por ano, sem comprometer, em demasia, a lucratividade das empresas petrolíferas. Essa receita abriria espaço fiscal para a estabilização e redução dos preços dos combustíveis no Brasil.
Como Relator do PL 1742/2021, o Senhor poderia ter feito aperfeiçoamentos na proposição, como, por exemplo, a tributação da exportação apenas de campos de baixo custo total de produção, o direito à apropriação da parcela da produção de valor igual ao tributo pago, entre outras.
No entanto, ao propor alíquota zero de imposto de exportação sobre o valor do petróleo exportado abaixo de US$ 80 por barril, propõe-se, praticamente, a não cobrança desse tributo, pois as médias históricas do preço do petróleo são abaixo de US$ 80 por barril.
Restaria, então, a destinação das receitas de participações governamentais e de dividendos para o fundo de estabilização e redução dos preços dos combustíveis.
Como já mencionado, as participações governamentais no Brasil são muito baixas, apesar de os pagamentos dos “royalties do petróleo” serem elevados para alguns estados e municípios, notadamente para o estado do Rio de Janeiro e seus municípios.
A parcela da União, que seria destinada ao fundo é pequena e decorre, principalmente, da produção do Pré-Sal. Os royalties e participações governamentais da União do horizonte geológico do Pré-Sal são destinadas, principalmente, às áreas de educação e saúde.
Nos regimes de cessão onerosa e de partilha de produção sequer há o pagamento de participações especiais. No regime de partilha, o óleo lucro da União, também destinado a áreas sociais, será baixíssimo nos próximos cinco anos.
“Nos regimes de cessão onerosa e de partilha de produção sequer há o pagamento de participações especiais. No regime de partilha, o óleo lucro da União, também destinado a áreas sociais, será baixíssimo nos próximos cinco anos”
Em um cenário de déficits fiscais, como o atual, a destinação de recursos públicos do orçamento de áreas sociais para o fundo dos combustíveis seria “desvestir um santo para vestir outro”. Por isso, é importante haver uma nova fonte de receitas.
No caso dos dividendos, espera-se que a Petrobrás deixe de ser grande pagadora, pois apenas 37% do capital social da estatal é da União e entes federais. Desse modo, 63% dos dividendos são destinados aos acionistas privados; 43% dos dividendos são destinados a acionistas estrangeiros.
Historicamente, importantes empresas estatais como a Petrobrás e a Statoil (atual Equinor) têm como meta os investimentos em benefícios das populações de seus países, em vez da irresponsável distribuição de dividendos. Por isso, historicamente, os dividendos pagos por essas empresas são apenas um pequeno percentual da participação governamental.
Apesar desse baixo pagamento de dividendos, a Noruega conta com um fundo petrolífero de mais de US$ 1 trilhão, pois, historicamente, a participação governamental nesse país é o dobro da participação governamental no Brasil. A principal diferença entre os dois países é a efetiva tributação da renda das empresas petrolíferas.
Diante do exposto, seria muito importante o Senhor analisar possíveis alterações no Substitutivo apresentado ao PL 1472/2021. Como dizia o ilustre Darcy Ribeiro, talvez seja melhor estar ao lado dos derrotados do que ao lado dos “chamados” vencedores.”