
O ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal, negou um recurso do Estado de Santa Catarina contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado (TJSC), que considerou ilegal a lei que institui o ensino domiciliar, o chamado homeschooling. A decisão de Moraes rejeitou um agravo Extraordinário pleiteado pelo governador do Estado, o bolsonarista Jorginho Mello (PL).
Em dezembro de 2021, o TJSC considerou procedente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) um recurso do Ministério Público de Santa Catarina. O Tribunal entendeu que somente a União tem a prerrogativa legislativa para atuar em questões da lei de diretrizes e bases da educação.
Uma Lei Complementar Estadual sancionada no ano passado pelo então governador Carlos Moisés (Republicanos), que na campanha de 2022 apareceu na propaganda política eleitoral atirando com uma pistola, e em 2018 foi eleito com o apoio de Bolsonaro, também foi apontada como ato de interferência no Poder Executivo municipal.
Ao respaldar a decisão do Tribunal, o ministro destacou que a questão do ensino domiciliar deve ser regulada por lei federal, não por legislação de estados e municípios. “O ensino domiciliar não é um direito público subjetivo do aluno ou de sua família, mas sua instituição não é constitucionalmente proibida, desde que seja regulada por lei federal”, declarou Moraes.
A Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina (PGE) disse que o formato de ensino não representa uma nova diretriz ou base educacional, mas uma alternativa de garantir o direito à educação. Em comunicado, o órgão disse que vai continuar atuando em defesa da autonomia legislativa do Estado de Santa Catarina a fim de que o ente possa atuar conforme as liberdades constitucionais.
Em julho de 2023, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) declarou a inconstitucionalidade da lei que prevê a possibilidade da educação no recinto domiciliar no DF. A ação foi proposta pelo Sindicato dos Professores do DF (Sinpro/DF) contra o chefe do Poder Executivo local e a Câmara Legislativa do DF (CLDF).
Antes, em junho deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo votou pela ilegalidade da Lei 5. 750/22, do município de Taubaté no interior do Estado, que regulamentava o ensino domiciliar na esfera da educação básica no município. Na análise do TJSPP, a competência para tratar sobre assuntos pertinentes à Lei de Diretrizes de Base da Educação (LDB), é de âmbito exclusivo da União, posição semelhante às demais instâncias judiciárias citadas neste texto.
Aprovada em março de 2022 pela Câmara de Vereadores, a Lei do Homeschooling que deveria ser aplicada em Porto Alegre em 2023, patina. Isso também em função de decisão judicial que segue o entendimento de que o papel de atuar em assuntos concernentes à LDB é de alçada federal.
Esse modelo de ensino enfrenta resistência de professores, estudantes, sindicatos, entidades ligadas à educação, entre outras, inclusive do Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância. Em nota divulgada no ano passado por ocasião da aprovação pela Câmara do projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar no país”, órgão divulgou uma nota criticando a decisão dos deputados.
PRIVAÇÃO DE DIREITOS
Segundo o Unicef, o modelo priva crianças e adolescentes do direito de aprender. “Autorizar a educação domiciliar significa privar crianças e adolescentes do seu pleno direito de aprender. Família e escola têm deveres diferentes e complementares na vida de meninas e meninos”, afirmou.
A família, de acordo com o Fundo, “é o lugar do cuidado e de aprendizagens não curriculares, dentro de um ambiente privado”. É a escola, prossegue o organismo internacional, “o lugar da aprendizagem curricular e é o principal espaço público em que o estudante interage com outras pessoas, socializa e aprende”.
Pelo Twitter, usuários discutiram a decisão do TJSC. Um deles postou que “Homeschooling no Brasil é porta aberta pra abuso sexual de crianças. Mais de 70% dos abusos ocorrem na família”.
Um estudo do Ministério dos Direitos Humanos em 2019 apontou que quase 90% da violência sexual contra crianças acontece no ambiente familiar. Durante o ano de 2018, o Disque 100, conhecido como Disque Direitos Humanos, registrou um total de 17.093 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no país. Desse total, 13.418 queixas se referiam a abuso, enquanto 3.675 telefonemas foram classificados como casos de exploração sexual.