Gabinete de ministro Vital do Rêgo revelou subavaliação “gigantesca” no valor da outorga
A revelação de uma fraude bilionária no processo de privatização da Eletrobrás pelo Tribunal de Contas da União (TCU), através do gabinete do ministro Vital do Rêgo, colocou em xeque, mais uma vez, a tentativa do governo Bolsonaro de entregar a preço de banana a maior companhia de energia elétrica da América Latina.
Técnicos do gabinete do ministro Vital do Rêgo identificaram uma “falha metodológica” relacionada à potência das usinas hidrelétricas da Eletrobrás, o que revelou subavaliação “expressiva” de bilhões de reais a ser pago pelos novos controladores, segundo reportagem do Valor.
O valor exato da outorga deve vir a público quando o ministro Vital do Rêgo devolver o processo ao plenário do TCU, o que deve ocorrer entre o fim deste mês e o começo de março. O ministro havia pedido vista do caso na última sessão do ano passado, quando o relator, ministro Aroldo Cedraz, apresentou seu voto com uma série de ressalvas, entre as quais o próprio valor da outorga, definido em R$ 23,2 bilhões.
Na época, o ministro Walton Alencar, considerado um aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), demonstrou desconforto com o pedido de vista e argumentou que o TCU estava dando ao mercado a impressão de que a Eletrobrás “não seria privatizada”. Vital do Rêgo rebateu afirmando que o exame do caso em questão não se tratava da modelagem da desestatização, mas apenas do valor da outorga, que vai interferir no preço da conta de luz.
“Vai ser cobrado a mim e ao mais pobre dos brasileiros, pois tem impacto diretamente sobre a questão tarifária”, argumentou o ministro.
O relator Cedraz já havia manifestado sua preocupação com alguns valores trazidos na proposta do governo. Por exemplo, o ministro viu indícios de inconstitucionalidade no desconto de R$ 6,5 bilhões concedido aos futuros donos da Eletrobrás, que assumiriam o compromisso de arcar com as despesas referentes a programas de revitalização de bacias hidrográficas e ao desenvolvimento de projetos na Amazônia Legal.
De acordo com a proposta aprovada no Congresso, esses desembolsos seriam feitos ao longo de uma década, com parcelas anuais de R$ 350 milhões para os rios São Francisco e Parnaíba e R$ 295 milhões para os rios Madeira e Tocantins, além de R$ 230 milhões para as bacias da usina de Furnas. Outros R$ 510 milhões seriam ofertados em eletricidade para o Programa de Integração do São Francisco.
“Na prática, pelo modelo proposto, o governo desistiria de receber esses valores [sob a forma de bônus de outorga] e, em contrapartida, a nova Eletrobrás assumiria o compromisso de arcar com as despesas”, segundo o relator.
Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, como o modelo de desestatização prevê que os empreendimentos deixarão de ter uma receita reduzida ao passar a vender a energia no chamado mercado livre, um ponto a ser observado na discussão é a dificuldade de se fazer uma projeção para os 30 anos de preço da energia dos novos contratos.
“O Brasil é o país que tem maior variação entre preço baixo e preço alto. No Nord Pool, mercado entre Suécia, Dinamarca, Finlândia e Noruega, a maior variação, desde 1990, é por volta de 500%, cerca de cinco vezes. Aqui, no Brasil, já subiu em 7.000%”, disse Roberto D’Araújo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina).
“Se pegar as dez maiores empresas de energia elétrica do mundo, a décima colocada é a inglesa National Grid, que não tem usina, só linha de transmissão, que vale mais de US$ 40 bilhões. A rigor, é difícil fazer essa conta que coloca a Eletrobras a um valor muito menor do que as empresas semelhantes a ela”, afirmou D’Araújo.
O processo de privatização da Eletrobrás é alvo de ações de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF).
Uma das ações, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), pede ao STF a suspensão da lei que desestatiza a empresa. A peça, assinada pelos escritórios do advogado Marcus Neves e do ex-ministro do STF, Ayres Britto, afirma que a “redação da lei é incompatível com a legalidade e à boa técnica legislativa, violando, pois, (…) a Constituição”.
Outra ação parte do Podemos. Segundo o líder do partido, o senador Álvaro Dias, a Medida Provisória (MP) que foi aprovada pelo Congresso Nacional é contrária à Constituição ao incluir no texto artigos que destoam do objetivo principal, os chamados “jabutis”. Além disso, o senador aponta que a medida prejudica o consumidor e não promove o desenvolvimento do setor elétrico.
Os partidos Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido dos Trabalhadores (PT), Socialismo e Liberdade (PSOL) e Rede Sustentabilidade contestam a lei de privatização da Eletrobrás.
Segundo Roberto D’Araújo, “nenhum país onde a geração hidroelétrica assume proporções significativas, ou que exercem outras atividades além da puramente energética, privatizou majoritariamente todo seu parque de usinas hídricas”. Ele cita como exemplos China, Canadá, Rússia, Noruega, Suécia, Índia, Estados Unidos, “que têm as grandes usinas sob controle do estado e, contabilizadas por potência, são públicas”.