Na última sexta-feira (6), Michel Temer (PMDB) alterou, via Medida Provisória, as leis que criaram a Agência Nacional de Águas (ANA) e estabeleceram as diretrizes nacionais para o saneamento básico (9.984/00 e 11.445/07). Entidades do setor denunciam que a medida vai desestruturar o saneamento e beneficiar apenas os municípios considerados rentáveis economicamente, enquanto prejudicará os demais.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), entidade que representa 25 empresas estaduais públicas e privadas, Roberto Tavares, reforça que a MP representa o fim do subsídio cruzado, medida que inclui municípios rentáveis e deficitários em um mesmo projeto, equilibrando financeiramente o sistema. Assim, são possíveis investimentos nos municípios mais pobres e a cobrança de uma tarifa única nas cidades do mesmo estado.
Com o fim do subsídio sobrará para os estados apenas os municípios deficitários, podendo haver inclusive um aumento de tarifa nestes municípios.
“A proposta do governo federal não busca o bem comum da nação brasileira, visa apenas abrir mercado para empresas privadas nos municípios rentáveis. Com a assinatura da MP do jeito que está, os estados terão que ficar com os municípios deficitários, os rotulados como ‘osso’, que hoje dependem da política do subsídio cruzado, enquanto os privados ficarão com o ‘filé’, que são os municípios rentáveis”, alertou Roberto Tavares.
O Artigo 10-A da MP de Temer, que altera a Lei nº 11.445/07, passa a obrigar os municípios a consultarem o setor privado antes de prorrogarem seus contratos públicos de concessão dos serviços de saneamento.
A medida “chega ao absurdo de obrigar os municípios a perguntarem previamente ao setor privado se tem interesse na concessão. Se tiver, haverá licitação. Se não tiver, será operada pelos estados”, afirma a Aesbe.
Outra mudança significativa é que a Agência Nacional de Águas (ANA) passará a atuar como reguladora do saneamento nas cidades que desejarem receber serviços ou recursos federais, o que constitucionalmente é uma prerrogativa dos municípios.
Para a Aesbe, “uma decisão dessa dimensão não pode ser tomada ao apagar das luzes do atual governo federal”. Por isso, promete articulação política e jurídica para derrubar a MP.
Em discurso na cerimônia de assinatura da medida provisória, Alexandre Baldy (PP), Ministro das Cidades, disse que o novo marco regulatório dá segurança jurídica para que empresas privadas também invistam no setor. Segundo ele, a ideia é promover a competição entre entes públicos e privados.
INCONSTITUCIONAL
Na próxima quarta-feira (18), associações ligadas ao setor de saneamento, agências reguladoras e entidades de municípios se reunirão para debater o ingresso de uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) conjunta no Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo Fernando Alfredo Rabello Franco, presidente da Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar), um dos pontos da MP que deverão ser questionados é o que transforma a ANA (Agência Nacional de Águas) em uma agência reguladora federal de saneamento. Já que de acordo com a Constituição está é uma responsabilidade dos municípios.
O presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), Roberval Tavares de Souza, acredita que a ADI também cabe no Artigo 10-A. Para ele, “a MP rompe o pacto federativo. A União está obrigando os municípios a fazer a concorrência pública”.
SETOR
Segundo estudo do instituto Trata Brasil, divulgado em abril, apenas 45% de todo o esgoto gerado no país passa por tratamento. Os outros 55%, que correspondem a 5,2 bilhões de metros cúbicos por ano, são despejados diretamente na natureza.
De acordo com os números da pesquisa, o avanço do saneamento no país, nos últimos anos, foi quase inexistente devido à diminuição do investimento público no setor. De 2015 para 2016, os investimentos em água e esgoto no país caíram de R$ 13,26 bilhões para R$ 11,51 bilhões.
De acordo em levantamento de dados do site do Senado, de 2011 a 2015, R$ 8,2 bilhões deixaram de ser aplicados pelo governo federal em saneamento. O valor é a diferença entre o autorizado no Orçamento de cada ano e o que foi efetivamente pago, em números atualizados pela inflação.