A terceira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o valor de aluguéis atrasados requeridos em uma ação fosse confiscado diretamente do salário do devedor. A decisão da ministra Nancy Andrighi abre precedente para mais uma forma de cobrança de dívidas referentes a aluguel. A penhora de salário, na maioria das vezes, só é permitida para casos de pensão alimentícia, pois o salário é considerado impenhorável porque é destinado para o sustento familiar.
O locatário recorreu ao STJ após a decisão do TJ-SP, alegando a impossibilidade de penhora do salário para o pagamento de verba de natureza não alimentar, por comprometer sua existência e de sua família.
Mas, para a ministra Nancy Andrighi, “a regra da impenhorabilidade pode ser relativizada quando a hipótese concreta dos autos permitir que se bloqueie parte da verba remuneratória, preservando-se o suficiente para garantir a subsistência digna do devedor e de sua família”.
A decisão cai como uma bomba para as famílias com contas em atraso. De acordo com dados de agosto da SPC Brasil, 59,4 milhões de brasileiros estão negativados. Isso representa 39,3% da população brasileira com idade entre 18 e 95 anos, e reflete a gravidade da crise econômica e política brasileira.
Apesar dos 12 milhões de desempregados, não faltaram comemorações do setor imobiliário. Renato Pinheiro Filho, sócio da Pinheiro, Gondim e Sarubbi Advogados, afirmou que “o natural é que as obrigações e contratos sejam cumpridos, não é normal ser complacente com a inadimplência. O normal é uma sociedade na qual todos cumprem o seu dever”.
A advogada especialista em direito imobiliário, Layanna Piau, destacou que “o advogado pode usar [a decisão do STF] como reforço da argumentação no caso dele. E quem julga pode se posicionar sobre o caso com base nessa decisão”, explica a advogada.
Para o especialista em direito imobiliário Bernardo Chezzi, a mudança foi positiva, “o espírito do Novo Código de Processo Civil de 2015 é o de não proteger tanto assim o devedor, dando uma devida atenção ao crédito e ao credor. O próprio artigo 833 do Novo Código já possibilita essa penhora [de salário]”.
Assim, até parece que as pessoas devem porque gostam.
LEI IDELI
A decisão do STF vem na mesma linha da Lei do Inquilinato, proposta em 2009, pela ex-senadora Ideli Salvatti (PT-SC), e sancionada por Lula, que facilitou e agilizou o processo de despejo. O argumento usado por Ideli para atacar os direitos dos inquilinos (e portanto, dos mais frágeis na relação), seria de que com a facilitação do despejo, o preço dos aluguéis reduziria drasticamente.
A lei do inquilinato é, na verdade, a lei do proprietário, que permite o despejo sumário e contraria a Constituição ao não garantir o direito de ampla defesa da parte mais fraca.
Depois da sanção, em contratos sem fiador ou seguro-fiança, quem atrasou aluguel passou a ter que desocupar o imóvel em 15 dias, e em contratos com garantia o prazo para desocupação caiu de seis meses para 30 dias após a decisão em primeira instância. Antes, o inquilino em débito podia depositar os valores devidos em juízo, corrigidos, para evitar a rescisão do contrato e consequente despejo duas vezes a cada 12 meses. Desde que a lei foi aprovada, a opção de colocar o aluguel em dia só é permitida uma vez a cada 24 meses de contrato.