Réus da Lava Jato temem o efeito dominó
Nada mais igual a bandido do PSDB do que bandido do PMDB e do PT
Dizia o samba – e também a revista “Seleções”, quando alguém ainda lia “Seleções” – que recordar é viver. Sendo assim, recordemos algo acontecido no último dia 24 de março, no Hotel Unique, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo.
Ao acertar com Joesley Batista, da JBS, uma propina de R$ 2 milhões, disse Aécio Neves sobre o emissário que mandaria para pegar o dinheiro: “Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação. Vai ser o Fred com um cara seu. Vamos combinar o Fred com um cara seu”.
Fred é Frederico Pacheco de Medeiros, primo de Aécio.
O diálogo entre Aécio e Joesley foi gravado, e a entrega do dinheiro ao malfadado Fred foi filmada pela Polícia Federal (PF).
Disse Aécio Neves que o dinheiro era um empréstimo para pagar ao seu advogado, Alberto Toron. No entanto, o dinheiro foi desembocar na conta da Tapera Participações Empreendimentos Agropecuários, empresa do filho do senador Zezé Perrella, Gustavo Perrella – o mesmo que era (ou ainda é) proprietário de um helicóptero, apreendido pela PF com 445 quilos de cocaína.
Somente no caso das propinas da Odebrecht, Aécio Neves é investigado em cinco inquéritos – por corrupção passiva, lavagem e fraude em licitações.
CONFRARIA
Esse é o elemento que motivou a urgente aliança de Temer e o PMDB, Lula e o PT, além do PSDB – partido do qual Aécio ainda é presidente nacional, embora licenciado – que querem proteger esse desclassificado, desrespeitando o Supremo Tribunal Federal (STF).
Essa aliança é uma confraria de ladrões do dinheiro público. Essa é a sua identidade e ponto de coesão.
Esse é o sentido do charivari aprontado no Senado. Como sempre, tudo é desonesto, como apontou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP): “Está ocorrendo aí uma malandragem jurídica. Estão confundindo medida cautelar diversa à prisão, que está prevista no Código de Processo Penal, diferente da prisão, que está prevista na Constituição Federal. É uma malandragem jurídica para tentar subverter o ordenamento jurídico por parte do Senado Federal, de alguns senadores”.
A Constituição determina que senadores e deputados só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável (artigo 53). A malandragem está em considerar que o recolhimento noturno de Aécio, decidido pelo STF, é a mesma coisa que uma prisão domiciliar.
Não é verdade. O Código de Processo Penal é claro: “Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (…) V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga” (grifo nosso).
O STF decidiu duas medidas cautelares. Primeira, afastou Aécio do Senado, já que é um descalabro que, com a montanha de provas contra ele, circule descaradamente nos meios políticos, como se fosse um pai da pátria, abusando do poder para destruir provas e intimidar testemunhas, corrompendo e sendo corrompido.
Segunda, o STF decidiu que é aplicável a ele uma restrição – o recolhimento noturno – já que aos demais réus, inclusive à sua irmã e ao seu primo, foi aplicada uma restrição ainda maior. Nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso: “… considero uma incongruência, uma incompatibilidade, em a turma aplicar prisão domiciliar a co-autores, sem aplicação de nenhum tipo de restrição à liberdade de ir e vir de quem supostamente havia sido o mandante. Há indícios, bastante suficientes a meu ver, de autoria e materialidade” (grifo nosso).
Em seguida, o ministro elencou esses “indícios”:
“Houve inequivocamente e documentadamente a solicitação de 2 milhões de reais. Houve, está documentado, conversa com Andrea Neves, a propósito deste dinheiro, em que se falava que em relação a ele se procederia da mesma forma como se procedera na campanha em 2014 para mascarar o recebimento de dinheiro. Houve o depósito de dinheiro e a tentativa de ocultação de sua origem. Houve igualmente documentado a conversa com Joesley Batista, o agradecimento e a oferta de uma diretoria da companhia Vale do Rio Doce. E houve menção a providências para embaraçar o curso da Lava Jato: providências para conseguir a indicação de um delegado de confiança de cada investigado para tocar a investigação.
“Todos esses fatos se passaram três anos após a Lava Jato em curso, a demonstrar infelizmente as práticas continuaram rigorosamente as mesmas quando tudo começou. Se é para mudar essas práticas, não é possível ser condescendentes com elas”.
Diante de algo tão lógico, por que o PT, horas depois, em nota de sua Executiva, depois de consultar e receber o aval de Lula, saiu gritando que a decisão do STF sobre Aécio “foi uma condenação esdrúxula, que não pode ser aceita por um poder soberano como é o Senado Federal”, que “a decisão é mais um sintoma da hipertrofia do Judiciário” e que “o Senado Federal precisa repelir essa violação de sua autonomia”?
Por que Temer, ao mesmo tempo, chamou o líder do governo, Romero Jucá, os senadores João Alberto (PMDB-MA) e Elmano Ferrer (PMDB-PI), e até o deputado Maluf (PP-SP), para articular o “salvamento de Aécio”, algo que um articulista chamou, justamente, “operação uma mão suja a outra”?
Por que, tanto o PMDB, quanto o PT, quanto o PSDB, querem que o Senado desobedeça e afronte a Justiça para salvar Aécio?
Não é por causa de Aécio, para o qual, aliás, estão todos se lixando. O que lhes move é o medo de que aconteça com eles a mesma coisa que aconteceu com Aécio, porque, na verdade, todos são culpados de algo semelhante. Se não fossem, não estariam tão assustados. Em suma, o temor dessa malta é que o STF acabe com a impunidade dos detentores de foro privilegiado.
O grau de desespero – ou de histeria – em que esse medo se tornou, é porque toda a sensação de impunidade deles está em que o foro privilegiado lhes garante julgamento pelo STF. Sua crença (com algum fundamento) é que o STF jamais irá julgá-los. Porém, dessa vez, o STF fez alguma coisa diferente.
GESTO
Baseada no princípio enunciado pelo ministro Luís Fux (“Imunidade não é sinônimo de impunidade. Um dos pilares da Constituição é a moralidade no exercício do mandato. Aqui houve desvio da moralidade no exercício do mandato”), a maioria da 1ª turma do STF – ministros Barroso, Fux e Rosa Weber – decidiu que, ainda que a prisão de Aécio seja inconstitucional, isso não significa que detentores de foro privilegiado sejam intocáveis. Que democracia existe quando alguém com mandato é tão intocável quanto um monarca absoluto? Desde quando ter um mandato é ter licença para roubar a coletividade?
Daí, o desespero. Que se deve, também, à sua completa mediocridade, tal como no caso de Aécio. Como disse o ministro Luís Fux:
“Isso tudo se resume num gesto de grandeza que o homem público deveria adotar. Muito o se elogia por ter saído da presidência do partido. Ele seria mais elogiado se tivesse se despedido ali do mandato. Já que ele não teve esse gesto de grandeza, nós vamos auxiliá-lo a pedir uma licença para sair do Senado Federal, para que ele possa comprovar à sociedade a sua ausência de culpa no episódio que marcou de maneira dramática sua carreira política”.
CARLOS LOPES