O Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou o pedido da Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, e autorizou, nesta sexta-feira (2), a inclusão de Michel Temer no inquérito que investiga os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria Geral) dentro da Operação Lava Jato. O inquérito foi aberto em março do ano passado com base em depoimentos de executivos da Odebrecht sobre o pagamento de propina na Secretaria de Aviação Civil, que já foi comandada por Padilha e Moreira Franco entre 2013 e 2015.
Raquel Dodge pediu a inclusão de Temer na investigação a partir do relato do ex-diretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho. Em seu depoimento, o ex-executivo da empreiteira detalhou a participação de Temer em jantar no Palácio do Jaburu, ocorrido em maio de 2014, quando ele ainda era vice-presidente de Dilma Rousseff. Neste jantar foi discutida a divisão de valores destinados ao PMDB. Com a decisão de Fachin, agora Michel Temer já está sendo investigado em dois inquéritos policiais. O primeiro é o caso Rodrimar, em que ele teria recebido propina da empresa – que atua no Porto de Santos – em troca de um decreto presidencial que a beneficiou, e, agora, ele é investigado por receber propina da Odebrecht, em troca de benefícios à empreiteira no aeroporto do Galeão, no Rio.
A Odebrecht informa que no jantar foi acertada a quantia de R$ 10 milhões em propinas que seriam repassadas ao PMDB. A propina de R$ 10 milhões para Temer, Cunha, Padilha, Moreira Franco e outras figuras era um pagamento pela ação de Eliseu Padilha e Moreira Franco na Secretaria de Aviação Civil, onde, em conluio com Temer e Cunha, entregaram o aeroporto do Galeão a um “consórcio” formado por uma empresa de Singapura e pela Odebrecht. (leia mais)
“Do total de R$ 10 milhões prometido por Marcelo Odebrecht em atendimento ao pedido de Michel Temer, Eliseu Padilha ficou responsável por receber e alocar R$ 4.000.000,00. Compreendi que os outros R$ 6.000.000,00, por decisão de Marcelo Odebrecht, seriam alocados para o Sr. Paulo Skaff”, disse Melo Filho.
“Na parte que me foi designada, pedi a José Filho [José Carvalho Filho: executivo da Odebrecht que atuava como auxiliar de Cláudio Melo Filho] que mantivesse contatos com Eliseu Padilha para alinhamento da forma de pagamento. “Além disso, mantive contatos telefônicos com Eliseu Padilha para tratar do assunto”. “Segundo me foi informado por Eliseu Padilha, sei que parte do pagamento foi destinada ao ex-deputado Eduardo Cunha”, prosseguiu o executivo.
“Esses pagamentos foram realizados via Eliseu Padilha, preposto de Temer, sendo que um dos endereços de entrega foi o escritório de advocacia do Sr. José Yunes, hoje Assessor Especial da Presidência da República”. José Yunes posteriormente revelou que o operador Lúcio Funaro entregou um pacote em seu escritório em São Paulo, a pedido de Eliseu Padilha. Funaro, depois de, inicialmente, negar a entrega, acabou por confirmá-la – e disse que Yunes sabia que no pacote estava R$ 1 milhão. Marcelo Odebrecht, em seu depoimento ao ministro Herman Benjamin, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), confirmou o relato de Cláudio Melo Filho.
Ao falar sobre a destinação da propina, Raquel Dodge citou a afirmação de Cláudio Melo Filho, que disse que “Eliseu Padilha seria encarregado de entabular tratativas com agentes privados e descentralizar as arrecadações financeiras da Odebrecht; que ele teria deixado claro que falava em nome do vice-presidente [à época, Michel Temer] e que utilizaria o peso político dele para obter êxito em suas solicitações”.
Quando o caso veio à tona, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, excluiu Temer do inquérito por entender que o presidente não poderia ser investigado por fatos anteriores ao mandato. A Constituição diz que, durante o mandato, o presidente não pode ser “responsabilizado” por atos estranhos ao exercício de suas funções. Dodge entende, no entanto, que isso não blinda Temer de investigações. O foro impede a condenação durante o mandato, mas não impede a investigação dos crimes.
Para ela, a investigação deve ocorrer para evitar que se percam provas. “Há inúmeros exemplos de situações indesejáveis que podem ser causadas pelo decurso do tempo, como o esquecimento dos fatos pelas testemunhas, o descarte de registros, a eliminação de filmagens, entre outros, a ocasionar, desnecessariamente, o que a doutrina denomina de ‘prova difícil'”, argumenta a procuradora-geral da República.
Fachin concordou com a interpretação, acrescentando que a instauração de um inquérito não implica responsabilização. “A imunidade temporária vertida no texto constitucional se alça a obstar a responsabilização do Presidente da República por atos estranhos ao exercícios das funções; mesmo nessa hipótese (a de atos estranhos ao exercício das funções) caberia proceder a investigação a fim de, por exemplo, evitar dissipação de provas, valendo aquela proteção constitucional apenas contra a responsabilização, e não em face da investigação criminal em si”, escreveu no despacho.