Na contramão do mundo, governo decide entregar estratégica e lucrativa estatal para o capital estrangeiro
Apesar de graves denúncias de irregularidades, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou por 7 votos a favor e 1 contra, nesta quarta-feira (18), a continuidade do processo de privatização da Eletrobrás.
O julgamento de hoje foi a última etapa de análise no TCU. O ministro Vital do Rêgo denunciou uma grave subavaliação da empresa e foi contrário e a presidente Ana Arraes só votaria em caso de empate. Os ministros Augusto Nardes, Bruno Dantas, Jorge Oliveira, Benjamin Zymler, Walton Alencar Rodrigues e Antônio Anastasia acompanharam o relator Aroldo Cedraz pela aprovação.
O ministro Vital do Rêgo abriu a sessão denunciando novas irregularidades no processo de privatização, e pediu a suspensão da avaliação do processo pelo pleno do TCU.
No seu pronunciamento, Rêgo declarou que, se os ministros do TCU aprovassem a privatização da Eletrobrás de acordo com o modelo proposto pelo governo, “seremos coautores desse processo”. “Estamos diante do desfazimento de um patrimônio público por valor muito menor do que ele representa. Identificamos dezenas de ilegalidades. São afrontas diretas a lei, sem falar das inobservâncias à normativos infralegais e à própria Constituição Federal. Além do descumprimento de acórdão e jurisprudência do próprio tribunal”, advertiu.
MAIORIA DOS BRASILEIROS É CONTRA A PRIVATIZAÇÃO
Ao concluir o seu pronunciamento, Vital do Rêgo enfatizou que, “na primeira prestação desse processo deixei acento no meu entendimento, de que no âmbito dessa Corte de Contas, não se cabe questionar a opção pela privatização. Não cabe questionar. Não obstante a isto, por vezes questionei sobre o que os brasileiros pensam nesse momento acerca da privatização da Eletrobrás. Apenas a título de informação, identifiquei uma pesquisa recente do PoderData, que mostra que 56% dos brasileiros são contrários à venda da Eletrobrás. E é que eles não conhecem o que nós estamos descobrindo, ações dolorosas cometidas contra a empresa, gravames que foram provados aqui por mim, de atentatórios à Constituição Federal e aos normativos desse país. Mesmo assim 56% dos brasileiros são contrários a privatização da Eletrobrás”.
NA CONTRAMÃO DO MUNDO
“Volto a repetir o que disse na primeira oportunidade, nenhum país cuja matriz energética possua hidroeletricidade como parte significativa privatizou o seu setor elétrico. EUA, China, Canadá, Suécia, Noruega, Índia”, afirmou o ministro.
“Eu falo de democratas, eu falo de não democratas, eu falo de conservadores, e eu falo dessa ‘players’ de países de primeiro mundo, como EUA, China, Canadá, Suécia, Noruega, Índia, nunca abriram a sua matriz elétrica que tem dependência a hidroeletricidade. Muitas dúvidas e desinformações pairam sobre a Eletrobrás. Desde as impropriedades e dos descontos. E agora com essas irregularidades, eu falei de 6, e que podem se tornar 18, porque cada uma delas assim se subdividiam em mais três. É muita desinformação. É muita dúvida. É preciso que os senhores avaliem com cuidado. Nós seremos coautores desse processo. A partir de hoje, nós seremos coautores desse processo”, advertiu.
“O primeiro ponto falacioso é que a Eletrobrás gera prejuízo. É mentira. A Eletrobrás registrou um lucro líquido de R$ 37 bilhões nos últimos quatro anos. Dos quais: R$ 6,4 bilhões em 2020 e R$ 5,7 bilhões em 2021. Foi a sexta empresa mais lucrativa do país em 2020, mesmo no ano de pandemia”, lembrou o ministro.
APAGÃO
“A segunda desconstrução que se faz necessária, é que a privatização da Eletrobrás implicará necessariamente em melhores serviços à sociedade. Mentira. Recente exemplo nos fez refletir sobre isto. Em novembro de 2020, um apagão lá no Amapá, devido ao incêndio em uma subestação de energia, deixou sem energia 14 dos 16 municípios do Estado por mais de 20 dias. A estatal Eletrobrás foi chamada para resolver o problema, por meio da Eletronorte, uma vez que a empresa estrangeira concessionária não resolveu. Quem é do Amapá sabe que é falácia dizer, que [com a privatização] vai se prestar melhores serviços”.
CONTA DE LUZ VAI AUMENTAR
“O terceiro ponto que destaco, é que não existe comprovação de que o mercado é capaz de gerar energia a preços mais competitivos para os movimentos do país. O cenário atual mostra o contrário, enquanto as hidrelétricas de propriedade privada, empresas transnacionais, cobram em média R$ 250 por kilowatts hora. As usinas da Eletrobrás praticam R$ 65 por kilowatts hora. Outra mentira. Os preços não serão competitivos, a conta vai aumentar em muito. Uma das explicações para isso, é que a iniciativa privada vai adquirir usinas já amortizadas por nós que pagamos a CDE. Já amortizada por nós. Cujos investimentos já foram recuperados a partir das contas de energia elétrica paga por nós brasileiros. No entanto, eles passaram a referenciar a tarifa não no preço do custo de energia, mas nos preços de mercado – sujeito a especulação”, frisou Rêgo.
