Aperta o cerco também a Geddel e Cunha
Ocultou crime e comprou silêncio para proteger a organização criminosa
A situação atual do país é, por várias razões, a pior de sua História.
Mas esse é um lado da questão.
O outro – ou um outro – é o seguinte: jamais houve uma situação em que o presidente da República fosse um foragido da polícia, que usa o Palácio como esconderijo.
Temer é o primeiro a estar nessa situação – e pela simples razão de que é um fora da lei, a quem somente estatutos quase medievais, como o famigerado “foro privilegiado”, e um Congresso de comparsas, permitem continuar no Palácio, à custa de transformá-lo em um covil.
Dirá a leitora, ciosa de seu país e de seu povo: mas não é isso suficientemente ruim? Não é isso muito mau? Por que isso é um jeito diferente de ver as coisas?
Bem, leitora, a novidade não é que Temer seja um ladrão. Isso todo o meio político sabia – inclusive o PT, quando colocou-o, por duas vezes, na vice-presidência, certamente porque se identificou muito com essa figura bizarra.
A novidade, portanto, é que o ladrão, mesmo ocupando a Presidência da República, está cercado pela polícia, pelo Ministério Público, pela Justiça, e, claro, por todas as demais pessoas do povo.
RELATÓRIO
Agora mesmo, na quarta-feira, foi revelado o relatório da “Operação Cui Bono?”, da Polícia Federal, enviado na semana passada à 10ª Vara Criminal Federal em Brasília. Essa operação investigou o esquema de fraudes na Caixa Econômica, na época em que Geddel Vieira Lima foi nomeado por Dilma para uma das vice-presidências da instituição.
Diz o relatório:
“… foram verificados indícios suficientes de materialidade e autoria atribuível a Michel Miguel Elias Temer Lulia, Presidente da República, no delito previsto no Artigo 2.º, parágrafo 1º, da lei 12.850/13, por embaraçar investigação de infração penal praticada por organização criminosa”.
O Artigo 2º, parágrafo 1º, da lei 12.850/13, é o seguinte:
“Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
“Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
“§ 1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.”
Um dos capítulos do relatório – que tem mais de 500 páginas – relata a tentativa de Temer de comprar o silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, em relação aos fatos investigados.
Temer incorreu em crime “na medida em que incentivou a manutenção de pagamentos ilegítimos a Eduardo Cunha, pelo empresário Joesley Batista, ao tempo em que deixou de comunicar autoridades competentes de suposta corrupção de membros da Magistratura Federal e do Ministério Público Federal que lhe fora narrada pelo mesmo empresário”.
Trata-se do encontro de Temer com Joesley Batista – gravado pelo último – no dia 7 de março, no Palácio do Jaburu, em que o sócio da JBS diz que está pagando a Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, para que fiquem calados, e Temer responde: “Tem que manter isso, viu?”.
Posteriormente, Batista, em depoimento, confessou ter pago R$ 5 milhões a Eduardo Cunha, após sua prisão. Quanto a Funaro, disse Joesley Batista que pagava a ele R$ 400 mil por mês.
Temer sabia, tanto de um quanto de outros pagamentos.
A questão é: o que Temer não queria que Eduardo Cunha e Lúcio Funaro falassem?
Com certeza, muita coisa, mas a questão que mais preocupava seu assecla Geddel, era o esquema da Caixa. Era Geddel quem, no bando de Temer, estava pressionando Funaro, operador da cúpula do PMDB, inclusive pressionando insistentemente a mulher de Funaro.
No esquema de propinas na Caixa, descreve o relatório da “Operação Cui Bono?”, a PF conseguiu provar que Cunha recebeu R$ 89 milhões em propinas e Geddel, R$ 16,9 milhões.
A principal origem das propinas foi a JBS (através da J&F Investimentos), além dos grupos Marfrig, Bertin e Constantino (dono da Gol Linhas Aéreas).
Afirma o relatório:
“… Eduardo Cunha se utilizou da sistemática ilícita engendrada por Lucio Funaro visando a ocultação, dissimulação e distribuição de recursos de origem ilícita para recebimento de vantagens indevidas referentes às negociações ilícitas realizadas para influenciar operações de crédito junto à então vice-presidência de Pessoa Jurídica e a de Fundos de Governo e Loterias.”
A vice-presidência de Fundos de Governo e Loterias da Caixa era ocupada, no governo Dilma, por Fábio Cleto, indicado por Eduardo Cunha.
Em seus depoimentos à PF e ao Ministério Público, Fábio Cleto relatou 12 operações de empréstimo com dinheiro do Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS), em que ele, Cunha e Funaro receberam propina.
Foi Cleto que, pela primeira vez, mencionou a conexão, na Caixa, com a JBS – uma das propinas referia-se a um empréstimo de R$ 940 milhões para a Eldorado Brasil, empresa de fabricação de celulose do grupo da JBS.
Quanto à Geddel Vieira Lima, que era vice-presidente de Pessoa Jurídica, a PF confirmou que ele esteve várias vezes no local apontado por Lúcio Funaro, em depoimento, como ponto de entrega das propinas. Era Funaro quem pegava as propinas e depois as entregava.
A PF, em trabalho de rastreamento, identificou que, desse local, conhecido como “bunker do Geddel”, houve várias ligações do celular de Geddel para Eduardo Cunha. As datas – e os horários das ligações – coincidem com os encontros em que Funaro levava a propina.
Temer e Cunha eram os principais membros do grupo – que era (e continua sendo) composto, também, por Moreira Franco, Eliseu Padilha, Rocha Loures e alguns outros.
PROPINA
Lúcio Funaro, em seu depoimento à PF, entregou alguns documentos, mostrando como as propinas da Odebrecht chegavam a Temer.
Além disso, relatou um empréstimo concedido ao grupo Bertin pela Caixa, com dinheiro do FI-FGTS. Disse Funaro:
“O deputado Eduardo Cunha ficou com R$ 1 milhão; R$ 2 milhões, R$ 2 milhões e meio, foram destinados ao presidente Michel Temer; e um valor, acho que R$ 1 milhão também, R$ 1 milhão e meio, foi destinado ao deputado Cândido Vaccarezza [líder do PT]”.
Por isso – embora não apenas por isso – Temer estava tão ansioso para que Cunha e Funaro ficassem calados.
CARLOS LOPES