Ser jogado no fogo não agrada Exército
Mandado de busca coletivo só se for na garagem do Jaburu
Todos os juristas do país – se há exceção, e deve existir, ela é tão insignificante, que passou despercebida – declararam que os mandados “coletivos” de busca e apreensão, pretendidos pelo governo para a intervenção federal no Rio de Janeiro, são ilegais, inconstitucionais e discriminatórios no pior sentido da palavra.
Como aponta o professor, de Direito Penal, João Paulo Martinelli: “O mandado coletivo parte do pressuposto de que as pessoas de determinada área são criminosas e, por isso, o Estado poderia invadir suas residências em busca de armas, drogas e pessoas procuradas”.
Uma jurista, a defensora pública Carolina Haber, vice-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, foi direto ao ponto:
“Nunca haveria um mandado coletivo para que a Polícia Federal entrasse em cada apartamento do Leblon em busca de sonegadores, mesmo que os indícios apontem para a existência de vários naquela região da cidade. A aceitação do mandado coletivo em determinadas regiões equivale à suspensão da Constituição nas áreas mais pobres da cidade. Constituição que não vale para todos não é carta de direitos, é rol de privilégios.”
INOCÊNCIA
Pois não é a existência de criminosos em certos bairros que motiva a pretensão desses mandados “coletivos”. Nos bairros ricos, o que não falta são criminosos – desde os traficantes que abastecem a demanda mais endinheirada por tóxicos até os ladrões, de casaca ou sem casaca, que têm apartamentos na avenida Vieira Souto (o Meirelles tem um apartamento lá) ou nos Jardins, bairro paulistano onde o atual presidiário Antonio Palocci gastou parte do que roubou.
Mas ninguém pretende um mandado “coletivo” para revistar mansões e apartamentos nos Jardins ou na Vieira Souto.
Em suma, trata-se de suspender a presunção de inocência de uma população inteira – de uma rua, de várias ruas, de um bairro popular, de uma favela -, substituindo-a por uma presunção de culpa, inclusive (e, aliás, principalmente) em cima de gente honesta, de trabalhadores, empregados ou desempregados, que cometeram o crime de ser pobres.
Portanto, trata-se de suspender o artigo 5º da Constituição, que garante a presunção de inocência, apesar deste ser uma das “cláusulas pétreas” da Carta de 1988, que não podem ser mudadas nem por emenda constitucional.
O que se está discutindo, portanto, é se a lei – a mesma lei – vale para todos ou se o cidadão que mora em um bairro popular, numa favela, pode ser excluído da lei, somente porque não mora em um bairro rico, ou seja, somente porque não tem dinheiro.
A Drª Carolina Haber se refere ao artigo 5º, inciso XI, da Constituição: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Não é preciso qualquer mandado ou determinação judicial para prender alguém em “flagrante delito”. O traficante que, armado com um fuzil, metralhadora ou alguma outra arma privativa das Forças Armadas, entrar numa casa – mesmo que seja a sua casa – não estará (e não está) protegido pela inviolabilidade do lar, porque esta não protege criminosos em flagrante delito.
Mas, se não for esse o caso, a “determinação judicial” é regida pelo artigo 243 do Código de Processo Penal: “O mandado de busca deverá: I – indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem”.
Mesmo quando não houver número da casa ou nome da rua – é possível pensar numa situação desse tipo, em alguns bairros populares – é preciso indicar o local por seus pontos de referência.
Por isso se fala tanto em “trabalho de inteligência” no combate ao crime organizado. Porque não é possível partir do pressuposto de que, em um bairro ou uma rua, todos são criminosos até prova em contrário – pela simples razão de que não são.
Até porque, além de ilegal, não seria produtiva essa criminalização antecipada da população. Tudo o que se poderia conseguir com esses mandados “coletivos” é a absolvição dos criminosos, por anulação das provas obtidas por meio de mandados ilegais e inconstitucionais. Como lembra o jurista João Rossi, “os mandados coletivos de busca e apreensão podem trazer consequências ainda mais catastróficas, pois, afinal, se o ato é ilegal e inconstitucional, tudo que é fruto deste ato possui vício e não pode ser usado. O trabalho e dinheiro público investido perdem-se”.
Na verdade, tudo isso já aconteceu, já foi julgado e decidido pela Justiça, inclusive, no Rio de Janeiro, em que o Tribunal de Justiça recusou mandados “coletivos” para a Cidade de Deus, as favelas do Jacarezinho, Manguinhos, Mandela Bandeira 2 e para o Conjunto Habitacional Morar Carioca/Triagem.
Que tenhamos, a essa altura dos acontecimentos, de entrar em questões como a de que a lei deve ser igual para todos, princípio proclamado em 1789 pela Revolução Francesa (portanto, há mais de dois séculos), é a medida do atraso a que os servos do neoliberalismo – os Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer – levaram o país.
Inclusive em questões ainda mais elementares. Por exemplo, a de que é errado roubar, algo que já está nos 10 Mandamentos, que Moisés teria recebido de Jeová por volta do ano 1.500 Antes de Cristo – ou seja, há 3.500 anos.
Apesar dessa antiguidade milenar – e de não ser preciso qualquer lei para determinar que é errado roubar, embora existam várias para punir quem desrespeita o princípio -, Temer recebe propina (ou seja, rouba dinheiro do povo, pois é do nosso dinheiro que sai a propina), e continua no Planalto.
Roubar é errado, mas Lula, depois de roubar e ser condenado por roubar, acha que o problema são os juízes que, após um exame minucioso das provas contra ele, o condenaram em duas instâncias (cf. o embargo declaratório de Lula em relação à sentença do TRF-4, páginas 8 a 174).
Quanto ao ilustre senador Aécio Neves, existe até o vídeo de 30 minutos, em que esse ladrão acerta uma propina de R$ 2 milhões com o capo da JBS – mas o Senado recusou autorização para que ele fosse submetido até mesmo a medidas cautelares.
Temer, Lula, Aécio, Padilha, Moreira, Cunha, Geddel – e mais algumas dezenas de pilantras – constituem uma oligarquia política para a qual o certo é roubar – e roubar o povo.
PAPEL
Quanto a este último, se eles pudessem usar o Exército para reprimi-lo, é claro que o fariam. Seria o sistema perfeito: roubo em cima e pau embaixo. Se pudessem submeter o povo a um perpétuo “mandado coletivo de busca, apreensão e captura”, com as Forças Armadas garantindo o roubo de meia dúzia, é claro que, se pudessem…
No entanto – e a conferência do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que reproduzimos em nosso site (General Villas Bôas: o Brasil precisa de uma ideologia de desenvolvimento), o demonstra – as nossas Forças Armadas não são compostas de bonecos que se prestem a esse papel.
CARLOS LOPES