Ladrões comemoram vitória da impunidade
Por 6 a 5, Supremo se submete a corruptos e envergonha o Brasil
A sessão do STF de quarta-feira ficará famosa pelos membros, inclusive sua presidente, que renegaram seus votos de poucos meses antes – quando Cunha foi afastado de seu mandato – e amesquinharam a instituição, submetendo-a aos ladrões do Senado. Qual a diferença, perante a lei, entre o desclassificado Aécio Neves e o desclassificado Eduardo Cunha? Ficará famosa, também pelos cinco ministros – Fachin, Barroso, Fux, Rosa Weber e Celso de Mello – que recusaram rebaixar a sua dignidade e mantiveram seus votos e sua independência.
Como ressaltou, na quarta-feira, o ministro Luís Edson Fachin, o poder do Supremo Tribunal Federal de decidir medidas cautelares – inclusive o afastamento temporário do mandato – para que parlamentares não continuem a delinquir, foi votado “à unanimidade” – e o ministro repetiu: “à unanimidade” – no dia 5 de maio de 2016, quando afastou Eduardo Cunha.
Mas, na quarta-feira, cinco ministros do STF – Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Marco Aurélio de Mello, e, claro, Gilmar Mendes – mudaram o seu voto e se juntaram ao ministro de Temer, Alexandre Moraes, para aprovar que essas medidas judiciais sobre parlamentares só valem se o Senado ou a Câmara concordarem.
Em que o desclassificado Aécio Neves é diferente, diante da lei, do desclassificado Eduardo Cunha?
Porém, além de estabelecer que os parlamentares estão acima da lei comum, os seis ministros do STF entregaram o julgamento dos ladrões com mandato aos próprios ladrões com mandato parlamentar. Nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso, um dos que se recusaram a aprovar esse despautério:
“… o direito não deve ser interpretado fora da realidade em que está inserido, e o momento atual é de revelação de esquemas espantosos de corrupção sistêmica e endêmica que ocorreram no país. Resta saber, portanto, se a Constituição deve ser interpretada de modo a permitir que a sociedade brasileira enfrente esse mal ou se ela deve ser interpretada ao contrário, de modo a se criar o máximo de embaraço ao aprimoramento, à transformação dos costumes no país.
“A ideia de que o Poder Judiciário não possa exercer o seu poder cautelar para impedir o cometimento de um crime que esteja em curso é a negação do estado de direito. Significa dizer que o crime é permitido para algumas pessoas. Eu não gostaria de viver em um país que fosse assim”.
Além de Fachin e Barroso, mantiveram seus votos os ministros Luiz Fux, Rosa Weber e Celso de Mello.
Disse o ministro Fux que tenta-se impor ao Judiciário “um estado de inércia, a assistir a prática de inúmeros delitos aguardando que eventualmente todas as provas sejam destruídas até o recebimento da denúncia, e depois disso o Parlamento possa sustar a ação penal”. Para isso, alegam-se “garantias constitucionais intransponíveis”, que, simplesmente, não existem.
Tanto é assim que na sentença aprovada por unanimidade em maio de 2016, redigida pelo falecido ministro Teori Zavascki, fora dito que: “O mandato não é um título vazio, que autoriza expectativas de poder ilimitadas, irresponsáveis ou sem sentido. Se os interesses populares vierem a se revelar contrários às garantias, às liberdades e ao projeto de justiça da Constituição, lá estará o Supremo Tribunal para declará-los nulos. É papel do STF atuar para que tenhamos uma república para os comuns, e não uma comuna de intocáveis”.
Foi isso o que a maioria do STF renegou na quarta-feira, amoldando-se à pressão dos ladrões no governo e nas organizações criminosas sob a forma de partidos (PMDB, PT, PSDB, centrão).
Alguns desses votos mutantes atualizam a célebre afirmação do maior de nossos juristas: “Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz cobarde” (Rui Barbosa, “O justo e a justiça política”, OC, V. 26, t. 4, 1899, p. 191).
Nem tocaremos nos votos de Gilmar Mendes e Alexandre Moraes, pois não pertencem, nem tangencialmente, ao direito, mas àquele facciosismo que Rui Barbosa verberou.
Disse o ministro Toffoli: “O STF não pode atuar como fomentador de tensões constitucionais”.
Que “tensões” são essas? A tensão entre a lei e o crime, entre a justiça e a injustiça, entre a Constituição e os que atentam contra a Constituição. Mas não é o STF que fomenta essas tensões: quem o faz é o crime, a injustiça e os que atentam contra a Constituição.
Mas Toffoli quer evitar essas tensões. Para isso, só existe um modo: se ajustar ao crime, à injustiça e aos atentados contra a Constituição.
Disse o ministro Lewandowski: “cada poder arcará com o ônus de sua decisão perante a sociedade”. Logo, os ladrões que infestam o Senado, a Câmara e o governo podem continuar roubando e livrando aqueles que caírem nas mãos da polícia. Depois, “arcarão com o ônus”.
Mas, por que, na concepção do ministro, a Justiça – e, especialmente, o STF – não pertence à sociedade? Se os criminosos com mandato têm que “arcar com o ônus” apenas perante uma abstrata e fantasiosa “sociedade”, para que serve a Justiça? Para condenar os pobres, evidentemente.
A ministra Carmen Lúcia – que desempatou a votação a favor de amesquinhar o papel da instituição que preside – descobriu uma solução: “os Poderes atuam livre e igualmente, (…) e é desta harmonia que nós podemos então ter esta condição de democracia”.
Logo, entremos em harmonia com os que atentam contra a democracia, que daí sairá a democracia.
Portanto, a democracia depende do povo deixar que o roubem: ao país, ao Tesouro, às estatais.
Essa é a mesma ministra que, votando pelo afastamento de Cunha, proferiu o seguinte: “O STF não apenas defende e guarda a Constituição, como é da sua obrigação, como defende e guarda a própria Câmara, uma vez que a imunidade referente ao cargo e àqueles que o detêm não pode ser confundida em nenhum momento com impunidade ou a possibilidade de vir a sê-lo. Afinal, a imunidade é uma garantia, porque a República não comporta privilégios”.
Ou não é a mesma?
O ministro Barroso definiu o costume que precisamos superar como o de “prender miúdos e proteger graúdos”. Disse ele sobre os últimos anos:
“Criou-se uma legião de pessoas que acham normal viver com o dinheiro dos outros, dinheiro tomado do Estado ou das empresas, gente que vive de achaque como se fosse salário. Cria-se, para arrecadar esse dinheiro, uma cultura de desonestidade. Uma cultura de que onde é possível desviar alguma coisa, desvia-se.
“Para mudar essas práticas não há como ser condescendente com elas. Há uma imensa demanda na sociedade brasileira por integridade, por patriotismo. Há lugar para todos na democracia. O que não se pode é ter um projeto de País fundado na desonestidade, no achaque, no desvio de dinheiro público”.
E, defendendo as medidas cautelares em relação a Aécio Neves:
“O afastamento de um parlamentar não é uma medida banal, é excepcionalíssima. Como excepcionalíssimo deve ser o fato de um parlamentar usar o cargo para praticar crimes. Portanto, exceção contrabalançada com exceção”.
O que foi sintetizado pelo ministro Celso de Mello:
“Hoje mais do que nunca é preciso proclamar que o direito ao governo honesto constitui uma prerrogativa insuprimível, inalienável, da cidadania. Nenhum cidadão da República pode ser constrangido a viver em uma comunidade moralmente corrompida”.
CARLOS LOPES