“Não podemos combinar que a pandemia só vai durar três meses. Se demorar mais, vai custar mais, não só em termos de recursos do Tesouro, mas em termos de vidas humanas”
O secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, o ex-ministro Henrique Meirelles, defendeu o projeto de socorro aos estados e municípios aprovado pela Câmara dos Deputados na segunda-feira (13), que recompõe as perdas da arrecadação com a crise do coronavírus.
Para Meirelles, “não faz sentido” a crítica do ministro da Economia, Paulo Guedes, que disse que o projeto será vetado por Bolsonaro.
De acordo com Meirelles, o projeto entra como “compensação da perda do ICMS perdido”. “São os Estados que estão na linha de frente do combate da Covid-19, comprando respiradores, fazendo hospitais de campanha, mantendo policiais nas ruas. As despesas estão aumentando fortemente e a receitas caindo muito”, afirmou.
“O projeto está sendo criticado como se fosse uma farra fiscal. É um erro essa classificação. Ele faz compensação parcial das perdas. Ele compensa apenas a queda nominal do ICMS, não compensa os demais impostos, IPVA, ITCMS. E também não aumenta o endividamento”, afirmou Meirelles. “No Brasil, ao contrário dos EUA, o Tesouro tem monopólio da emissão de dívida, então não há outra solução para combater a crise, que não seja compensar a arrecadação”.
Guedes quer limitar a ajuda a três meses e definir um limite no repasse aos estados e municípios. O texto aprovado determina que o repasse feito pela União seja por seis meses para compensar as perdas com o ICMS dos estados e o ISS dos municípios, mas não define valor já que depende da arrecadação. Se cair 30%, recompõe 70%, se não houver queda na arrecadação, não haverá repasse da União.
“Não sabemos qual será a duração e o tamanho da recessão. São questões que não dependem da nossa decisão. Vamos fazer um acordo com quem? Com Deus?”, declarou Meirelles. “Não podemos combinar que a pandemia só vai durar três meses. Se demorar mais, vai custar mais, não só em termos de recursos do Tesouro, mas em termos de vidas humanas”.
“Não cabe aos estados determinar que vamos encerrar o isolamento na data tal e que a economia voltará ao normal imediatamente”, afirmou Meirelles.
“A crítica que se faz, de que não se sabe o valor [dos repasses], também não faz sentido”, reagiu Meirelles. “Todos estamos trabalhando para ser o menor possível. Se durar mais, a tragédia humana será maior e a consequência econômica também. A sociedade brasileira vai ter que enfrentar. Vai aumentar a dívida? Vamos ter que enfrentar esse problema”.
Para Meirelles determinar um valor fixo de repasse, como propõe novamente o governo seria “arbitrário”. “Não dá para ser um valor fixo. Porque não sabemos qual é o valor certo. E se a crise durar mais tempo vai custar mais em outras frentes. Quanto maior a tragédia, nós vamos ter que enfrentar. Nós não podemos dizer: então só vamos construir hospitais se a pandemia durar 3 meses? Não existe esse raciocínio. Nós temos que enfrentar o desastre de saúde e as consequências econômicas na dimensão que ela for”, disse, destacando que o tamanho e a duração da pandemia não é decisão dos Estados. “O inimigo é o vírus”, enfatizou.
O secretário da Fazenda do Estado de São Paulo rebateu as críticas do governo Bolsonaro de que a ajuda levaria os governadores a estender a quarentena. “Não faz sentido nenhum. Tem todo um custo econômico, de vidas, políticos. O risco é o contrário, os governadores sendo pressionados a abrir, rever a quarentena”, disse. “Vamos defender a lei, queremos manter todos os serviços básicos à população, saúde, segurança, transporte, continuar pagando professores. As despesas continuam, não é porque caiu a arrecadação que vou dizer que não pago salário”, afirmou.
Meirelles defendeu as medidas de quarentena implementadas pelo governador João Doria. “Ninguém tomou uma atitude simplesmente pela vontade de diminuir a atividade econômica. Elas foram necessárias para proteger a população”. E ressaltou que a crise vai atingir todo mundo. “O PIB deve cair 10% no segundo trimestre”.
Na terça-feira (14), o governo federal apresentou um pacote alternativo ao projeto aprovado pela Câmara no valor de R$ 77,4 bilhões –sendo R$ 40 bilhões de repasses diretos aos estados e municípios, R$ 22,6 bilhões de suspensão de dívidas com a União e R$ 14,8 bilhões, de dívidas com bancos públicos federais.
Segundo Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, os números do governo não são reais. “A verdade é que a proposta do governo e de R$ 22 bilhões e a iniciativa não resolve três meses dos estados”, disse.
“O governo fica usando valores que já foram transferidos antes para incluir numa nova proposta”, afirmou Maia. Entre as medidas já tomadas antes e que o governo computa na nova proposta estão suspensão de dívidas, recomposição dos fundos de participação estaduais e municipais e outras que perfazem R$ 49 bilhões.
“A recomposição anterior dos fundos de participação beneficiou estados do Norte e Nordeste que não dependem tanto do ICMS e do ISS. Os estados e municípios maiores, que administram mais UTIs, e que dependem mais desses impostos, não vão suportar nem três meses”, avaliou o presidente da Câmara.