O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou, na quarta-feira (17), maioria pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal aplicada às demarcações de terras indígenas. Até agora, o julgamento soma sete votos contrários à restrição, ecom a divergência do ministro, Edson Fachin, que acompanhou o relator, mas considerou inconstitucionais artigos da Lei 14.701/2023 que tratam de indenizações, exploração econômica por não-indígenas e processos de demarcação. Ainda restam três ministros a se manifestar, e a sessão virtual segue aberta até quinta-feira (18).
Os votos acompanharam o entendimento do relator, Gilmar Mendes, que também apresentou uma proposta para a elaboração de um eventual projeto de lei sobre o tema. A maioria dos ministros confirmou ainda a validade de normas que regulam o uso dessas áreas, permitindo a realização de atividades econômicas, como o turismo, desde que os resultados revertam em benefício coletivo e não comprometam a posse das terras indígenas.
Dois anos depois de o STF afastar a tese do marco temporal, o assunto voltou à pauta da Corte. Em 2023, o Supremo já havia decidido que o critério é incompatível com a Constituição. A mesma interpretação foi adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vetou trechos da lei aprovada pelo Congresso que restabeleciam a regra.
O veto presidencial, no entanto, foi posteriormente derrubado pelo Parlamento. Com isso, voltou a prevalecer o entendimento segundo o qual os povos indígenas só teriam direito às terras que estivessem sob sua posse em 5 de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição – ou que fossem objeto de disputa judicial naquele período.
Essa posição foi rejeitada pela maioria dos ministros do Supremo nesta quarta-feira, durante o julgamento de ações apresentadas pelos partidos PL, PP e Republicanos – legendas alinhadas ao bolsonarismo. As siglas buscavam preservar a validade do projeto de lei que incorporou a tese do marco temporal à legislação. Ao mesmo tempo, entidades representativas dos povos indígenas e partidos da base governista também acionaram a Corte para questionar novamente a constitucionalidade da norma.
Até o momento, votaram nesse sentido o relator Gilmar Mendes, além de Flávio Dino, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, alguns com ressalvas pontuais. Ainda não se manifestaram Cármen Lúcia, André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Edson Fachin.
Nos últimos dias, o processo transitou entre diferentes plenários do Supremo e, caso não haja pedido de destaque, que leva o julgamento ao plenário físico, nem solicitação de vista, que suspende a análise, a expectativa é de que a decisão seja concluída até sexta-feira (19). Gilmar Mendes devolveu o caso ao plenário virtual com o objetivo de acelerar o encerramento do julgamento.
No último dia 9, o Senado havia aprovado, em dois turnos e em tramitação acelerada, a proposta que institui o marco temporal para as demarcações de terras indígenas.
Nos votos já apresentados, os ministros determinam que a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) organize uma lista cronológica das demandas por demarcação e, a partir dela, observe o prazo de dez anos para a conclusão dos processos. Para o movimento indígena e organizações aliadas, um dos pontos centrais do voto do relator é o reconhecimento da omissão do Estado brasileiro em cumprir a determinação constitucional de finalizar as demarcações até 1993.
Para essas entidades, o julgamento vai além de uma controvérsia jurídica e recoloca o Supremo no centro de um dos principais conflitos fundiários do país, com impacto direto sobre a garantia de direitos constitucionais, a preservação de territórios e a sobrevivência cultural de cerca de 1,7 milhão de indígenas, pertencentes a 391 povos e falantes de 295 línguas.
“Cada um desses cocares, excelências, representa uma história de 525 anos de resistência e de lutas territoriais. Para nós, povos indígenas, território não é mercadoria nem propriedade; é a nossa condição de existência física, cultural, espiritual e identitária”, declarou o advogado indígena e coordenador jurídico da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Ricardo Terena. Ao lado de diversos povos indígenas, Terena acompanha, em Brasília, a votação no Supremo.
DIVERGÊNCIA
Ao contrário de Gilmar, Fachin derrubou dispositivos que asseguram ao proprietário ou possuidor a permanência na área objeto de demarcação até o pagamento das indenizações devidas. O ministro defendeu que a concessão de terras alternativas ou indenização às comunidades indígenas só ocorra em casos de absoluta impossibilidade de demarcação, dado o caráter protetivo do texto constitucional brasileiro.
Fachin derrubou a possibilidade de o Poder Público instalar infraestrutura ou explorar as terras sem consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente. Assim, os indígenas devem ser consultados antes de o governo instalar bases, unidades e postos militares, fazer a expansão estratégica da malha viária, explorar alternativas energéticas estratégicas e/ou o resguardo de riquezas. Aqui, o ministro usou um argumento formal de que seria necessária uma lei complementar e não ordinária, como foi a Lei do Marco Temporal.
Por fim, Fachin considerou inconstitucionais as regras que burocratizam o processo demarcatório e diminuem o valor probatório das informações orais prestadas no processo. “A legislação ora em análise introduziu uma série de fases ao processo administrativo demarcatório, que alongam e complexificam o procedimento, além de interferir na forma de produção e manifestação do conhecimento pelos povos indígenas interessados na demarcação da área”, escreveu.
Assim como Flávio Dino e Dias Toffoli, Fachin fixou o prazo de 180 dias para apresentação de plano efetivo pelo Poder Público para a situação das terras indígenas. O relator estabeleceu 60 dias de prazo.











