Por unanimidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou nesta quarta-feira (27) pedido para a federalização da investigação sobre a execução da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018.
O pedido de federalização foi apresentado pela então Procuradora-Geral da República (PGR), Raquel Dodge, em 2019. Segundo ela, a demora para solucionar o crime apontava que a investigação poderia ter sido “contaminada”. A federalização, caso fosse aprovada, transferiria a investigação para a esfera federal, onde a Polícia Federal e Ministério Público Federal dariam continuidade ao processo iniciado no Rio de Janeiro.
Com a decisão do STJ, o crime continuará sendo investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
O inquérito no Rio de Janeiro acusou os milicianos Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz como os executores do assassinato. Em março de 2019, Ronnie Lessa foi preso em sua mansão no condomínio “Viviendas da Barra”, o mesmo em que Bolsonaro possui residência.
O processo foi julgado pela Terceira Seção do STJ, que reúne os cinco ministros da Quinta Turma e os cinco ministros da Sexta Turma. Os ministros seguiram o voto da relatora, Laurita Vaz, para quem não houve “inércia ou inação” das autoridades estaduais no caso.
Durante o julgamento, apenas os advogados dos milicianos Lessa e Queiroz se posicionaram a favor da federalização do caso.
A família da vereadora se manifestou contra a mudança nos responsáveis pela apuração. E considerou uma vitória a manutenção do caso na esfera estadual.
Passados dois anos e dois meses do crime, os mandantes do assassinato ainda não foram revelados.
VOTOS
O primeiro voto foi dado pela ministra Laurita Vaz, relatora do pedido no STJ. Ela afirmou que a gravidade do crime “é inquestionável”, mas destacou um episódio chama a atenção e “esmorece o pedido de federalização do caso”.
Segundo a ministra, um dia após os assassinatos, a PGR criou grupo de trabalho composto por cinco procuradores da República para acompanhar atos do procedimento no Rio. E que a então procuradora-geral, Raquel Dodge, já mencionou a possibilidade de federalização.
“Essa movimentação, logo no dia seguinte aos crimes, para além das fronteiras do estado, parece denotar açodamento, com invasão de atribuições”, afirmou.
“É inegável que o caso insuflou não só o país, mas também a comunidade internacional, tanto pela brutalidade dos homicídios como pelo simbolismo da ação delituosa. Atentado contra a vida de parlamentar, eleita com votação expressiva, que se dedicava à defesa de grupos sociais menos favorecidos, com discursos de clara oposição ao crime organizado no Rio de Janeiro”, argumentou Laurita Vaz.
Segundo a ministra, a federalização deve recorrer de uma “inação ou inércia”, o que não ocorreu no caso. A relatora citou diversos inquéritos que apuram o crime e também ilícitos conexos.
“Basta uma breve leitura para se constatar que não há conivência ou imobilidade das autoridades locais na apuração de crimes praticados por milicianos“, completou. Para a relatora, a federalização pode “frustrar os resultados perseguidos”.
Acompanharam o voto da relatora os ministros Jorge Mussi, Sebastião Reis, Rogério Schietti, Reynaldo Fonseca, Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha Palheiro e Joel Ilan Paciornik. Estava ausente da sessão o ministro Félix Fischer.
“O caso Marielle Franco é evidência cabal que ainda no Brasil ainda continuamos a vivenciar o assassinato de pessoas que somadas a tantos milhares de incógnitos brasileiros nas estatísticas de homicídios e feminicídios e arriscam a defender minorias e a cobrar das autoridades políticas atitudes mais ousadas e eficazes no enfrentamento das cotidianas violações a direitos da população, especialmente da periferia dos grandes centros urbanos”, disse o ministro Rogério Schietti.
“Parece não constranger os que reverberam discursos de ódio e de intolerância, os quais acabam por desenvolver uma espécie de necropolítica, segundo a qual, escolhe-se quem pode viver e quem deve morrer. E silencia aqueles que denunciam a morte de civis por outros civis, fardados ou não”, completou o ministro, citando a morte do menino João Pedro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro.