“Sem a ajuda ocidental, sem o dinheiro da Otan, a guerra já teria acabado ou talvez não tivesse nem iniciado”, destacou o líder russo na entrevista a Tucker Carlson, que já foi vista por mais de 150 milhões de pessoas. Confira vídeo abaixo com a íntegra da entrevista legendada
O presidente russo Vladimir Putin advertiu, em entrevista ao jornalista norte-americano e ex-âncora da Fox News, Tucker Carlson, transmitida na noite de quinta-feira (8), que “vai contra o bom senso envolver-se em algum tipo de guerra global e uma guerra global levará toda a humanidade à beira da destruição”, responsabilizou o regime de Kiev, instaurado por um golpe de Estado, por iniciar a guerra no Donbass em 2014, usando artilharia e aviação contra a população civil, e afirmou que o objetivo da Rússia é “encerrar a guerra”, depois de ter tentado resolver a crise por meios pacíficos por oito anos via Acordos de Minsk.
Ele acrescentou, ainda, que as alegações sobre “a ameaça russa” não passam de “histórias para aterrorizar pessoas comuns, a fim de extrair dinheiro adicional dos contribuintes norte-americanos e europeus no confronto com a Rússia no teatro de operações militares ucraniano”.
A entrevista de mais de duas horas de duração, com enorme repercussão e 150 milhões de visualizações, foi apresentada na plataforma X (ex-Twitter), depois de confirmada por Carlson no início da semana, o que fez seu aplicativo bater recorde de downloads, com ele observando que os meios de comunicação ocidentais “mentem para seus leitores e espectadores” sobre a Ucrânia e que os norte-americanos “têm o direito de saber tudo o que puderem sobre uma guerra em que estão implicados”.
A ex-secretária de Estado Hillary Clinton reagiu à entrevista, insultou Carson, à moda do macartismo, de “idiota útil”.
Sobre a possibilidade de negociações, Putin reafirmou ao jornalista norte-americano que “não as recusamos – quem o faz é o lado ocidental e a Ucrânia é hoje, obviamente, um satélite dos Estados Unidos”.
Não quero que isso soe como uma espécie de xingamento ou insulto para alguém – ele acrescentou -, mas a gente entende o que está acontecendo. “Foi dado apoio financeiro – US$ 72 bilhões -, a Alemanha está em segundo lugar, outros países europeus, dezenas de bilhões de dólares para a Ucrânia. Há um enorme fluxo de armas chegando. Diga à atual liderança da Ucrânia: ouça, vamos sentar, negociar, cancelar seu estúpido decreto [que proíbe negociações] e conversar. Nós não nos recusamos”.
Ainda sobre a questão, Putin apontou que, “se o governo Zelensky na Ucrânia se recusou a negociar, presumo que o fez sob a instrução de Washington. Se Washington acredita que foi uma decisão errada, que a abandone. Que encontre a delicada desculpa para que ninguém seja insultado. Que arranje uma saída. Não fomos nós que tomamos essa decisão. Foram eles. Então, que voltem atrás”.
Putin salientou que, em Istambul, as duas partes estiveram muito perto de obter um acordo que evitaria a guerra, o que não aconteceu porque Kiev atendeu as ordens de Washington e Londres, como admitiu recentemente o chefe do lado ucraniano nas negociações e líder do partido de Zelensky: “há um ano e meio poderíamos ter parado estas hostilidades, parado esta guerra, mas os britânicos nos persuadiram”.
“NEM UM CENTÍMETRO A LESTE”
Putin também se referiu ao rompimento, pelos EUA, da promessa de não estender a Otan para leste “um centímetro que fosse”, o que foi seguido por cinco ondas de expansão, além do bombardeio da Iugoslávia. Bem como o suporte da CIA aos separatistas do Cáucaso, o rompimento dos EUA com o Tratado Antimísseis – elemento chave da dissuasão nuclear mútua – e, em 2008, o anúncio do ‘convite’ à Ucrânia e Geórgia para entrarem na Otan.
“Falemos do fato de que depois de 1991, quando a Rússia esperava ser incluída na família fraterna dos ‘povos civilizados’, nada disso aconteceu. Você nos enganou – quando digo ‘você’, não me refiro a você pessoalmente, é claro, mas aos Estados Unidos – você prometeu que não haveria expansão da OTAN para o leste, mas isso aconteceu cinco vezes, cinco ondas de expansão.”
“Suportamos tudo, perseveramos, dissemos: não precisa, agora nós somos, como dizem, burgueses, temos economia de mercado, não há poder do Partido Comunista, vamos chegar a um acordo”, disse Putin.
