Segundo o ex-ministro, o presidente decidiu trocar a direção-geral da PF porque gostaria de ter acesso a informações de inquéritos, entre eles sobre sua família
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello autorizou na noite desta segunda-feira (27) a abertura de inquérito para apurar denúncias do ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro, feitas ao se demitir do cargo no governo. O pedido de abertura foi encaminhado na sexta-feira (24) pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O decano do STF foi sorteado relator do pedido. Com a abertura do inquérito, começa a fase de produção de provas.
Moro denunciou na sexta-feira (24) que Jair Bolsonaro tentou interferir em inquéritos da Polícia Federal. Segundo o ex-ministro, o presidente decidiu trocar a direção-geral da PF porque gostaria de ter acesso a informações de inquéritos sobre a família Bolsonaro. Segundo o ministro, os fatos narrados por Moro têm relação com o exercício do cargo, o que permite a investigação de Bolsonaro. Isso porque a Constituição impede que o chefe do Executivo seja alvo de apuração alheia ao exercício do mandato.
O ministro apresentou as razões para a abertura de inquérito em uma decisão de 17 páginas. Celso de Mello determinou que a Polícia Federal tome o depoimento do ex-ministro Sérgio Moro, conforme pedido pela PGR. Os policiais terão prazo de 60 dias para cumprir a diligência.
“Os crimes supostamente praticados pelo senhor presidente da República, conforme noticiado pelo então Ministro da Justiça e Segurança Pública, parecem guardar (…) íntima conexão com o exercício do mandato presidencial, além de manterem – em função do período em que teriam sido alegadamente praticados – relação de contemporaneidade com o desempenho atual das funções político-jurídicas inerentes à chefia do Poder Executivo”, escreveu o ministro.
“No caso concreto, como já precedentemente ressaltado, o eminente Chefe do Ministério Público da União teria identificado, nas condutas atribuídas ao Presidente da República pelo então Ministro da Justiça e Segurança Pública, a possível prática de fatos delituosos que se inserem, considerada a disciplina constitucional do tema, no conceito de infrações penais comuns resultantes de atos não estranhos ao exercício do mandato presidencial”, afirmou o ministro.
Celso de Mello também afirmou que o princípio republicano previsto na Constituição determina que todos os agentes públicos, inclusive o presidente da República, são responsáveis perante a lei.
“Nunca é demasiado reafirmá-lo, a ideia de República traduz um valor essencial, exprime um dogma fundamental: o do primado da igualdade de todos perante as leis do Estado. Ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso País. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado”, destacou.
O Procurador Geral Augusto Aras pediu ao Supremo que a linha de investigação tenha início com o depoimento de Moro e que o agora ex-ministro apresente documentos que comprovem suas declarações. Uma das medidas que podem ser tomadas no curso do inquérito é a quebra de sigilos telefônicos, por exemplo, para verificar a autenticidade da troca de mensagens entre Sergio Moro e Bolsonaro. O material foi indicado por Moro como prova da suposta influência e divulgado pelo Jornal Nacional.
Em pronunciamento, Bolsonaro afirmou que as declarações de Moro eram infundadas e que ele não havia tentado interferir na Polícia Federal. A prova de que Bolsonaro quer interferir nas investigações da PF que Moro apresentou é irrefutável. Bolsonaro envia no dia 23 de abril ao ministro, através de WhatsApp, uma matéria publicada no site “O Antagonista” que diz: “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas”. Abaixo da postagem da matéria, Bolsonaro afirma: “mais um motivo para a troca”.
Sérgio Moro responde: “Esse inquérito é conduzido pelo ministro Alexandre, no STF”, se referindo ao ministro Alexandre de Moraes. “Diligências por ele determinadas, quebras por ele determinadas, buscas por ele determinadas”, acrescentou Moro. Naquele momento, Bolsonaro estava publicamente defendendo a troca do comando da Polícia Federal.
Em seu pronunciamento, Bolsonaro admitiu que precisa ter “mais informações sobre a Polícia Federal” e que precisa “interagir” com o diretor-geral da PF.
Não foi por acaso que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que os delegados responsáveis pelas investigações nos inquéritos por ele conduzidos, que investigam os ataques do chamado “gabinete do ódio” aos membros do Supremo, e os atos contra a democracia, não sejam retirados dos casos.
O motivo para a saída de Sergio Moro do governo foi a pressão que Bolsonaro fez para demitir Maurício Valeixo da direção-geral da Polícia Federal . Para a PGR, a fala do ex-ministro da Justiça e ex-juiz indica possibilidade de crimes como falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada.