
A ameaça do presidente dos EUA, Donald Trump, de aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros coloca em risco direto as exportações da principal economia do Brasil: o estado de São Paulo. Líder isolado nas vendas para o mercado estadunidense, o estado governado por Tarcísio de Freitas (Republicanos) poderá ser o mais afetado caso a medida se concretize. Mesmo assim, o governador tem optado por atacar o governo Lula (PT) e defender os interesses do seu padrinho político, Jair Bolsonaro e de Trump — uma estratégia política que vem sendo criticada por especialistas e até por setores da indústria paulista.
Em 2024, o Brasil exportou cerca de US$ 40,3 bilhões aos EUA, sendo que São Paulo respondeu sozinho por US$ 13,5 bilhões, ou 33,6% do total. O estado ficou à frente de Rio de Janeiro (17,9%), Minas Gerais (11,4%) e Espírito Santo (7,6%). Boa parte dessas exportações envolve bens de alto valor agregado: aeronaves da Embraer, sucos de frutas, motores, calçados, roupas e peças da indústria civil pesada — todos setores estratégicos para a economia paulista.
Em reunião com o presidente Lula no Palácio da Alvorada, o presidente da Apex, Jorge Viana, fez um alerta direto: “A efetivação dessas medidas ferem o interesse do Brasil. Eu espero que o governador de São Paulo, independente das posições ideológicas que tenha, reflita e veja que o estado mais afetado será São Paulo com desemprego, com empresas tendo dificuldade de seguir adiante.”
Segundo Viana, mais de 70% das exportações brasileiras para os EUA partem do Sudeste. E grande parte sai de terminais localizados em São Paulo — com destaque para o Porto de Santos, que sozinho concentrou 31,8% do valor exportado em 2023.
Ainda assim, Tarcísio parece mais preocupado em atacar o governo federal do que em liderar um esforço conjunto para preservar os interesses da indústria paulista. Na quarta-feira (9), o governador publicou em suas redes: “Lula colocou sua ideologia acima da economia, e esse é o resultado”, sugerindo que a medida de Trump é uma represália contra o atual governo brasileiro.
No dia seguinte, ao ser questionado em um evento, Tarcísio reconheceu que o impacto será “negativo” e “deletério”, especialmente para empresas como a Embraer, sediada em São José dos Campos. Ainda assim, voltou a politizar o assunto: “Tiveram tempo para prestigiar ditaduras, defender a censura e agredir o maior investidor direto no Brasil. Outros países buscaram a negociação. Não adianta se esconder atrás de Bolsonaro”.
RESPOSTA FEDERAL
A resposta do governo federal veio rápido. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, acusou o governador de “colocar ideologia acima dos interesses do país” e classificou a fala de Tarcísio como “a continuação do golpe pelo qual Bolsonaro responde no STF, agora usando tarifas de um país estrangeiro”.
Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que “o governador errou muito. Porque ou bem uma pessoa é candidata a presidente, ou é candidata a vassalo. E não há espaço no Brasil para vassalagem, desde 1822 isso acabou. O que está se pretendendo aqui? Ajoelhar diante de uma agressão unilateral sem nenhum fundamento econômico?”
O próprio presidente Lula também criticou Tarcísio:
“Os loucos que governaram este país não voltam mais. O senhor Tarcísio não vai tentar esconder o chapeuzinho do Trump, não, pode mostrar para a gente saber quem você é. Está cheio de lobo em pele de carneiro. Se for necessário ser candidato para evitar isso, estarei candidato”.
INDÚSTRIA TEME COLAPSO
As entidades empresariais vêm reforçando os alertas. Para o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, é fundamental evitar o confronto. “Negociar com serenidade, a partir de fatos e estatísticas verdadeiras, é de interesse comum às empresas brasileiras e americanas. Esperamos que o bom senso volte a nortear a relação entre essas duas grandes nações soberanas”, escreveu em nota. Ainda assim, ele classificou a tarifa como “quebra do regramento comercial e do direito internacional”.
A Federação das Indústrias de Minas Gerais também se posicionou. Flávio Roscoe afirmou que “se confirmada a tarifa de 50%, o impacto sobre a indústria mineira será bastante significativo”, especialmente no setor do aço, que já enfrenta crise global.
Larissa Wachholz, pesquisadora sênior do CEBRI, alerta que a concentração da pauta exportadora em poucos mercados é um risco estratégico: “Se esta situação puder servir de lição para a indústria, é que nunca é bom colocar seus ovos em poucas cestas. As empresas devem buscar difundir ao máximo os seus produtos para mais mercados”.
Nos bastidores políticos, o episódio ganhou contornos de pré-campanha. Tarcísio é visto como o sucessor natural de Bolsonaro, hoje inelegível, e tem buscado se firmar como o nome da direita para a disputa presidencial. O apoio a Trump e o discurso agressivo contra Lula fazem parte dessa estratégia.
Mas o tiro pode sair pela culatra. A tarifa ameaça diretamente milhares de empregos, principalmente no interior paulista, onde estão as principais indústrias exportadoras.
Se a tarifa realmente entrar em vigor no dia 1º de agosto, como prometido, será difícil explicar ao eleitor que o problema foi “a ideologia do outro”. O chapeuzinho de Trump pode acabar virando um peso eleitoral.
MAÍRA CAMPOS