Ele até relembrou da viagem de Yeltsin aos Estados Unidos, que falou ao Congresso “Deus abençoe a América”.
QUEM EXPLODIU O NORD STREAM
Em resposta à pergunta de Carlson sobre “quem explodiu o Nord Stream” – que depois classificou como “o maior ato de terrorismo industrial da história e, além disso, a maior liberação de CO2 na atmosfera”, a resposta de Putin foi “você, claro”.
O jornalista retrucou que “estava ocupado naquele dia” e “não explodiu o Nord Stream”. Calmamente, Putin observou que “você, pessoalmente, pode ter um álibi, mas a CIA não tem”.
Sem entrar em detalhes sobre a afirmação, o presidente russo lembrou que, num caso como esse, é preciso procurar “não só alguém que esteja interessado, mas também alguém que possa fazê-lo. Porque pode haver muitos interessados, mas nem todos conseguem ir ao fundo do Mar Báltico e fazer esta explosão. Esses dois componentes devem estar interligados: quem está interessado e quem pode”.
Sobre o silêncio da Alemanha em relação ao Nord Stream, o presidente russo observou que a liderança alemã de hoje “é guiada pelos interesses do Ocidente coletivo e não por seus interesses nacionais”.
BOTAS DOS EUA
Instado por Carlson a comentar declaração do líder dos democratas no Senado, Chuck Schumer, de que “precisamos continuar a financiar a Ucrânia, ou no final os soldados americanos terão que lutar na Ucrânia em vez de a Ucrânia”, o presidente Putin reagiu: “isso é uma provocação, e uma provocação barata”.
“Não entendo por que os soldados americanos têm de lutar na Ucrânia. Há mercenários dos Estados Unidos lá. A maioria dos mercenários são da Polônia, em segundo lugar estão os mercenários dos Estados Unidos, em terceiro lugar estão os da Geórgia. Se alguém tiver o desejo de enviar tropas regulares, isso certamente colocará a humanidade à beira de um conflito global muito sério. É óbvio.”
“Os Estados Unidos precisam disso? Para quê? A milhares de quilômetros do território nacional! Não tem nada para fazer? Há muitos problemas na fronteira, problemas com a migração, problemas com a dívida nacional – mais de 33 trilhões de dólares. Não há nada a fazer – você precisa lutar na Ucrânia?”.
Não seria melhor chegar a um acordo com a Rússia?, ponderou Putin. “Chegar a um acordo, já entendendo a situação que hoje se desenvolve, entendendo que a Rússia lutará pelos seus interesses até o fim, e, entendendo isso, de fato, voltar ao bom senso, passar a respeitar o nosso país, os seus interesses e olhar para quê – quais soluções? Parece-me que isso é muito mais inteligente e racional.”
SEGURANÇA PARA TODOS
Putin afirmou, também, que a segurança deve ser “compartilhada em vez de destinada ao bilhão de ouro. Esse é o único cenário em que o mundo poderia ser estável, sustentável e previsível.”
Perguntado por Carlson se ele podia “imaginar um cenário” em que enviasse tropas russas para a Polônia, Putin respondeu: “Só em um caso: se houver um ataque da Polônia à Rússia. Por quê? Porque não temos interesses na Polônia, Letônia ou qualquer outro [membro da OTAN].”
DÓLAR COMO ARMA
Putin classificou o uso do dólar “como ferramenta de luta de política externa um dos maiores erros estratégicos cometidos pela liderança política dos EUA”. “Não fomos nós que proibimos o uso do dólar. Foi a decisão dos Estados Unidos de restringir nossas transações em dólares.”
“O dólar é a base do poder dos Estados Unidos. Acho que todos entendem isso muito bem: não importa quantos dólares você imprima, eles voam pelo mundo todo. A inflação nos EUA é mínima. E eles imprimem indefinidamente, é claro. O que diz uma dívida de 33 trilhões? Este é o mesmo problema”.
“Mas não fomos nós que proibimos o uso do dólar, não nos esforçamos para isso. Os Estados Unidos decidiram limitar os nossos pagamentos em dólares. Eu acho que é um absurdo completo, você sabe, do ponto de vista dos interesses dos próprios Estados Unidos, dos contribuintes dos Estados Unidos. Porque isto representa um golpe para a economia dos EUA e mina o poder dos Estados Unidos no mundo”.
A propósito, os pagamentos em yuans eram de aproximadamente três por cento. Agora pagamos 34% em rublos e quase o mesmo, um pouco mais de 34%, em yuans.
Por que os Estados Unidos fizeram isso? Só posso atribuir isso à arrogância. Eles provavelmente pensaram que tudo iria desabar, mas nada desabou. Além disso, vejam, outros países, incluindo países produtores de petróleo, estão começando a conversar e já estão fazendo, pagando pela venda de petróleo em yuans.
