Para o Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, o corte de verbas destinado à Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, pela gestão de Tarcísio de Freitas, evidencia uma intenção do Governo de São Paulo de sucatear a fundação para facilitar sua privatização, comprometendo, assim, o princípio da comunicação pública.
“Com essa fala do Tarcísio, acho que fica muito claro que a proposta do governo estadual é sucatear a Fundação, tentando piorar suas condições para, como fez com a Sabesp, buscar sua privatização ou mesmo a extinção das fundações […],” denuncia o presidente da entidade, Thiago Tanji.
“E isso não é uma especulação”, ressalta. “Se você olhar o que o governador colocou em falas públicas, o objetivo dele é acabar, extinguir as fundações e com tudo aquilo que é público, o que é um absurdo”, criticou Thiago, que também é presidente da Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj – em entrevista ao HP.
“A gente viu o que aconteceu essa semana, com as escolas. Você privatizar escolas, colocar a concessão de escolas para uma empresa que gere cemitérios [administrar], revela não só o projeto de extrema-direita, mas obscurantista do Governo Tarcísio”. “[Ele] vê na TV Cultura não só uma questão de gastos, mas também um enfrentamento para piorar as condições de jornalismo público, de comunicação pública”, avalia.
PRESSÃO
Em uma reunião com representantes da Fundação Padre Anchieta no Palácio dos Bandeirantes em julho — evento que só veio a público nesta semana —, Tarcísio destacou a necessidade de “eficiência” e defendeu que a TV Cultura busque fontes alternativas de custeio. O encontro, cujo objetivo foi discutir o financiamento da emissora e cortes orçamentários, contou com a presença da secretária de Cultura, Marilia Marton, e do presidente da fundação, José Roberto Maluf.
Uma nova proposta de taxa, inspirada no modelo de financiamento britânico da BBC, foi mencionada durante a reunião. Outra possibilidade, como aumentar a arrecadação com recursos privados e utilizar a Lei Rouanet para ampliar o suporte financeiro da emissora, foi apresentada pelo presidente da entidade.
A ideia, apresentada originalmente durante a gestão do ex-governador Mário Covas, propõe uma taxa voluntária [segundo alegado] a ser incluída nas contas de água e luz, destinada aos contribuintes que queiram apoiar financeiramente a TV Cultura. Dessa forma, transfere-se para a população o custo de algo que deveria ser assumido pelo Estado.
A proposta “inovadora”, segundo o governador, será encaminhada à Procuradoria do Estado para que sua viabilidade jurídica seja avaliada. No entanto, de acordo com assessores, não há, por ora, indicativos de que será implementada.
A crise na TV Cultura é antiga e tem se agravado no atual governo. Atualmente, metade do quadro de funcionários da fundação é financiada por recursos públicos, enquanto o restante é composto por Pessoas Jurídicas (PJs), ou seja, terceirizados, os quais têm seus salários pagos com recursos privados. Isso é possível em razão de ser a Fundação Padre Anchieta uma entidade pública de direito privado.
PIORA NAS CONDIÇÕES DE TRABALHO
Enquanto recebe repasses do governo estadual, a organização também usufrui da prerrogativa de obter receitas adicionais de outras fontes.
“Essa distorção [em relação aos salários e natureza dos contratos trabalhistas] já vem acontecendo há bastante tempo. Por outro lado, tem um problema grave que são os acordos coletivos que a gente tenta firmar com a Cultura e a direção da empresa barra, dizendo que tem que passar pelo Governo do Estado. Então, os trabalhadores estão, há 10 anos, com uma defasagem salarial muito grande”, aponta o sindicalista.
“A gente conquistou nos últimos tempos alguns reajustes, mas reajustes pontuais. Hoje você tem uma defasagem de quase 50% sobre os salários de jornalistas e um índice, até maior [nos] dos radialistas”, revela. “Isso porque o reajuste depende do governo estadual”, explica o dirigente sindical.
“Com a eleição do Tarcísio, desde 2023, a gente vê que houve uma piora nessas condições, o que ficou mais grave nesse ano. Ele contingenciou os recursos – ele continua pagando a folha salarial, claro, mas os outros recursos, para pagar água, pagar luz, etc., – foram contingenciados”.
Com a retenção de R$ 13 milhões, em setembro, a TV Cultura teve que demitir mais de 100 profissionais, boa parte deles PJs, repercutindo na grade de programação, com o fim o fim de alguns programas que vinham sendo exibidos.
“A gente fez uma mobilização importante que de alguma maneira pressionou o governo, que afirmou que iria destravar parte desses recursos. Então, de setembro para cá houve algum aporte desses recursos que foram contingenciados, mas agora, com essa fala do Tarcísio, fica clara a intenção de privatizar a TV Cultura”, avalia Thiago Tanji.
No encontro que tratou de aportes e a ideia de veiculação de publicidade pela emissora, Marton destacou a importância de equilibrar as necessidades de receita com a manutenção do caráter público da TV Cultura, indicando que é necessário “não chegar ao extremo de ter comerciais como a TV comum e também não achar que esse recurso não é importante em um momento em que a gente fala sobre eficiência”.
JOSI SOUSA