Equatorial Energia, considerada a pior distribuidora de energia do Brasil, foi a única a apresentar interesse pela maior empresa de saneamento da América Latina. Para Sintaema, governo vende ações da estatal “em um processo muito suspeito”
O governo de São Paulo anunciou na noite desta sexta-feira (28), a empresa privada Equatorial Energia, como a única candidata a se tornar acionista de referência da Sabesp. A empresa, considerada a pior distribuidora privada de energia do país, deve comprar 15% das ações da Sabesp, assumindo assim o controle da estatal.
O anúncio foi feito por Tarcísio de Freitas (Republicanos) e a Secretária Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado, Natália Resende.
De acordo com os critérios do governo Tarcísio para a privatização da maior empresa de saneamento da América Latina, a Equatorial, que deixou mais de 206 mil clientes no Rio Grande do Sul por dias sem eletricidade em janeiro deste ano adquira 15% das ações da Sabesp e, com isso, assumirá o controle por um valor de R$ 6,9 bilhões, o equivalente a um ano do lucro da estatal.
A expectativa era de que outras empresas entrassem na concorrência, o que não ocorreu, deixando em evidência o jogo de cartas marcadas da gestão Tarcísio. Sem outros concorrentes, nem mesmo o leilão das ações de referência deverá acontecer.
O modelo de privatização era dividido em duas fases e que previa a disputa entre dois acionistas de referência elevaria o preço da ação ao final da oferta. Isso porque havia um mecanismo que permitia ao segundo colocado igualar o valor oferecido pelo vencedor, desde que tivesse mais reservas de ações feitas por pessoas físicas e fundos de investimento. Agora, isso não vai mais ocorrer, impedindo um ‘ágio’ na operação.
Enquanto isso, Tarcísio segue em uma excursão aos EUA e Europa para oferecer outros 17% das ações da Sabesp para que fundos especulativos drenem a receita da empresa construída pelos paulistas. O governo de São Paulo ficará com outros 18% das ações, mas sem possuir o controle da estatal.
SEM EXPERIÊNCIA
A Equatorial Energia tem péssimo histórico de atuação no setor de energia, mas é nova no saneamento. Seus proprietários são conhecidos do ramo da especulação, como o banqueiro Daniel Dantas, do fundo Opportunity, as gestoras Atmos, Capital World Investors, Squadra Capital e o fundo norte-americano de investimentos Blackrock.
No setor energético, a empresa opera sete concessões de fornecimento no país, três delas na região Nordeste, duas no Norte, além de Rio Grande do Sul e Goiás, as duas últimas aquisições, de 2021 e 2022. Tem também negócios em geração e transmissão de energia e telecomunicações.
No saneamento, adquiriu uma primeira concessão em 2021, para prestar serviços de água e esgoto no Amapá, e começou a operar, de fato, em 2022.
Com a aquisição da concessão de saneamento no Amapá, que chama de CSA. No Amapá, a Equatorial já operava a distribuição de energia elétrica antes de assumir também a concessão do saneamento. Venceu o leilão em 2021 com lance de R$ 930 milhões e compromisso de investimento de R$ 880 milhões.
Ainda há poucos indicadores oficiais para avaliar o desempenho da companhia, já que os últimos dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento (Snis), do Ministério das Cidades, são de 2022, ano em que a Equatorial assumiu a concessão.
Naquele ano, o Amapá tinha 46,9% da população com acesso a água tratada e apenas 4,5% da população com coleta de esgoto, valores bem abaixo da média nacional, de 84,9% e 56%, respectivamente. O volume de perdas de água no sistema de distribuição chegava a 80,3%, ante uma média nacional de 37,8%.
A CEEE Equatorial ocupa o último lugar do ranking de eficiência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Logo acima figuram outras duas distribuidoras da Equatorial (de Goiás e do Maranhão), formando a tríade das piores concessionárias do país.
A Equatorial obteve lucro líquido de R$ 4,3 bilhões em 2021 e de R$ 1,9 bilhão em 2022. Já a CEEE registrou prejuízo de R$ 394 milhões em 2021 e de R$ 266 milhões em 2022.
APAGÕES RIO GRANDE DO SUL
No Rio Grande do Sul, a CEEE Equatorial foi responsável por deixar milhares de gaúchos sem luz em diferentes momentos. Logo após assumir a concessão, após a privatização realizada pelo governo Eduardo Leite, em 2021, a empresa passou a demitir os funcionários mais experientes, ampliar a terceirização e reduzir a qualidade no atendimento.
Ao ajuizar a ação civil pública contra a CEEE Equatorial na qual pede indenizações e multas que totalizam ao menos R$ 200 milhões, o Ministério Público compilou reclamações contidas em 14 inquéritos que apuram a atuação da distribuidora. Em 2.315 páginas, os promotores descrevem um “cenário desesperador para as comunidades mais carentes do interior”.
São relatos de localidades que ficam até 20 dias sem energia, de prejuízos a pequenas e médias empresas e da precariedade dos serviços.
Desde que a Equatorial assumiu a CEEE, em 2021, a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) realizou 19 fiscalizações na empresa. Foram emitidos quatro autos de infração, com três multas e nove advertências.
