
China reafirma que “tem contramedidas decisivas para lutar” contra “irracionalidade” do tarifaço de Trump que faz do país asiático maior alvo em sua guerra comercial e “mina esforços globais pela paz e desenvolvimento”
A China convocou uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para discutir o tarifaço decretado pelo governo Trump contra o mundo inteiro que, advertiu, “lança uma sombra sobre os esforços globais pela paz e desenvolvimento” ao usar tarifas como armas.
Nesta quarta-feira (16), de sopetão, o governo Trump subiu para 245% as tarifas sobre as exportações chinesas, enquanto, em paralelo, autoridades norte-americanas começaram a falar que os demais países terão de escolher “entre os EUA e a China”, com o chefe do Pentágono chegando a prometer “tomar de volta o nosso quintal”, no caso, a América Latina.
Na carta enviada a todos os 193 Estados-membros das Nações Unidas a China convoca uma reunião informal do Conselho de Segurança da ONU na próxima quarta-feira (23).
“Todos os países, particularmente os países em desenvolvimento, são vítimas de unilateralismo e práticas de bullying. Ao usar tarifas como arma de extrema pressão, os EUA violaram gravemente as regras do comércio internacional e provocaram choques e turbulências severos na economia mundial e no sistema de comércio multilateral, lançando uma sombra sobre os esforços globais pela paz e desenvolvimento”, afirma o documento da China.
A agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento disse, nesta quarta-feira, que o crescimento econômico global pode desacelerar para 2,3%, à medida que as tensões comerciais e a incerteza impulsionam uma tendência recessiva.
Na semana passada, o pânico provocado pelo tarifaço de Trump levou o estratégico mercado de títulos da dívida norte-americana à beira do colapso, com investidores desovando US$ 2 trilhões em treasuries, enquanto os juros dos papéis disparavam, no pior episódio em uma década, enquanto as bolsas iam ao chão. E lançando temor sobre o papel do dólar como “refúgio seguro” nas crises.
O próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, ao ser perguntado sobre a imposição da tarifa mínima dos EUA de 10% a quase todos os países do mundo, havia reiterado que “ninguém ganha em uma guerra comercial, todo mundo tende a perder”.
Na década de 1930, a guerra tarifária desencadeada pelos EUA ficou mundialmente conhecida como “a política do ‘arruíne seu vizinho’”.
O ESPERNEIO DA ‘ORDEM UNIPOLAR’ FALIDA
Na nota em que anunciou a exacerbação da histeria tarifária, Washington a atribuiu ao fato de a China haver respondido com “retaliações” – o que, aliás, é a prática internacional nessas questões, segundo os princípios da Organização Mundial do Comércio.
Mas, parece que para Trump, apesar do declínio dos EUA, que aliás o fez virar presidente, Washington pode penalizar os demais países, mas estes não podem exercer o direito de se defenderem, sob a exdrúxula tese de o mundo inteiro está “saqueando os EUA”.
Quando todo mundo sabe que foram os bancos e monopólios norte-americanos que enfiaram goela abaixo do planeta inteiro, se aproveitando do colapso da União Soviética, o tal Consenso de Washington e o neoliberalismo, sob sua ordem unipolar e o inaceitável lema de ‘fim da história’. A desindustrialização dos EUA foi autoinfligida, para obter lucro máximo no “ultramar” com os salários mais baixos e ao manter girando o cassino global.
A “nota” dos EUA não esclareceu como o alucinado percentual de 245% foi calculado, mas, segundo o texto, a decisão de Trump vem como forma de “proteger a Segurança Nacional dos Estados Unidos” e “nivelar o campo de atuação”.
A China atualmente é a fábrica do mundo e o maior parceiro comercial da maior parte do planeta.
“IRRACIONAL”
O ministério do Comércio da China classificou de “irracional” a sobretaxação de 245% às exportações chinesas. O comunicado afirmou que o país não entrará no “jogo insensato” dos EUA e que possuiu “contramedidas decisivas e lutará até o fim”.
“Isso demonstra plenamente que os Estados Unidos já atingiram um estado irracional ao usar tarifas como ferramenta e arma”, conclui a nota.
As únicas exportações chinesas que ainda estão sujeitas a “apenas 20%” são os iphones, chips, notebooks, televisores de tela plana e demais dispositivos eletrônicos, recuo do qual Trump não teve como se safar após a ameaça de grave baque na Apple, na Dell e congêneres.
