
“Na denúncia do núcleo 3, seus integrantes apoiaram e agiram para tornar possível o golpe de Estado. Todos que integravam a organização criminosa, desde o núcleo 1 ao 4, sabiam que não houve fraude eleitoral”, disse a PGR
Por unanimidade, a Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) aceitou, nesta terça-feira (20), a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra 10 integrantes do chamado “núcleo 3” da tentativa de golpe de Estado.
Segundo a PGR, coube a esse núcleo a execução das ações coercitivas. Tal como o núcleo 4, responsável por ataques virtuais, tratou-se de núcleo operacional que cuidava das ações de campo que envolvia a violência.
Agora, os acusados passarão a responder a ação penal por 5 crimes:
· organização criminosa armada;
· tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito;
· golpe de Estado;
· dano qualificado pela violência e grave ameaça; e
· deterioração de patrimônio tombado.
SEM JUSTA CAUSA PARA 2
O ministro-relator, Alexandre de Moraes, votou pela aceitação da denúncia contra 10 dos 12 denunciados no grupo. Para o magistrado, não há justa causa nos casos de Cleverson Ney, coronel da reserva e ex-oficial do COT (Comando de Operações Terrestres), e Nilton Diniz Rodrigues, general do Exército.
“Os pressupostos necessários para início de ação penal não estão presentes em relação a esses dois denunciados. A justa causa, sabemos todos, é exigência para o recebimento da denúncia”, escreveu o relator.
Esse entendimento foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin – presidente.
RÉUS
Assim, tornaram-se réus pelos 5 crimes assinalados acima:
· Bernardo Romão Correa Netto, coronel;
· Estevam Theophilo, general da reserva e ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
· Fabrício Moreira de Bastos, coronel;
· Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel;
· Márcio Nunes de Resende Júnior, coronel;
· Rafael Martins de Oliveira, tenente-coronel;
· Rodrigo Bezerra de Azevedo, tenente-coronel;
· Ronald Ferreira de Araújo Junior, tenente-coronel;
· Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, tenente-coronel; e
· Wladimir Matos Soares, agente da Polícia Federal.
INTENÇÃO CRIMINOSA
A subprocuradora-geral da República, Cláudia Sampaio Marques, sustentou que o chamado “núcleo 3” ajudou a organização criminosa com a intenção de manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder.
“Tudo foi feito desde o início para o alcance desse objetivo”, afirmou ela. “Na denúncia do núcleo 3, seus integrantes apoiaram e agiram para tornar possível o golpe de Estado. Todos que integravam a organização criminosa, desde o núcleo 1 ao 4, sabiam que não houve fraude eleitoral”, completou.
Segundo a denúncia, os citados no núcleo 3 se reuniram, em 28 de novembro de 2022, após a vitória de Lula (PT) na eleição presidencial, para discutir carta com teor golpista aos comandantes das Forças Armadas.
A “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”, segundo investigações, foi enviada do celular do tenente-coronel Mauro Cid, réu no núcleo 1, para o número do coronel Bernardo Romão no fim daquele mês.
AMPLA DEFESA
As defesas, no entanto, negam que a reunião tenha sido feita para discutir golpe de Estado, dizendo que a finalidade do encontro era apenas promover confraternização de final de ano.
Os advogados que representam os 12 denunciados no núcleo 3 puderam fazer o uso da palavra por 15 minutos na sessão desta terça-feira no STF:
· Ruyter de Miranda Barcelos, que representa Bernardo Romão, negou haver “liame, subjetivo ou objetivo, ligando-o a operação, reunião em casa de autoridade, reuniões em palácio, Punhal Verde e Amarelo, não há. Não há nenhum indício de autoria e prova de materialidade”.
Ele ainda ressaltou não existir “mensagem do nosso cliente usando a expressão golpe de Estado ou revelando intenção de atentar contra o Estado Democrático de Direito”.
· Luiz Mário Felix de Moraes Guerra, advogado de Cleverson Ney, também negou o envolvimento do cliente na trama golpista.
“Não há manifestação de Cleverson Ney concordando com eventual golpe, não há manifestação dizendo ‘avante’, ‘vamos lá’. Em tempos de WhatsApp, não tinha um emoji, um joinha, assentindo com qualquer tipo de plano ilícito.”
Segundo ele, “não basta que seja plausível a acusação, é preciso que diante dos elementos de informação nos autos a condenação seja provável, se não esse movimento acusatório é ilegítimo”.
