
Ministro do STF ainda deu 10 dias para o Planalto explicar sigilo sobre encontros com pastores
O ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal), deu 10 dias para que o Palácio do Planalto se manifeste sobre o sigilo de 100 anos imposto pelo governo à lista de pastores amigos de Bolsonaro que pediram propina para liberar verbas do MEC aos municípios.
O ministro também decidiu enviar o processo diretamente ao plenário da Corte. Segundo o PSB (Partido Socialista Brasileiro), que entrou com a ação no STF, o governo não pode utilizar norma excepcional de sigilo “para proteção estratégica eleitoreira ou de campanha”.
A sigla também manifestou que qualquer visita recebida pelo presidente da República é de interesse público, portanto não pode haver esse tipo de sigilo. Isso não tem explicação razoável.
O PSB é a sigla de Geraldo Alckmin, vice na chapa encabeçada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da Federação Brasil da Esperança, composta pelo PT, PCdoB e PV e, ainda apoiada, por PSB, PSol, Solidariedade e Rede.
DECISÃO DE ANDRÉ MENDONÇA
“Diante do contexto normativo relativo à presente ação, considero de todo conveniente que a análise judicial da controvérsia venha a ser tomada em caráter definitivo. Assim, entendo pertinente adotar o rito abreviado previsto no art. 12 da Lei 9.868, de 1999. Ante o exposto, notifique-se a autoridade requerida para que preste informações no prazo de 10 (dez) dias”, escreveu o ministro na decisão.
O Planalto ainda não se manifestou sobre a decisão do ministro.
Desse modo, o STF vai julgar o sigilo de 100 anos para visitas dos pastores corruptos. Embora o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) do governo tenha recuado e divulgado, a Corte Suprema vai tomar decisão mais ampla sobre o caso desses sigilos impostos pelo Planalto.
ENTENDA O CASO
Em reportagem, o jornal Folha de S.Paulo trouxe à tona os malfeitos que levaram, inclusive, à demissão do então ministro da Educação, o pastor Milton Ribeiro.
Tudo começou dia 22 de março. Ribeiro afirmou em gravação vazada que o governo dava prioridade a pedidos de verba negociados por dois pastores que não têm e não tinham cargos oficiais, mas atuavam informalmente dentro do MEC (Ministério da Educação), atendendo à solicitação do presidente Jair Bolsonaro (PL).
“A prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar. Esse foi um pedido especial do presidente da República [Jair Bolsonaro]”, disse o então ministro na gravação.
Desde o começo de 2021, até o caso vir à tona, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura promoveram encontros de prefeitos no MEC que levaram a pagamentos e empenhos (reserva de valores) de R$ 9,7 milhões, em apenas dias ou semanas depois de promoverem as agendas.
Uma prefeitura conseguiu empenhar valores em prazo recorde: 16 dias depois da reunião organizada pelos religiosos. Só no mês de dezembro, foram firmados termos de compromisso — etapa anterior ao contrato — entre nove prefeituras e o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) de R$ 105 milhões, todos depois de encontros com os pastores.
Prefeitos testemunharam que os pastores pediram propina até em barras de ouro para intermediarem a liberação de verbas para as prefeituras.
De acordo com o prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga, em 7 de abril do ano passado, ele foi a Brasília para participar de reunião no MEC. O objetivo do encontro seria discutir obras inacabadas vinculadas à pasta. Após a reunião, disse Braga, o pastor Arilton Moura convidou os prefeitos para almoço.
“Até então, eu não conhecia o ministro da Educação. O pastor estava, sim, sentado à mesa na hora da palestra no MEC e, em seguida, nós fomos para esse almoço. E, lá nesse almoço, que não estava o ministro, só estavam os dois pastores, tinha uma faixa de uns 20 a 30 prefeitos. E a conversa era muito bem aberta. Ele virou para mim e disse: ‘Cadê suas demandas?’”, disse.
E seguiu: “E ele falou rapidamente: ‘Você vai me arrumar os R$ 15 mil para eu protocolar as demandas e depois que o recurso tiver empenhado, depois, como a sua região é de mineração, vai me trazer 1 quilo de ouro’. Eu não disse nem que sim nem que não, me afastei da mesa e fui almoçar”, acrescentou Gilberto Braga.
Ainda durante a audiência na CE do Senado, o prefeito de Luís Domingues disse que a conversa foi “aberta” e que todos que estavam à mesa ouviram.
“Então, eu acredito que ele tenha feito várias propostas para outras pessoas”, disse Braga.
O prefeito da cidade de Bonfinópolis, Kelton Pinheiro (Cidadania), disse que, apesar de precisar de uma escola nova, se negou a aceitar a proposta de pagamento de propina feita pelo pastor Arilton Moura. O prefeito afirmou que, por intermédio do pastor Gilmar, conseguiu ser recebido pelo ministro da Educação numa reunião com vários prefeitos. Assim como Gilberto Braga, Kelton disse que os prefeitos foram almoçar e que, nesse momento, o pastor Arilton, que também estava no encontro, fez o pedido de propina.
Segundo o prefeito, o pastor disse: “‘Papo reto aqui. Eu tenho recurso para conseguir com você lá no ministério, mas eu preciso que você coloque na minha conta hoje R$ 15 mil. É hoje. E porque você está com o pastor Gilmar aqui, senão, pros outros, foi até mais’. Achei muito estranho, não tinha interesse”, contou Kelton.
