Plataforma desperta enorme preocupação porque não tem escritório no Brasil, não modera conteúdo, nem adota medidas para evitar viralização de desinformação
No “modo silencioso” faz tempo, em relação à campanha contra a disseminação às chamadas fake news, a plataforma digital Telegram irritou os ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e procuradores federais que fecham o cerco contra o aplicativo suspeito de disseminação de notícias falsas e burla à lei eleitoral.
Ofício encaminhado pelo ministro Luís Roberto Barroso, então presidente do TSE, foi devolvido após quatro tentativas de entrega à sede da empresa, em Dubai.
Barroso se dirigiu diretamente ao CEO e fundador do Telegram, o russo Pavel Durov, e solicitou reunião para discutir possíveis formas de cooperação sobre o combate à desinformação.
Procuradores do MPF (Ministério Público Federal) de São Paulo, que já abriram inquérito para apurar fake news em redes sociais e aplicativos, estão a um clique do bloqueio temporário do Telegram.
‘ELEIÇÕES LIVRES, LIMPAS E SEGURAS’
O TSE informa que Barroso vai discutir internamente com os ministros as providências possíveis e que ele e os sucessores dele — Edson Fachin e Alexandre de Moraes —, estão empenhados em promover “eleições livres, limpas e seguras”.
Na semana passada, várias plataformas digitais selaram acordo com TSE ainda sob a presidência de Barroso, para combater as ‘notícias falsas’ nas redes. O representante do Telegram no Brasil não compareceu.
REPRESENTANTES LEGAIS
Apesar de ignorar diversos pedidos das autoridades judiciárias brasileiras por conta da disseminação de notícias falsas na plataforma, o Telegram conta com representantes legais no Brasil há 7 anos.
Segundo informações da Folha de S.Paulo, a representação legal do aplicativo é de responsabilidade de escritório de advocacia sediado no Rio de Janeiro.
Os advogados foram nomeados por Durov, como representantes legais do Telegram “perante as autoridades administrativas ou judiciais do Brasil”, inclusive para “receber citações judiciais”.
Vale ressaltar que a empresa vem tentando driblar pedidos realizados pelo TSE e até do STF. Ambas as cortes buscam respostas sobre conteúdos compartilhados na plataforma.
A falta de controle na disseminação de fake news no Telegram, o que pode impactar nas eleições deste ano, já virou discussão no Congresso e no TSE, incluindo até restrições para o funcionamento do aplicativo no Brasil caso a falta de resposta persista.
CANAL DE DISSEMINAÇÃO DE DECLARAÇÕES FALSAS
Atualmente, a ferramenta conta com grupos de até 200 mil integrantes. Por isso, as autoridades temem que o aplicativo sirva como canal de disseminação de declarações falsas nas eleições.
Preocupação que aumenta pelo aparente desinteresse do Telegram em resolver o problema. O ofício enviado por Barroso também tinha como objetivo formalizar cooperação para o combate a fake news no mensageiro.
COMBATE ÀS MENTIRAS NAS REDES
Trata-se do ‘Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação’, entre o TSE e as plataformas de redes digitais, que já firmou acordos com Twitter, TikTok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai.
Em comunicado, o tribunal informou que todas as plataformas se comprometeram a priorizar informações oficiais para reduzir o impacto da desinformação nas eleições.
TELEGRAM ADOTOU MESMA POSTURA NA ALEMANHA
Na Alemanha, onde possui cerca de 8 milhões de usuários, o Telegram vinha seguindo com o mesmo comportamento de ignorar as autoridades do país, que enfrentam o uso da plataforma por grupos extremistas.
O cenário mudou recentemente, após a possibilidade de medidas mais drásticas, como o bloqueio do funcionamento do aplicativo. Desde então, o Telegram já baniu mais de 60 canais usados por extremistas de direita.
BOLSONARISMO É MAJORITÁRIO NA PLATAFORMA
Especialistas alertam que o Telegram deve ser um dos principais veículos de desinformação na eleição de 2022. Grupos e canais políticos no aplicativo têm crescimento explosivo no Brasil desde 2020.
Estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) mapeou os principais grupos e canais de discussão política no aplicativo.
Segundo o levantamento, 92,5% dos usuários que seguem temas políticos estão em grupos e canais bolsonaristas (com total de 1,443 milhão de membros), 1% em grupos e canais de esquerda (principalmente de apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao presidenciável Ciro Gomes (PDT), com 15.956 membros) e 6,5% em grupos e canais indefinidos (100.199).
O volume mensal de mensagens nos grupos monitorados saiu de 21.805 em janeiro de 2020 para picos de 98.526 em maio de 2020 e 145.340 em janeiro de 2021 — aumento de 566% no período de 1 ano.
ENORME PREOCUPAÇÃO
Embora o WhatsApp continue sendo o serviço de mensagens criptografadas mais usado no País, o Telegram desperta enorme preocupação porque não modera conteúdo, nem adota medidas para evitar a viralização de desinformação.
O aplicativo é baseado em Dubai, nos Emirados Árabes, e tem representação legal no Reino Unido.
Além disso, o Telegram é a única das principais plataformas que não coopera com o TSE para combater campanhas de notícias falsas.
Enquanto os grupos do WhatsApp têm, no máximo, 256 membros, os do Telegram têm até 200 mil — e os canais, que funcionam como listas de transmissão, não têm limite de integrantes.
O canal verificado do presidente Jair Bolsonaro (PL) tinha 145 mil membros em janeiro de 2021, em junho do mesmo ano, chegou a 705 mil. O bolsonarismo vai apostar nesta plataforma para disseminar mentiras.
M. V.