· Diogo Rodrigues de Carvalho Musy, que representa Estevam Theophilo, disse que o general “jamais conversaria assuntos reservados com tenente-coronel que não tinha qualquer tipo de relação com ele”, referindo-se a Mauro Cid.
Para a defesa de Theophilo, não há “suporte, nenhum elemento de prova capaz de sustentar tamanha e agressiva informação e acusação”.
· Marcelo César Cordeiro, advogado de Fabrício Moreira de Bastos, falou que causa “muita estranheza” a acusação contra o militar. “O contato do coronel com essa carta foi em razão de expressa ordem para buscar informações e trazer para o centro de inteligência do Exército.”
“Não é verdade que foi tratada nessa reunião tentativa de golpe de Estado”, disse. “Não há participação do coronel em reunião que tenha tratado desses assuntos objetos da denúncia.”
· Luciano Pereira Alves de Souza, defensor de Hélio Ferreira Lima, chamou a delação de Cid de “mentirosa e ilegal”. “Competia a suas atribuições fazer cenários prospectivos, jamais seria um plano de golpe porque não competia à esfera de análise dele.”
· Rafael Thomaz Favetti, representante de Márcio Nunes de Resende Júnior, afirmou que o cliente está na denúncia somente por ter oferecido a casa do pai como ponto de encontro.
A confraternização foi descrita como mero evento de amigos. “Temos 5 crimes imputados a quem eu defendo e não há uma relação na peça acusatória dessa questão do dia 28 [de novembro de 2022] ou do que ele fez.”
· Cleber Lopes de Oliveira, advogado de Nilton Rodrigues Diniz, afirmou que a carta aos comandantes já estava redigida antes do encontro de novembro de 2022. Além disso, negou participação de Diniz em “elaboração de carta, não apoiou e não assinou, essa é a única conduta a ele atribuída”.
· Renato da Silva Martins, representante de Rafael Martins de Oliveira, reforçou o impedimento de Moraes para votar no caso. A questão, no entanto, já foi afastada pelo Supremo.
“Tendo o ministro ficado em conflito com o denunciado, não poderia ele ter participado do fórum de votação aqui e na votação do resultado final. Nesse núcleo, há essa impossibilidade de ter um julgamento justo. Pior ainda, pode levar a sentimento de descrédito no futuro.”
· Jeffrey Chiquini da Costa, advogado de Rodrigo Bezerra de Azevedo, alegou que a PF e a PGR “tentam induzir esta corte a erro” porque o cliente estava em casa no dia do encontro.
“Na investigação, eu provei que meu cliente não estava no dia e no local que a ficção criativa da PF disse que ele estava. Ele estava em casa comemorando seu aniversário, com a esposa e a filha respondendo mensagens de WhatsApp.”
· João Carlos Dalmagro Júnior, que atua em nome de Ronald Ferreira de Araújo Junior, alegou que o cliente não era das Forças Especiais e, dessa forma, estava fora dos grupos de WhatsApp e não foi convidado à reunião.
“Não foi imputado a ele participar da fatídica reunião, a denúncia fala que já havia burburinho de vazamento de carta. Mas Ronald não estava na reunião e não é convidado.”
· Igor Vasconcelos Laboissiere, defensor de Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, disse que há “violação ao juízo natural” pelo fato de o tema ser julgado no STF e na Primeira Turma.
Além disso, o advogado afirmou que “o que impediu o presidente da República de dar continuidade [ao golpe de Estado] foi a resistência das Forças Armadas. Se ela é suficiente para interromper o crime, ela é suficiente para dizer que nunca se iniciou”.
· Ramon Mas Gomez Júnior, representante de Wladimir Matos Soares, destacou que a base da denúncia é conversa de WhatsApp extraída do celular de assessor das Forças Especiais no caso das fraudes em cartões de vacinas.
Esse caso foi arquivado pelo Supremo, conforme lembrou o advogado. “Ninguém aqui citou Wladimir em grupo de WhatsApp ou em reunião sobre suposto golpe.”
DESDOBRAMENTOS
Com a denúncia acatada, será instaurada ação penal, com exceção de Cleverson Ney e Nilton Diniz Rodrigues, que não se tornaram réus. Dos 34 denunciados pela PGR, agora, 32 se tornaram réus, pela tentativa de golpe de Estado.
Serão ouvidas, por exemplo, as testemunhas de acusação e de defesa.
Depois, abre-se prazo para que os advogados se manifestem e, ao final, marca-se a sessão que decidirá pela absolvição ou condenação dos agora réus.