“Olha, eu precisava muito da construção de uma escola nova. Tem uma escola lá que é de placas de muro, escola antiga, que a gente precisava substituir lá no município. Então ele disse: ‘Olha, tudo bem, eu consigo isso para você, mas eu quero que você me dê hoje R$ 15 mil aqui na minha mão. Hoje, uma transferência, que você faça isso hoje’”, relatou o prefeito.
EXTENSÃO DO ESQUEMA
Pelo menos 48 municípios foram contemplados nas negociações promovidas pelos pastores entre o começo de 2021 até o momento. Desses, 26 angariaram recursos próprios do FNDE, enquanto o restante recebeu dinheiro de emendas do chamado “orçamento secreto”.
A prefeita Marlene Miranda, de Bom Lugar (MA), foi quem teve o pedido de dinheiro atendido em apenas 16 dias. Ela fez visita ao MEC em 16 de fevereiro, em agenda intermediada por Gilmar Santos e Arilton Moura.
No dia 4 de março, o FNDE reservou R$ 200 mil para pagamento à prefeitura, que seria para a construção de escola de educação infantil, obra estimada pelo município em R$ 5 milhões.
OUTROS CASOS
Outra prefeitura beneficiada pela proximidade com os religiosos foi a de Centro Novo do Maranhão, que recebeu visita do ministro da Educação em maio passado, promovida pelo pastor Gilmar Santos. Noventa e seis dias depois, em 18 de agosto, o MEC empenhou R$ 300 mil para a construção de escola infantil.
Os pastores poderiam ser acusados de usurpação de função pública, punível com até dois anos de prisão, por não terem cargo no ministério, mandato parlamentar ou ligação com o setor de ensino.
Noutro caso, agora na cidade de Amapá do Maranhão, recebeu o empenho de R$ 300 mil para a construção de escola de educação básica. Três meses antes, a prefeita visitou Brasília para se encontrar com o ministro da Educação, acompanhada de Gilmar e Arilton.
As prefeituras beneficiadas não estavam só no Maranhão. Guatapará (SP) recebeu R$ 214 mil do FNDE, no ano passado, para a compra de ônibus escolares para crianças da zona rural. O pedido, que estava represado desde junho de 2019, foi liberado após representantes da cidade irem ao MEC, na companhia dos pastores, em 23 de dezembro de 2020 e em 27 de maio de 2021.
Em Goiás, a prefeitura de Israelândia conseguiu, em 2021, após reuniões promovidas pelos pastores, quitar empenho de R$ 214 mil para comprar ônibus escolares que estavam inscritos nos chamados “restos a pagar”, o que ocorre quando a verba federal é empenhada, mas não paga.
ALIADOS RELIGIOSOS ESCOLHERAM CARGO NO MEC
A situação ficou ainda mais insustentável dia 23 de março. Foi nessa data que o jornal Estado de S.Paulo divulgou apuração que mostrava que em abril do ano passado, o advogado Luciano de Freitas Musse foi nomeado gerente de projetos no MEC pelo próprio ministro Milton Ribeiro.
Ainda de acordo com a reportagem do Estadão, antes de ocupar o cargo no MEC, Musse já acompanhava os dois pastores no gabinete de Ribeiro.
Ao jornal, Musse negou que tenha sido indicado ao cargo por Gilmar e Arilton. Ele afirmou que conhece os pastores, mas desligou o telefone quando foi questionado sobre as agendas que teve no MEC como integrante da comitiva da igreja Cristo para Todos.
Qual foi a resposta imediata de Milton Ribeiro?
Após ter áudio vazado, o agora ex-ministro do MEC afirmou que não favoreceu “qualquer município ou Estado” na distribuição de verbas da pasta.
“Diferentemente do que foi veiculado, a alocação de recursos federais ocorre seguindo a legislação orçamentária, bem como os critérios técnicos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE). Não há nenhuma possibilidade de o ministro determinar alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou Estado”, informou em nota o então ministro.
Ainda de acordo com a nota então divulgada pelo MEC, o presidente Bolsonaro não pediu atendimento preferencial a ninguém.
“Registro ainda que o Presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem. Da mesma forma, recebo pleitos intermediados por parlamentares, governadores, prefeitos, universidades, associações públicas e privadas. Todos os pedidos são encaminhados para avaliação das respectivas áreas técnicas, de acordo com legislação e baseada nos princípios da legalidade e impessoalidade”, estava escrito na nota.
LIGAÇÃO COM BOLSONARO
Como Bolsonaro esteve e está envolvido nessa história?
O presidente Jair Bolsonaro começou a ser citado pela proximidade com Milton Ribeiro, o que acendeu o alerta de aliados para o momento em que o presidente entrar em campanha de reeleição. Isso porque, segundo informações do jornal O Globo, os pastores evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura se encontraram pelo menos quatro vezes com o presidente Jair Bolsonaro (PL) em Brasília.
Mesmo sem cargos no governo, eles atuavam na negociação de verbas federais do MEC e indicavam quais prefeituras deveriam ter prioridade.
De acordo com as informações do Globo, foram três encontros com Bolsonaro no Palácio do Planalto e em evento no MEC, com o então ministro Milton Ribeiro.
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Bolsonaro: seu desgoverno têm uma marca a corrupção isto é fato explique o porque 100 anos de sigilo para proteger seus amigos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura envolvidos em corrupção com dinheiro público. Bolsonaro a verdade acima de tudo e a Constituição acima de todos.