“Por fim, o quarto ponto que resgato na apreciação da presente etapa desse processo, diz respeito a ausência de um estudo tarifário de longo prazo correspondente ao período de 30 anos, que demonstra o impacto da privatização na conta de energia. Situação essa que não mudou nestes últimos meses. Estudo da FIESP, em junho de 2021, apontou para um custo adicional para o consumidor em 30 anos, entre R$ 54,4 e R$ 104,2 bilhões, decorrente das imposições que a lei exige. Isso corresponde a um aumento tarifário de 4,6% ao ano. Sem falar dessa loucura que é a vontade do Brasil de ser contra… imaginar que o Brasil agora está recorrendo a gasoduto para transportar gás para termelétrica num momento que o mundo está acabando com as térmicas – porque são as mais poluidoras, as mais caras; e nós estamos colocando lá R$ 100 bilhões, cheio de suspensões, cujo gasoduto já tem até nome”.
“No interior do país, lá na minha Paraíba, é muito conhecida a expressão ‘compra uma égua prenha é um bom’. É um negócio de sorte! O sujeito compra um animal e depois na verdade está levando dois pelo preço de um. É o que vimos aqui. Os homens do mercado estão em festa hoje. Estão comprando uma égua premiadíssima. Tem tantos filhotes que nem se imagina. Mas essa égua prenha carrega vícios, carrega dúvidas senhores… Já que conforme eu demostrei, exaustivamente, permanecem várias ilegalidades no processo que atentam contra a segurança jurídica. Na presente oportunidade vimos que há diversos prêmios ocultos para o comprador da Eletrobrás. Repito, prêmios ocultos. Estamos diante do desfazimento de um patrimônio público por valor muito menor do que ele representa. Identificamos dezenas de ilegalidades. São afrontas diretas à lei, sem falar das inobservâncias a normativos infralegais e a própria Constituição Federal. Além do descumprimento de acórdão e jurisprudência do próprio tribunal.
“Não menos importante aqui traga a luz a questão da energia nuclear. Os acidentes de Chernobyl e Fukushima, em 86 e 2011, foram acontecimentos históricos que deixaram marcas e consequências até hoje. A regulação sobre política nuclear é fortíssima no mundo todo. Até mesmo em países cuja interferência do Estado é mínima, como nos Estados Unidos. De acordo com o estudo da FGV sobre energia nuclear, os EUA são o país do mundo com maior participação privada no setor nuclear, mas o governo é fortemente envolvido. Países como Japão, França e Alemanha, entre outros, também apresentam rigorosos órgãos responsáveis por políticas de regulação nuclear. Enquanto isso, é escândalo que no Brasil nenhum dos órgãos responsáveis por política nuclear, em especial, a recém-criada Autoridade Nacional de Segurança Nuclear, não foi consultado sobre a reestruturação acionária, e ainda terá uma composição da Eletrobrás privatizada. Essa é mais uma questão crítica que precisa ser bem compreendida pela sociedade”, declarou o ministro em seu voto.
Na sessão de hoje foram seis ilegalidades citadas pelo ministro a corte do TCU:
1. Dividendos devidos pela Eletronuclear à Eletrobras que, enquanto não forem pagos, não permitirão que a ENBPar assuma o controle da Eletronuclear. A ENBPar é a estatal criada para gerir a Eletronuclear e a Itaipu Binacional, que não serão privatizadas junto com a Eletrobrás. Além disso, segundo Rêgo, parte desses dividendos será pago a acionistas privados após a perda do controle da Eletrobrás, com prejuízo de R$ 743 milhões à União.
2. Subavaliação da Itaipu Binacional, com impacto direto no preço mínimo por ação da Eletrobrás a ser ofertada ao mercado.
3. legalidades nos serviços de avaliação independentes contratados, com erros na estimativa de preço de venda de longo prazo de energia elétrica, o que afeta o preço da Eletrobrás.
4. Percentual de cláusula de “poison pill” conflitante com a participação acionária igual ou inferior a 45% que a União terá ao final do processo de capitalização da Eletrobras. O mecanismo de “poison pill” visa desencorajar ou até mesmo impedir aquisições hostis de companhias listadas em bolsa de valores. A Eletrobrás terá, após a privatização, seu capital pulverizado, sem um acionista controlador.
5. Ausência de consulta aos órgãos responsáveis pela Política Nacional Nuclear, em especial a recém-criada Autoridade Nacional de Segurança Nacional.
6- Diferença de R$ 30,64 bilhões no cálculo do endividamento líquido da Eletrobrás.