Com uma greve que paralisou a capital haitiana, Porto Príncipe, na segunda e terça, antecedida por três dias de sublevação que incluiu saques e confrontos com as forças policiais, os haitianos rechaçaram os aumentos nos preços dos combustíveis. Durante os protestos, cresceu a exigência de afastamento do governo.
Os protestos contra o governo tiveram início na sexta, em resposta ao anúncio de aumento dos combustíveis, atendendo a um dos ditames do FMI, parte de cortes em investimentos e programas sociais exigidos em troca de financiamento.
O fim dos subsídios nos combustíveis foi anunciado dia 6, e entrou em vigor no dia seguinte. Os preços dos combustíveis, associados pela população à elevação do custo de vida, sofreriam aumentos entre 38% e 50%. Já no sábado, a gasolina aumentou 38% e o diesel 47%, e o querosene, que é massivamente utilizado pela população, para iluminação e até para cozinhar, teve seu preço elevados em cerca de 50%.
Para se ter uma ideia do nível de renda dos haitianos, e o impacto dos aumentos, sobretudo do querosene, o salário diário de um trabalhador têxtil da cidade de Porto Príncipe, que está entre os mais altos do país, alcança cerca de 400 gourdes. Com o fim dos subsídios, o preço do litro do querosene, atingiu 262 gourdes, a gasolina, cerca de 300 gourdes, e o diesel, 265 gourdes. Um gourde, que é a moeda local do Haiti, tem seu valor avaliado na faixa de US$ 0,015.
A baixa renda pode ser verificada ao se constatar que o preço de um litro de combustível equivale a dois terços do salário diário de um trabalhador, que não vê aumento há muito tempo, com a economia arrasada pelos confrontos civis e diversos desastres naturais.
Porém, a pobreza generalizada não impediu que o FMI saudasse a medida de arrocho. “A missão [do FMI] saúda a intenção do governo de eliminar os subsídios aos preços dos combustíveis”, diz comunicado datado de junho, no qual usa como pretexto a necessidade de baixar a inflação do país, que hoje está em 12,7% ao ano. Muito justo, desde que não sob aumento do aperto do povo haitiano.
Com o anúncio do governo, a sublevação foi ampla e rápida na mesma sexta, dia dos aumentos. As ruas passaram a pedir a saída do presidente, Jovenel Moise. Milhares de barricadas foram erguidas por todo o país, e tanto o comércio fechou suas portas quanto os transportes pararam. No bairro de Delmas 83, em Porto Príncipe, ao menos um oficial da Polícia Nacional do Haiti foi morto e uma fábrica da Coca-Cola foi incendiada. Em outro vilarejo, em Alterpresse, os policiais nem mesmo tentaram impedir os protestos. Na cidade de Artibonite, os manifestantes atearam fogo em um tribunal, e na comuna de Petit-Goâve, diversos escritórios do governo foram depredados.
Entre sexta e sábado, o abastecimento de água e comida se viu completamente prejudicado, os saques ocorreram por todo o país.
Embora o número de mortes entre os civis não tenha sido informado, dezenas de casos já foram noticiados, a exemplo dos dois jovens mortos em Porto Príncipe, ou do segurança de um político, que ao tentar cruzar uma barricada a força, foi linchado e depois incinerado.
Ainda no sábado, as aviações American Airlines, Air France, Delta, JetBlue e Spirit cancelaram os voos a Porto Príncipe.
Com os protestos tomando conta do país, o fim dos subsídios resistiu poucas horas, e ainda no sábado os aumentos foram revogados pelo governo, conforme publicação no Twitter do Primeiro Ministro do país, Jack Guy Lafontant. Mesmo assim, ao confirmar a revogação da mediada em rede nacional, Moise insistiu que pretende dar continuidade aos cortes do FMI.
Os protestos permaneceram no domingo, e na segunda teve inicio a greve geral com duração de dois dias. O alvoroço dentro do governo já levou à renúncia do ministro das Comunicações. Deputados somaram-se à campanha pela renúncia do presidente como única solução para a crise.
Bolton, assessor de Segurança Nacional dos EUA, consultou governos da América Latina e Caribe se teriam condição de receber o presidente e seus familiares.
A greve, iniciada na segunda, foi convocada pelos sindicatos – reforçando a exigência de afastamento de Moise – e em consequência dos protestos de sexta, sábado e domingo. A esse movimento se somaram empresários, a exemplo dos integrantes do Fórum Econômico do Setor Privado, que emitiram um comunicado pedindo a renúncia do premiê.
Moise foi eleito com apoio do ex-presidente Michel Martelly, obrigado a renunciar pela pressão popular devido a escândalos de corrupção. A renúncia resultou nas eleições de 2016, que elegeram Moise com os votos de menos de 20% dos eleitores. As eleições de 2016 aconteceram depois da anulação das ocorridas no ano anterior, sob manifestações contra a ocorrência de fraude a favor do candidato preferido pelos intervencionistas norte-americanos. Dos candidatos ao primeiro turno nas eleições presidenciais de 2015, oito rejeitaram os resultados alegando fraude.
GABRIEL CRUZ