
“As duas Coreias vão se comunicar, vão cooperar e encontrar um caminho para a prosperidade comum”, disse o novo presidente
O Partido Democrático, oposição de centro-esquerda, e seu candidato, Lee Jae-myung, venceram a eleição extraordinária presidencial da Coreia do Sul realizada nesta terça-feira (3), com 49,31% dos votos, derrotando o candidato da situação, o ex-ministro Kim Mon-soo, que obteve 41,30%, depois de seis meses de crise desencadeada por tentativa de fechamento do parlamento e imposição de lei marcial pelo então presidente Yoon Suk Yeol, de extrema-direita, que acabou impichado.
Um terceiro candidato, do Partido da Nova Reforma, Lee Jun-seok, obteve 8,29% dos votos. A eleição se realizou 60 dias após a corte constitucional haver, em abril, confirmado o impeachment de Yoon, aprovado pela Assembleia Nacional em dezembro. Lee Jae-myung tomará posse nesta quarta-feira (4).
No ano passado, tentativa de autogolpe de Yoon, com decretação da lei marcial, acabou derrotada com a recusa do parlamento a ser fechado por tropas do exército, como tentado, e com multidões nas ruas em Seul, até o colapso do achincalhe horas depois, e afinal, impeachment do golpista.
Em seu primeiro pronunciamento, Lee, ex-advogado de direitos humanos e que, na eleição de 2022, perdera para Yoon por uma fração de ponto, prometeu unir o país, reanimar a economia, restaurar os meios de subsistência das pessoas e reiterou seu compromisso contra o golpismo.
Ele terá que governar em um quadro de um país extremamente dividido pelo caos causado pelo golpe de Yoon. Fazendo um chamado a deter a polarização no país, ele conclamou os sul-coreanos “a não entrar em confronto entre si” e à superação do ódio.
O presidente Lee também prometeu restaurar o diálogo com a Coreia do Norte devastado pelo governo anterior. “As duas Coreias vão se comunicar, vão cooperar e encontrar um caminho para a prosperidade comum”, disse o novo presidente no discurso de vitória.
Ele já assume tendo encarar a negociação do tarifaço de Trump, um problema enorme para a economia exportadora da Coreia do Sul, sobretudo para seu setor automotivo. No seu “dia da libertação”, Trump anunciara 25% de sobretarifa às exportações sul-coreanas e em julho se encerra o prazo de 90 dias para negociação.
DIÁLOGO INTERCOREANO
Nos governos do Partido Democrata, as relações com a Coreia socialista sempre melhoram muito, o que a extrema-direita, caninamente pró-norte-americana, sempre busca reverter quando volta ao poder.
O impichado Yoon havia desencadeado uma provocação atrás da outra contra Pyongyang, não disfarçava sua condição de capacho de Washington e ainda gostava de bajular o Japão. No autogolpe, o pretexto para a lei marcial era a “interferência norte-coreana” e as investigações revelaram que houve planos para usar as forças especiais (os kids pretos de lá) para provocar incidentes com a Coreia socialista.
“A diplomacia deve sempre se concentrar nos interesses nacionais”, afirmou Lee, ao defender uma abordagem equilibrada entre os vínculos com os Estados Unidos – que ali mantêm 28.500 marines e bases -, a China – esta, a maior parceira comercial – e a vizinha Rússia.
“Devemos priorizar o interesse nacional e evitar nos envolvermos demais no conflito China-Taiwan”, declarou. “A ideia é respeitar o ‘status quo’ e manter uma distância adequada”.
Para ele, a Coreia do Sul não pode “apostar tudo nos laços com Tóquio e Washington”. “Nossas relações com a China e a Rússia também são importantes, portanto, devemos administrá-las bem”.
Lee também defendeu uma reforma constitucional para permitir reeleição presidencial e a expansão do setor de inteligência artificial como motor do crescimento econômico.
COMPARECIMENTO ÀS URNAS DE 79,4%
O comparecimento às urnas foi de 79,4%, o mais elevado desde 1997. Como comentou à AFP Kang Joo-hyun, professor de Ciências Políticas da Universidade de Sookmyung, a eleição é considerada “um referendo sobre o governo anterior”.
O eleitor Park Dong-shin, de 79 anos, disse que votaria “para fazer um novo país”. Ele considerou que a lei marcial “foi o tipo de coisa que se fazia nos velhos tempos da ditadura em nosso país”, referindo-se ao regime instaurado pela ocupação norte-americana e que vigorou de 1945 a 1987, sempre governando sob lei marcial.
Park explicou que votaria no candidato que garanta que os responsáveis por esta declaração “sejam tratados como se deve”.
O impichado Yoon enfrentará um julgamento na Suprema Corte sob a acusação de violar a lei eleitoral. O tribunal adiou o julgamento até depois da eleição para evitar interferência.
DEMOCRACIA REAFIRMADA
Para o jornal Hankyoreh, trata-se de uma votação que restaura a democracia no país. “A declaração inconstitucional e ilegal de lei marcial por Yoon foi uma tentativa de retroceder 40 anos no tempo da Coreia do Sul, para uma época de ditadura.”
“Recusando-se a reconhecer a vitória esmagadora do partido de oposição nas eleições gerais do ano passado, Yoon difamou a oposição como uma “força antiestatal” que precisava ser exterminada. Ele mobilizou os militares para tomar o controle de instituições constitucionais importantes, especificamente a Assembleia Nacional e a Comissão Nacional Eleitoral, e sua obsessão doentia com teorias da conspiração sobre fraude eleitoral alimentou conflitos entre partidos políticos e divisões na opinião pública.”
“Apesar de jurar defender a Constituição como presidente, Yoon violou a própria ordem que jurou proteger e prejudicou gravemente a confiança da população no sistema judiciário.”
“Mas sempre que a força devastadora do golpismo ameaçou desestabilizar a Coreia, foram os coreanos comuns que colocaram o país de volta nos trilhos. Foram as pessoas desarmadas que se uniram contra as tropas da lei marcial que tentavam se infiltrar na Assembleia Nacional na calada da noite de 3 de dezembro; as pessoas que lotaram as ruas em frente à legislatura todos os dias para pedir o impeachment de Yoon, que salvaram a Coreia do abismo.”
“O povo coreano, como verdadeiro dono do país, tem a oportunidade de criar uma Coreia totalmente nova.”