Nessas inspeções, ficou constatado que ela leva em média 65% mais tempo do que as outras três grandes distribuidoras do sul do país para atender situações de emergência e que o descumprimento de indicadores de queda de luz e demora na religação atinge 77,3% dos seus consumidores.
Dos 62 conjuntos elétricos da empresa no RS, 49 foram considerados críticos. Em Candiota, o número de cortes de energia superou em 599% o teto estipulado pela Aneel. Em Santa Vitória do Palmar, em 430%.
DEMISSÕES E PRECARIZAÇÃO
Logo após assumir a concessionária, a Equatorial lançou um programa de demissão voluntária que atingiu 998 funcionários. Com outros 50 desligamentos posteriores, a companhia reduziu o quadro de pessoal em 52,4%.
“A CEEE perdeu sua memória viva. Saíram os profissionais mais experientes”, diz o gerente de energia elétrica da Agergs, Alexandre Jung.
Na época, o presidente do Sindicato dos Eletricitários do RS (Senergisul), Antonio Silveira, considerou como resultado uma precarização dos serviços. Virou rotina na entidade denúncias de treinamento deficiente, escassez de equipamentos e falhas nos procedimentos. Há relatos cotidianos de dificuldade até mesmo na comunicação com a central de operações da CEEE Equatorial, pois as viaturas não são equipadas com rádio e há perda de sinal de celular.
AÇÕES A PREÇO DE BANANA
Em coletiva à imprensa realizada na última quinta (27), a direção do Sintaema, junto com representantes do Observatório Nacional das Águas (Ondas), da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) e da Associação de Profissionais Universitários da Sabesp (APU), apresentaram detalhes de um estudo encomendado pelo Sindicato que escancara crime contra o erário público.
“Os números são claros e mostram uma clara manobra do governo em usar nosso patrimônio para o lucro de alguns empresários. O fato de ser a Equatorial, uma empresa que atua somente em 16 municípios, no estado de Macapá, revela o quão esse processo é nebuloso. Como uma empresa com esse tamanho irá gerir a terceira maior empresa de saneamento do mundo?”, alertou o presidente do Sintaema, José Faggian durante a coletiva.
O Sindicato ainda destacou que todo o processo de privatização comprova que está em curso uma negociata que coloca no centro da banca a Sabesp. “Tarcísio está vendendo a empresa que mostrou força e referência em momentos como a crise hídrica e os desastres em Ubatuba e no Rio Grande do Sul. Ninguém faz o que a Sabesp faz, lembrando que todas essas ações sociais ocorrem sem prejudicar a saúde financeira da empresa, que todos os anos computa lucros bilionários”, emendou o presidente.
Durante a coletiva, os dois escritórios de advocacia, o Escritório Rubens Naves Santos Junior e o Escritório Marcus Neves, contratados pelo Sindicato destacaram as mais de 50 ações na Justiça contra a privatização. “Não restam dúvidas sobre a inconstitucionalidade do processo de privatização e do impacto desolador que essa venda causará para mais de 70% da população de São Paulo”, afirmaram os advogados presentes, doutor Rubens Naves e o doutor Gustavo Silva.
O estudo encomendado Sintaema mostra que o valor das ações da Sabesp está subestimado. O preço da ação da Sabesp, que é negociada atualmente por cerca de R$ 74, deveria estar em torno de R$ 100. Entre os argumentos para apontar essa diferença, o relatório indica que os custos que a Sabesp terá para universalizar o saneamento deverão ser 30% ou 40% menores do que os previstos pelo governo do estado.
A MONTANHA PARIU O RATO
Segundo Amauri Pollachi, conselheiro do Ondas e diretor da APU, se os custos para a universalização são menores o fluxo de caixa futuro da Sabesp seria maior, o que justificaria o impacto no valor das ações.
“Estamos diante do fenômeno da Black Friday. Uma verdadeira maquiagem na apresentação do plano de privatização. Não conseguimos olhar a sala inteira, mas a fresta que pegamos revela uma manobra para vender a Sabesp por um preço mais baixo que deveria ser”, conclui Pollachi.
Na mesma linha, Ronaldo Coppa, ex-membro do Conselho de Administração da Sabesp, ressaltou ser flagrante o direcionamento na escolha do acionista de referência.
“A saída da Aegea é um alerta disso. Será que uma empresa que gerencia apenas 16 municípios possui credenciamento para assumir o selo Sabesp. Como uma empresa desse tamanho pode gerenciar a terceira maior empresa de saneamento do mundo e que se posiciona hoje como uma referência em produção de tecnologia para o campo do saneamento”, questionou Coppa.
E completou: “Diante da narrativa do governo Tarcísio a montanha pariu o rato visto que não há nenhuma empresa de ponta na concorrência pela Sabesp e nos deparamos com uma Equatorial em um processo muito suspeito”.
Todos concordaram que o processo de privatização da Sabesp tornará a população de São Paulo refém da iniciativa privada em uma questão que é monopólio natural. “Não é só esse estudo, são todos os estudos que produzimos que escancaram a pervessividade do projeto de privatização da Sabesp. É um crime transformar um bem natural que é a água em um ativo de mercado”, finalizaram.
TIAGO CÉSAR