
O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou, por decisão do ministro Flávio Dino, a desapropriação de propriedades rurais em que sejam comprovadas práticas de incêndios criminosos ou desmatamento ilegal. A medida vale somente se for demonstrada a responsabilidade do proprietário. A deliberação responde a uma ação em curso desde 2020, movida com o objetivo de conter a destruição ambiental recorrente no país.
A decisão vem após um ano marcado por níveis recordes de queimadas, que destruíram vastas áreas de biomas sensíveis como Amazônia e Pantanal. Uma análise recente do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) aponta que grande parte desses focos de incêndio ocorreu em grandes propriedades, responsáveis por 2,8 milhões de hectares queimados entre janeiro e agosto de 2024 – um aumento de 163% em relação ao mesmo período de 2023.
“Não é razoável que, ano após ano, bilhões de reais de dinheiro público sejam gastos combatendo incêndios dolosos e desmatamentos claramente ilegais”, afirmou o ministro em sua decisão. Ele completou: “Com este ciclo perpétuo, pune-se duplamente a sociedade: pelos danos ambientais e pelo dispêndio evitável de recursos públicos”.
Além da desapropriação, o STF determinou que a União e os estados que integram a Amazônia Legal e o Pantanal implementem medidas legais e operacionais para impedir a regularização fundiária em áreas onde práticas ilegais já tenham sido comprovadas. Também foi ordenada a adoção de medidas judiciais para buscar indenizações dos responsáveis pelos crimes ambientais.
A decisão obriga ainda o uso do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (SINAFLOR) para concessão de autorizações de supressão vegetal. A Corte também cobrou explicações da União sobre o uso dos recursos destinados ao Ibama e ICMBio em 2024 e pediu informações sobre a digitalização dos registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Um levantamento mostrou que, em 12 anos, apenas 3% dos cadastros foram analisados – o que compromete a fiscalização do cumprimento do Código Florestal.
Com o novo entendimento do STF, a União e os estados mencionados deverão apresentar planos e relatórios para garantir que as medidas sejam efetivamente cumpridas. Os imóveis identificados com desmatamento ou queimadas dolosas poderão ser transferidos ao poder público após o devido processo de comprovação.
A decisão foi celebrada por instituições ambientais que participaram da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 743, como WWF, Greenpeace, Observatório do Clima e Instituto Socioambiental (ISA).
“A decisão do Ministro Flávio Dino reafirma o compromisso do STF com a proteção da Amazônia, do Pantanal e dos direitos dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Ao determinar a desapropriação de imóveis responsáveis por incêndios e desmatamento ilegais e ao reconhecer a importância da proteção dos territórios quilombolas no CAR, a Corte avança na efetivação da função socioambiental da propriedade e na defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito de todos”, declarou Diogo Rosa Souza, advogado do ISA.
Para Daniela Jerez, do Greenpeace, a medida é um marco no combate à impunidade ambiental:
“A determinação do STF é um passo importante no enfrentamento da impunidade nos crimes ambientais ao impedir que agentes responsáveis por desmatamentos e queimadas ilegais se beneficiem dos ilícitos cometidos. A Constituição prevê que a função social da propriedade é cumprida quando se observa o requisito de proteção do meio ambiente e a decisão do Ministro vem na direção de dar efetividade a esse comando constitucional.”