Repúdio popular inviabilizou Reforma da Previdência
Jucá detonou o faz de conta ao se considerar lesado na divisão do bolo
Ameaças da Bolsa, dos especuladores financeiros, dos doleiros institucionalizados, das agências “de rating” – se a Câmara não aprovar a emenda do Além-túmulo, o corte das aposentadorias, o assalto ao dinheiro da Previdência – não são para serem levadas a sério, exceto como caso de polícia.
Não é apenas porque um país de respeito não admite essa chantagem, sobretudo quando ela parte de bandidos que se enchem de dinheiro – recursos, sangue, trabalho – do país, através de juros e outros expedientes.
Nem apenas – o que é a mesma questão – porque, se o setor financeiro manda no Congresso e no governo, o povo não manda no país, o que quer dizer que a democracia foi substituída por uma ditadura. Portanto, seria necessário derrubar essa ditadura – e não se submeter a ela.
Mas é, também, porque subidas ou descidas da Bolsa, do dólar, da papelada do “mercado futuro”, ou até dos fugazes “bitcoins”, são, em geral, manipulações, oscilações forjadas para enganar incautos – ou para dar um pretexto à malta submissa, que constitui o governo de certos países, de ser mais submissa.
É interessante que ninguém se apavorou com o que aconteceu nesses antros de jogatina após a entrevista do líder do governo no Senado, Romero Jucá, declarando que a votação do ataque à Previdência será adiada para o próximo ano. O escândalo feito por certa mídia foi perfeitamente ridículo.
Nem Meirelles conseguiu fazer uma cena sobre as supostas consequências para o “mercado”.
Até porque, há dias, os boletins financeiros (p. ex., os do Credit Suisse, do Deutsche Bank e do Eurasia Group) previam que a votação teria que ficar para… 2019.
Daí, a declaração de Meirelles, depois de negar a suspensão da tentativa de votar este ano, de que “se não existir os números suficientes de votos, vamos tentar no ano que vem, sem grande problema. Em nenhum momento foi afirmado que será votado em tal data”.
Até onde sabemos – pois nada podemos dizer sobre o que não sabemos – o sujeito mais irritado com as declarações de Romero Jucá, senador e presidente do PMDB, foi o notório Eliseu Padilha – ministro da Casa Civil de Temer e 1º vice-presidente do PMDB.
O segundo, depois de Padilha, foi Temer, submetendo-se a uma intervenção na uretra a 1.000 km de Brasília, isto é, em São Paulo. Porém, depois que apareceu uma nota da Presidência negando a suspensão da votação, Jucá reiterou as suas declarações.
Mas o que disse Jucá?
“Por uma combinação entre o presidente Eunício e o presidente Rodrigo Maia, hoje será votado o orçamento federal. Na próxima semana, não haverá quórum para votar a reforma da Previdência. Há acordo entre os presidentes das duas Casas para a votação da reforma só em fevereiro. Está conversado entre o Rodrigo e o Eunício. O acordo foi feito em conjunto com o governo. O governo tentou fazer um esforço, cresceu o número de votos, não tem ainda os 308 votos. Se não tem, o governo tem que dizer que não tem. O governo tem que falar a verdade, não adianta mistificar. Não tem os 308 votos”.
Um sujeito como Jucá – com oito processos nas costas, entre a Lava Jato e a Zelotes – falando em nome da verdade, é coisa para desconfiar. Mas, no caso, ele realmente falou algo verdadeiro. O problema, então, são as motivações de um escroque para falar a verdade.
E também as motivações para outros escroques mentirem. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), homem de reconhecida cultura, havia dito, na terça-feira: “Não convoco mais sessão do Congresso. Também não vota mais Previdência porra nenhuma”. Esse é o mesmo Eunício que, horas depois da declaração de Jucá, negou que existisse qualquer acordo para adiar a votação.
Quanto ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (Jucá, que é senador, estava falando de uma votação na Câmara), reclamou que foi atropelado e, homem articulado, esclareceu: “O que eu conversei com Eunício, que ia terminar o orçamento hoje, eu disse que a Câmara vai continuar trabalhando na próxima semana, que nós podíamos sentar amanhã cedo para conversar com Michel para discutir um pouco como foi o ano, o próximo ano, e exatamente a questão da Previdência, que é muito importante”.
Por pouco não disse que sua conversa com Oliveira foi sobre o jogo do Flamengo com o Independiente – que, aliás, ainda não tinha se realizado.
Até agora, leitor, este artigo parece uma coleção de anedotas políticas de segunda (com boa vontade) categoria. Mas é apenas para ressaltar o motivo desse furdunço: a questão que realmente importa, e que esse bate-cabeça governista revela, é que o governo não conseguiu votos na Câmara para aprovar a emenda contra as aposentadorias. O repúdio do povo – isto é, do eleitorado – é tão grande e profundo que, nessa questão, há poucos que querem colocar o pescoço – quer dizer, o mandato – no cepo.
Na quarta-feira à noite, para derrubar a alteração que o Senado fez na Medida Provisória que concede isenções fiscais às petroleiras multinacionais (v. matéria na página 2), o governo conseguiu reunir 206 votos. Portanto, 102 votos a menos que o necessário para aprovar o assalto à Previdência.
O que também ficou claro no suposto “fechamento de questão” do PSDB – acompanhado pelo aviso de que ninguém será punido se não seguir o “fechamento”. Quem explicou esse fechamento que não fecha nada foi o próprio Fernando Henrique Cardoso: “Se punir, o sujeito vai à Justiça e ganha”. O líder do PSDB na Câmara, Ricardo Trípoli, foi mais claro: metade ou mais da bancada estão contra a PEC do Além-túmulo. Sendo assim, o “fechamento de questão” só pode ser um faz-de-conta.
Porém, se Jucá falou apenas o óbvio – que o governo não tem votos para aprovar o ataque às aposentadorias – porque o ar de fim de feira de Padilha? E por que Jucá acabou com a palhaçada?
Pois esses elementos estavam, todos, tentando tapear o “mercado” – ou seja o esquema financeiro que manda neles. Serviçais que tentam passar a perna nos patrões, não são raros. Ser vigarista é um modo de ser – e eles não têm outro.
Por isso, tanto Maia quanto outros, falaram tanto em “sinalização ao mercado”. Ou seja, garantindo que votariam a emenda ainda este ano.
Nem precisamos dizer por que eles estavam fazendo isso. Alguém já viu um deles fazer alguma coisa desinteressada, que fosse pelos interesses coletivos, sociais – em suma, pelos interesses do país?
O cômico é que, a julgar pelos boletins financeiros, o “mercado” já chegara à conclusão de que não havia como aprovar agora essa castração de direitos.
Porém, inteligência, ou conhecimento do esquema financeiro, não é especialidade deles. Eles são lacaios, capachos, não peritos na política do setor financeiro ou em suas contradições.
Com os “estímulos” de convencimento a parlamentares centrados na Câmara, Jucá estava algo marginalizado da mala… quer dizer, dos ricos e profundos argumentos usados pelo setor financeiro para o estabelecimento do consenso.
Jucá não aguenta uma situação dessas. Outros se dando bem, e ele de fora, ou quase isso. Como já disse uma vez esse sábio, “suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada”.
“Suruba selecionada” o Jucá não admite – quando é ele que fica de fora.
CARLOS LOPES