“Estamos falando de subavaliações que superam facilmente a casa das várias dezenas de bilhões de reais. Estamos falando de obscuridades no impacto tarifário para o consumidor de energia elétrica, ou seja, a quase totalidade da população brasileira”, disse o ministro Vital do Rêgo em voto contrário à entrega da estatal
O Tribunal de Contas da União (TCU), por 6 votos a favor e 1 contrário, deu aval para que o governo Bolsonaro siga adiante com o processo de privatização da Eletrobrás. Durante a sessão, o ministro Vital do Rêgo apresentou um relatório ao tribunal onde revelou uma fraude bilionária no processo de privatização da Eletrobrás. Pelos cálculos apresentados pelo ministro, o patrimônio da estatal, avaliado pelo governo em R$ 67 bilhões, vale, na verdade, pelo menos R$ 130,4 bilhões.
“Estamos falando de subavaliações que superam facilmente a casa das várias dezenas de bilhões de reais. Estamos falando de obscuridades no impacto tarifário para o consumidor de energia elétrica, ou seja, a quase totalidade da população brasileira”, disse Vital do Rêgo, ao apresentar o voto revisor. E destacou que “nenhum país cuja matriz elétrica possua hidroeletricidade como parte significativa [caso do Brasil] privatizou seu setor elétrico. Estados Unidos, China, Canadá, Suécia, Noruega, Índia, Rússia. Nenhum deles”.
Com o voto contrário do ministro Vital do Rêgo, a privatização da Eletrobrás foi aprovada pelos ministros Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler, Raimundo Carreiro, Augusto Nardes e Jorge Oliveira que acompanharam o voto do relator do processo, ministro Aroldo Cedraz.
No relatório, o ministro Vital do Rêgo destacou que as 22 hidroelétricas da Eletrobrás, que detêm 50% dos reservatórios do Brasil, já estão “completamente amortizadas e depreciadas”. “Em tese, a partir de então, toda a população passaria a usufruir de todo esse investimento já feito e liquidado”, segue ele. “Mantidas as outras variáveis constantes, isso poderia significar contas de energia mais baratas na casa do consumidor. Contudo, com a desestatização em curso, o aproveitamento desses investimentos já amortizados será transferido à iniciativa privada, sem qualquer garantia de modicidade tarifária”, enfatiza.
“Em outras palavras, a sociedade arcou com os custos de construção e instalação dessas UHEs, mas, depois de prontas e pagas, não poderá delas usufruir de forma direta. Além disso, poderá ter uma conta para pagar de R$ 100 bilhões, nos próximos 30 anos”, segue Vital do Rêgo em seu voto.
O ministro faz uma “singela analogia”: “é como se uma pessoa passasse anos a fio pagando as prestações de sua casa, e ao final, depois de inteiramente quitada, tivesse de abrir mão de sua propriedade e não mais dela pudesse usufruir. Terá essa pessoa que pagar por sua casa novamente?”
Dos R$ 67 bilhões que o governo pretende arrecadar na operação de venda da Eletrobrás, R$ 25,3 bilhões serão pagos pela Eletrobrás ao Tesouro Nacional pelas outorgas das usinas hidrelétricas.
Segundo Vital do Rêgo, os valores estão subestimados porque o governo não considerou a potência total das hidrelétricas – isto é, todo o potencial futuro de geração de energia das usinas, entre outros aspectos. O montante atualizado considera um valor de R$ 246,79 MW/h para a energia que será gerada pelas usinas hidrelétricas da estatal ao longo dos próximos anos. Na modelagem apresentada ao TCU, o governo considerou a geração média das usinas, e não a sua potência, e propôs o preço médio de energia a R$ 65,76 o MW/h.
“Ao fim, senhores ministros, pergunto se nós vamos permitir que o processo seja sequenciado com um valor de outorga de R$ 25 bilhões destinados ao Tesouro e R$ 32 bilhões para modicidade tarifária (aquela que vai direto para o bolso do consumidor), quando o valor devido é de R$ 57 bilhões para o Tesouro e R$ 63 bilhões para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). A conta é fácil de entender”, argumentou.
“Destaco que a subavaliação passaria dos R$ 63 bilhões se comparado ao valor publicado. Repito: estamos falando de uma possível subavaliação de nada mais nada menos do que R$ 63 bilhões”, disse o ministro, que votou para que o processo fosse paralisado e devolvido ao Ministério de Minas e Energia (MME), para ser recalculado o valor a ser pago pela Eletrobras à União e à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Viltal do Rêgo também denunciou que na proposta apresentada pelo governo não há “qualquer garantia de modicidade tarifária”, o que pode levar a sociedade brasileira a “ter uma conta para pagar de R$ 100 bilhões, nos próximos 30 anos”. “Isto corresponde ao aumento tarifário entre 4,3% e 6,5% ao ano”, ressaltou o ministro citando dados da Fiesp.