Antes da histeria tarifária da Casa Branca escalar para esse ainda mais desvairado patamar, a China havia expressado sua disposição de dialogar com os EUA sobre a questão tarifária, desde que “com base na igualdade e respeito mútuo” e chamara Washington a parar de “ameaçar e chantagear”.
“Se os Estados Unidos realmente querem resolver o assunto por meio do diálogo e da negociação, devem parar de exercer pressão extrema, parar de ameaçar e chantagear, e conversar com a China com base na igualdade, respeito e benefício mútuo” disse o porta-voz Lin Jian.
Respondendo sobre os “245%”, o porta-voz destacou que a guerra tarifária foi iniciada pelos Estados Unidos e, conquanto a China não queira travar essas batalhas, “não tem medo delas”.
Com a empáfia sobre a qual a porta-voz da chancelaria chinesa falou recentemente em uma postagem com um vídeo do presidente JFK de 1961 (“somos só 6% da população mundial”), a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirmou que o presidente Donald Trump considera que os americanos não precisam firmar um acordo comercial com a China sobre tarifas.
“A bola está com a China. A China que precisa fazer um acordo conosco. Nós não precisamos fazer um acordo com eles. Não há diferença entre a China e qualquer outro país, exceto pelo fato de que eles são muito maiores — e a China quer o que nós temos… o consumidor americano”, afirmou ela.
Para o Wall Street Journal, o governo Trump pretende usar as negociações tarifárias em andamento – leia-se chantagear – vários países para tentar isolar a China, exigindo que em troca de tarifas mais baixas não permitam o transbordo de mercadorias chinesas através de seu país, impeçam as empresas chinesas de se estabelecerem em seu território e recusem produtos industriais baratos chineses.
Enquanto Trump faz esses planos, consumidores na Europa e no Canadá começam a boicotar produtos made in USA e no mês passado as viagens de europeus para os EUA encolheram 17% em relação a mesmo período do ano passado. E a China surpreendeu com um crescimento de 5,4% do PIB no primeiro trimestre, com base no consumo e na alta tecnologia.
ECONOMIA GLOBAL FRENTE A UM IMPASSE
De acordo com a agência de notícias Bloomberg, especializada em negócios, o destino da economia global e dos mercados financeiros depende, em grande parte, de os EUA e a China conseguirem evitar uma guerra comercial prolongada.
A Bloomberg atribuiu a uma “pessoa familiarizada com o pensamento de Pequim” a declaração de que, para a China a condição mais importante para qualquer negociação é que esse engajamento seja conduzido com respeito.
A fonte afirmou ainda que a China não tomará ações provocativas em relação a Taiwan, mas responderá caso seja provocada. Segundo a Bloomberg, que cita essa mesma fonte, o governo chinês também quer que os EUA nomeiem um responsável pelas negociações que tenha o apoio do presidente e possa ajudar a preparar um acordo que Trump e o líder chinês Xi Jinping possam assinar quando se encontrarem.
Eventuais negociações teriam também que abordar a percepção predominante das autoridades chinesas de que os EUA implementam políticas voltadas a conter e suprimir a modernização da China.
Na segunda-feira, reforçando tal percepção, o governo Trump restringiu a venda à China do chip H20 da Nvidia – que já é defasado em relação ao H100, seu chip de ponta na IA, estabelecendo que precisará de licença do governo, caso a caso. A Nvidia anunciou, em consequência disso, US$ 5,5 bilhões de perdas.
CHINA ACUSA EUA DE DEIXAR A AMÉRICA LATINA ‘COM AS VEIAS ABERTAS’
Na véspera, após as escandalosas declarações de autoridades norte-americanas querendo estender ao século 21 a ‘doutrina Monroe’ de submissão da América Latina, o porta-voz Lin Jian afirmou que Washington não tem autoridade para ditar a forma como os países latino-americanos devem interagir com a China.
“A intimidação e a pilhagem de longo prazo dos EUA deixaram a América Latina com as veias abertas. Os Estados Unidos não estão em posição de apontar o dedo para a cooperação entre a China e os países da América Latina e do Caribe”, declarou o porta-voz, numa clara referência ao célebre livro “As veias abertas da América Latina” do escritor uruguaio Eduardo Galeano.
O porta-voz ressaltou que as relações de Pequim com as nações da região são “baseadas no respeito mútuo, igualdade e benefícios recíprocos”, e destacou que essa colaboração tem impulsionado significativamente o desenvolvimento socioeconômico dos países latinos, que a receberam positivamente.