E POR SI MUOVE
“O mundo continuará a mudar, independentemente de como terminem os acontecimentos na Ucrânia. O mundo está mudando. Nos próprios Estados Unidos, os especialistas escrevem que os Estados Unidos estão gradualmente mudando sua posição no mundo – os próprios especialistas escrevem, eu os leio. A única questão é como isso acontecerá: dolorosamente, rapidamente ou suavemente, gradualmente? E isto foi escrito por pessoas que não são antiamericanas – elas simplesmente seguem as tendências de desenvolvimento no mundo”, assinalou o presidente russo a Carlson.
Sobre as mudanças tectônicas em curso, Putin registrou que, “em 1992, a participação dos países do G7 na economia mundial era de 47% e em 2022 caiu para algo em torno de 30%. A participação dos países BRICS em 1992 era de apenas 16%, mas agora ultrapassa o nível dos ‘sete’”.
“E isso não está relacionado com nenhum acontecimento na Ucrânia. As tendências no desenvolvimento do mundo e da economia global são as que acabei de mencionar, e isso é inevitável. Isso vai continuar acontecendo: à medida que o sol nasce é impossível evitar, é preciso se adaptar a isso”.
SANÇÕES, PRESSÃO, BOMBARDEIOS
“Como os Estados Unidos estão se adaptando? Com a ajuda da força: sanções, pressão, bombardeios, uso das forças armadas. Isso tem a ver com excesso de confiança. As pessoas da sua elite política não entendem que o mundo está mudando devido a circunstâncias objetivas, e você precisa tomar as decisões certas com competência, na hora certa, em tempo hábil. Tais ações rudes, inclusive em relação à Rússia, digamos, e a outros países, levam ao resultado oposto. Este é um fato óbvio, já se tornou óbvio”.
“No ano passado, a Rússia tornou-se a primeira economia da Europa, apesar de todas as sanções, restrições, impossibilidade de efetuar pagamentos em dólares, desconexão do SWIFT, sanções contra os nossos navios que transportam petróleo, sanções contra aeronaves – sanções em tudo, em todo o lado. O maior número de sanções aplicadas no mundo é aplicado contra a Rússia. E nos tornamos a primeira economia da Europa durante este período.”
RELAÇÕES RÚSSIA-CHINA
Na entrevista, Putin também se debruçou no avanço das relações Rússia-China. “A filosofia de política externa da China não é agressiva. A ideia é sempre buscar compromissos”, ele destacou. “Somos vizinhos da China. Os vizinhos, assim como os parentes próximos, não são escolhidos. Temos uma fronteira comum de milhares de quilômetros com eles. Este é o primeiro. Estamos acostumados a viver juntos há séculos”.
O presidente russo também se referiu às “histórias de terror” sobre o crescimento do volume de cooperação com a China. “A taxa de crescimento da cooperação entre a China e a Europa é maior e superior à taxa de crescimento da cooperação com a China da Federação Russa. Pergunte aos europeus: eles não têm medo? Talvez tenham medo, não sei, mas estão a tentar entrar no mercado chinês a todo o custo, especialmente quando agora enfrentam problemas na economia. E as empresas chinesas estão a desenvolver o mercado europeu.”
“Não há uma pequena presença de empresas chinesas nos Estados Unidos? Sim, as decisões políticas são tais que tentam limitar a cooperação com a China. Senhor Tucker, estão a fazê-lo em seu próprio prejuízo: ao limitar a cooperação com a China, estão a fazê-lo em seu próprio prejuízo. Portanto, antes de introduzir quaisquer sanções ilegítimas – ilegítimas do ponto de vista da Carta das Nações Unidas – precisamos pensar cuidadosamente. Na minha opinião, quem toma decisões tem problemas com isso.”
“Ultrapassamos a meta, estabelecida com o meu amigo presidente Xi Jinping de que este ano deveríamos atingir 200 bilhões de dólares em volume de negócios comerciais com a China. Segundo os nossos dados, já são 230 bilhões, segundo as estatísticas chinesas – 240 bilhões de dólares. E muito importante: temos um volume de negócios equilibrado e que se complementa no setor da alta tecnologia, no setor da energia e no domínio do desenvolvimento científico. É muito equilibrado.”
HEGEMONIA
Sobre o potencial de mudança nas relações EUA-Rússia, Putin afirmou que “não se trata da personalidade do líder. Tem a ver com a mentalidade das elites, o acordo de líderes. Se a ideia de dominação a qualquer custo, baseada também em ações contundentes, dominar a sociedade americana, nada mudará.”
