
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quinta-feira (21), por 9 votos a 2, a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. A maioria dos ministros considerou inconstitucional a limitação da demarcação de territórios dos povos indígenas à data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Só votaram a favor da tese, os ministros Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Jair Bolsonaro.
Na sessão desta quarta-feira (21), votaram Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
Primeiro a votar nesta tarde, o ministro Luiz Fux argumentou que, quando fala em terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, a Constituição se refere às áreas ocupadas e às que ainda têm vinculação com a ancestralidade e a tradição desse povos. Segundo ele, ainda que não estejam demarcadas, elas devem ser objeto da proteção constitucional.
Ao apresentar seu voto, a ministra Cármen Lúcia ressaltou que a Constituição Federal, ao traçar o estatuto dos povos indígenas, assegurou-lhes expressamente a manutenção de sua organização social, seus costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas. Para a ministra, a posse da terra não pode ser desmembrada dos outros direitos fundamentais garantidos a eles. Ela salientou que o julgamento trata da dignidade étnica de um povo que foi oprimido e dizimado por cinco séculos.
O ministro Gilmar Mendes também afastou, em seu voto, a tese do marco temporal, desde que assegurada a indenização aos ocupantes de boa-fé, inclusive quanto à terra nua. Segundo ele, o conceito de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, que baliza as demarcações, deve observar objetivamente os critérios definidos na Constituição e atender a todos.
Última a votar, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, afirmou que a posse de terras pelos povos indígenas está relacionada com a tradição, e não com a posse imemorial. Ela explicou que os direitos desses povos sobre as terras por eles ocupadas são direitos fundamentais que não podem ser mitigados.
Destacou, ainda, que a posse tradicional não se esgota na posse atual ou na posse física das terras. Ela lembrou que a legislação brasileira tradicionalmente trata de posse indígena sob a ótica do indigenato, ou seja, de que esse direito é anterior à criação do Estado brasileiro.
A tese prevê que só podem ser demarcadas terras que já estavam sendo ocupadas por indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Esse entendimento deriva de uma interpretação literal do artigo 231 da Constituição, que diz:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
Indígenas são contra o marco temporal, pois a posse histórica de uma terra não necessariamente está vinculada ao fato de um povo ter ocupado determinada região em 5 de outubro de 1988. Isso porque muitas comunidades são nômades e outras tantas foram retiradas de suas terras durante a ditadura militar.
O julgamento do recurso sobre o caso voltou à pauta do plenário desta quarta-feira (20). O caso começou a ser deliberado em agosto de 2021.
O julgamento foi acompanhado por representantes de povos indígenas no Plenário do STF e em uma tenda montada ao lado do Tribunal. Após o voto do ministro Luiz Fux, o sexto contra a tese do marco temporal, houve cantos e danças em comemoração à maioria que havia sido formada.
Com o resultado do caso no Supremo, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) divulgou posicionamento comemorando o entendimento.
“O MPI seguirá acompanhando de perto as próximas etapas do julgamento até a formação da tese final, para garantir que a proteção dos direitos territoriais indígenas seja plenamente atendida”, disse a pasta.
MOBILIZAÇÕES
Grupos indígenas fizeram mobilizações durante todos os dias em que a Corte julgou o caso, desde 2021. Nesta semana, cerca de 300 acompanharam o julgamento por meio de um telão montado sob tendas em frente ao STF.
Lideranças também acompanharam a análise dentro do plenário da Corte. Houve ampla comemoração da decisão do STF.
“Enterramos o Marco Temporal! O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a inconstitucionalidade desta tese jurídico-política que atenta contra o direito originário.”, aifrmoua Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira.
“Vitória dos povos indígenas e do respeito ao seu modo de vida, e da grande contribuição que pode dar à humanidade e ao planeta”, afirmou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva.
“Vitória dos nossos povos originários, que terão os seus territórios assegurados, garantindo assim a perpetuação dos seus valores e tradições!”, afirmou a ministra da Ciência Tecnologia e Inovação Luciana Santos.
“Mais uma vitória para o Brasil! A derrubada do marco temporal é resultado da resistência dos povos indígenas, da luta das organizações que defendem a causa e do trabalho incansável do Ministério dos Povos Indígenas, liderado pela querida Sonia Guajajara. Demarcação é democracia!”, afirmou a ministra da Cultura Margareth Menezes.
“Uma grande vitória para os povos originários de todo Brasil. Na verdade, a tese já era descabida por excelência. O que está confirmado agora pelo STF é que esta tese fere a Constituição”.”Como já dizia Ulisses Guimarães: ‘traidor da Constituição é traidor da pátria’. Qualquer decisão acerca do tema por parte do Legislativo será inócua!”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues.
“Uma vitória histórica para os povos indígenas. A Constituição foi respeitada, assim como os direitos dos nossos povos originários”, afirmou a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
FIXAÇÃO DA TESE
Hoje foi a 11ª sessão da Corte a tratar do tema. Entretanto, os ministros ainda devem voltar ao caso na próxima quarta-feira (27), para a fixação da tese de julgamento.
Na ocasião, devem ser definidos outros pontos relacionados ao tratamento jurídico sobre a posse indígena de suas áreas. Durante o julgamento, ministros apresentaram diversas propostas, com divergências entre si.
No momento de fixar a tese, a Corte poderá decidir, por exemplo, sobre as possibilidades de indenização a fazendeiros e ruralistas que tenham ocupado, de boa-fé, os territórios indígenas.
O coordenador da Apib (Articulação dos Povos Indígenas), Kleber Karipuna, comemorou a decisão do STF, mas disse que há ainda pontos de alerta.
“Comemoramos hoje porque é uma vitória derrotar o marco temporal. Mas seguimos preocupados com as outras movimentações, os possíveis fechamentos para esse grande acórdão, principalmente relacionada na questão da indenização”.
Karipuna crescentou que a Apib espera que o entendimento do ministro Cristiano Zanin seja o seguido. Zanin não vincula o processo de demarcação das terras indígenas ao pagamento das indenizações e afirma que o ideal é estudar caso a caso.
“Reconhece o direito a indenização de cada proprietário, de cada ocupante de boa-fé, mas isso não pode ser algo vinculante ao processo de demarcação, impedindo dessa forma a demarcação da terra indígena”, afirmou Karipuna.
“Algumas vezes, você homologa uma terra indígena e ela passa 10, 15, 20 anos com um ocupante dentro do território porque a indenização ainda não foi paga para ele”, afirmou.