Ele lembrou do bom relacionamento com W. Bush, o que em nada mudou a orientação geral da política externa norte-americana. Ou o entendimento com Trump.
As ferramentas que os EUA estão utilizando “não estão funcionando”, ele enfatizou. “Bem, precisamos pensar no que fazer. Se esta constatação chegar às elites dominantes, então sim, então a primeira pessoa do Estado agirá em antecipação ao que os eleitores e as pessoas que tomam decisões a vários níveis esperam dele. Então algo pode mudar”.
DESNAZIFICAÇÃO
Putin esclareceu a imperiosa questão da desnazificação da Ucrânia e suas raízes. Ele lembrou que, quando a Segunda Guerra Mundial começou, parte da elite ucraniana, que estivera sob dominação polonesa, passou colaborar com Hitler, acreditando que Hitler lhes traria a liberdade. “As tropas alemãs, mesmo as tropas SS, deram o trabalho mais sujo de exterminar a população polaca, a população judaica, aos colaboracionistas. Daí este massacre brutal da população polaca, judaica e também russa.”
À frente disso – salientou o presidente russo – estavam “pessoas bem conhecidas: Bandera, Shukhevych. Foram essas pessoas que se tornaram heróis nacionais. Esse é o problema”.
“Dizem-nos o tempo todo: o nacionalismo e o neonazismo existem noutros países. Sim, existem brotos, mas nós os esmagamos, e em outros países eles os esmagam”, ele acrescentou.
“Mas na Ucrânia – não, na Ucrânia eles foram transformados em heróis nacionais, monumentos são erguidos para eles, estão em bandeiras, seus nomes são gritados por multidões que andam com tochas, como na Alemanha nazista. Estas são as pessoas que destruíram polacos, judeus e russos. Esta prática e teoria devem ser interrompidas”.
ESTELIONATO ELEITORAL DE ZELENSKY
Putin disse, ainda, que Zelensky, que se elegeu com uma vantagem enorme prometendo acabar com a guerra na Ucrânia, traiu seus eleitores. “Ao chegar ao poder, em minha opinião, ele percebeu duas coisas. Em primeiro lugar, é melhor não brigar com neonazistas e ultranacionalistas, porque eles são agressivos e muito ativos – você pode esperar qualquer coisa deles. E em segundo lugar, o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, os apoia e sempre apoiará aqueles que lutam contra a Rússia – é lucrativo e seguro. Assim, ele assumiu a posição correspondente”.
Putin reiterou que a Rússia repetidamente buscou uma solução por meios pacíficos para os problemas surgidos na Ucrânia após o golpe de Estado de 2014 “mas ninguém nos ouviu”. A liderança ucraniana “anunciou subitamente que não implementaria os acordos de Minsk” e basicamente a OTAN, sob vários disfarces, começou “a criar bases lá”.
“O regime de Kiev também anunciou que os russos eram uma nacionalidade não titular e, ao mesmo tempo, aprovaram leis que limitavam os direitos das nacionalidades não titulares. Na Ucrânia. A Ucrânia, tendo recebido todos estes territórios do sudeste como um presente do povo russo, anunciou repentinamente que os russos neste território são uma nacionalidade não titular. Tudo isto levou à decisão de acabar com a guerra, iniciada pelos neonazis na Ucrânia em 2014, por meios armados”.
RECONCILIAÇÃO VIRÁ
Sobre o atual quadro na Ucrânia, Putin citou a “mobilização sem fim, a histeria, os problemas internos, tudo isto” mas acrescentou que “mais cedo ou mais tarde chegaremos a um acordo de qualquer maneira”.
“E adivinha? Pode até parecer estranho na situação atual: as relações entre os povos serão restauradas de qualquer maneira. Vai demorar muito, mas vai se recuperar”, sublinhou o presidente russo.
“Vou dar alguns exemplos incomuns. Há um confronto no campo de batalha, um exemplo concreto: os soldados ucranianos estão cercados – este é um exemplo concreto da vida, das operações militares – os nossos soldados gritam-lhes: ‘Não há hipótese, rendam-se! Saia, você ficará vivo, desista! E de repente gritam de lá em russo, bom russo: ‘os russos não desistem!’ – e todos morreram. Eles ainda se sentem russos”.
“Neste sentido, o que está acontecendo é, em certa medida, um elemento de guerra civil. E todos no Ocidente pensam que os combates separaram para sempre uma parte do povo russo da outra. Não. O reencontro acontecerá. Por que é que as autoridades ucranianas estão excluindo a Igreja Ortodoxa Russa? Porque une não o território, mas a alma, e ninguém poderá dividi-lo”.