Michel Temer repete a mesma cantilena dos depoimentos de Lula na Lava Jato e jura que a fazenda, que fica na cidade de Duartina, interior de São Paulo, registrada em nome de seu laranja, o coronel aposentado João Baptista Lima, não é sua.
O coronel Lima é um dos operadores de propinas de Temer e é o proprietário da Argeplan, empresa que é investigada por irregularidades em um contrato de R$ 162 milhões para executar serviços na usina nuclear de Angra 3. A fazenda, que chegou a ser invadida algumas vezes pelo MST, estaria oficialmente em nome da empresa do coronel. Segundo executivos da J&F, Lima recebeu R$ 1 milhão de propina paga pela JBS para Temer.
O inquérito que investiga subornos pagos a Michel Temer em troca de um decreto para beneficiar empresas que atuam no Porto de Santos, entre elas a Rodrimar, pretende ouvir o coronel Lima, mas este vem apresentando atestados médicos protelatórios há pelo menos oito meses.
A PF pediu na sexta-feira ao relator, ministro Luiz Roberto Barroso, a prorrogação das investigações por mais 60 dias. O delegado responsável pelo caso, Cleyber Malta Lopes, reclamou da demora da Procuradoria Geral da República (PGR) em analisar pedidos feitos pela PF.
Na semana passada o diretor geral da PF, Fernando Segovia, indicado por Temer, já havia tentado abortar as investigações, insinuando que não havia provas, que o inquérito seria arquivado e que o delegado responsável poderia ser punido, se insistisse nas investigações. As declarações foram repudiadas por entidades de delegados. As denúncias das entidades, da OAB e do STF expuseram as pressões de Segovia para acobertar os crimes de Michel Temer. Ele foi obrigado a desmentir o que disse e teve também que comparecer na presença do ministro Luis Roberto Barroso, do STF, para dar explicações sobre sua atitude.
Segundo o executivo da JBS Ricardo, Saud a entrega de R$ 1 milhão – em dinheiro vivo – de propina da JBS para Temer foi feita diretamente para o coronel João Batista Lima, na sede da Argeplan, em São Paulo. A PF considera o interrogatório do coronel aposentado importante para esclarecer, entre outras coisas, suspeitas sobre papéis apreendidos na casa e na empresa do coronel.
Veja o depoimento de Ricardo Saud para a força-tarefa da Lava Jato:
Saud: O Temer me deu um papelzinho e falou: ‘Olha Ricardo, tem R$ 1 milhão que eu quero que você entregue em dinheiro nesse endereço aqui’. Me deu o endereço.
Procurador: O Temer falou isso?
Saud: O Temer falou isso, na porta do escritório dele, na calçada, só eu e ele na rua.
Procurador: Na Praça Panamericana?
Saud: Na Praça Panamericana. Eu peguei e mandei o Florisvaldo lá. Falei: ‘Florisvaldo, vai lá saber o que que é isso’. E lá funciona uma empresa que já foi investigada na Lava Jato, que é a tal de Argeplan.
Em 2015, a Eldorado, do Grupo JBS, havia acabado de iniciar as obras de seu terminal no Porto de Santos, coincidentemente comprado do Grupo Rodrimar, quando a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) decidiu embargar a construção, exigindo mais documentos. Ricardo Saud, diretor da JBS e hoje um dos colaboradores da Lava Jato, não teve dúvida: ligou diretamente para o então vice-presidente Michel Temer e foi resolver a pendência em Brasília. Ricardo Saud diz que esteve com Michel Temer na vice-presidência. Segundo ele, a solução teria surgido poucos dias depois. Ricardo Saud confirma que Temer, ainda na vice-presidência da República, atuou para facilitar a obtenção de licença. A ajuda foi solicitada a Temer porque, segundo o executivo, era ele quem controlava as nomeações na Codesp. Temer tinha uma atuação antiga no Porto de Santos (saiba mais).
Saud conta ainda que o senador cassado Delcídio do Amaral (PT/MS) recebeu um “mensalinho” de R$ 500 mil por dez meses, para atender a interesses da Eldorado.
Relatório preliminar da PF, feito em dezembro no âmbito do inquérito que investiga a edição do decreto dos portos, assinado por Temer em maio de 2017, menciona mensagens de celular que foram consideradas suspeitas. Em uma dessas mensagens, de 30 de abril de 2017, o militar aposentado escreve:
“Amiga, nessas condições, ainda tenho esperança de receber as ‘gorjetas’ que você não me deu. Bom domingo!”
Em outra troca de mensagens, de junho de 2016, Lima Filho conversa com um sócio de sua empresa, que lhe pergunta “se Rodrigo já teria feito contato”, de acordo com o relatório policial.
“Como a data da conversa se dá no período de prováveis atividades objeto da investigação, é possível que o ‘Rodrigo’ mencionado seja Rodrigo Rocha Loures, o que, todavia, poderá ser esclarecido em eventual interrogatório”.
Rocha Loures (MDB-PR), ex-assessor de Temer no Planalto e ex-deputado, é investigado no mesmo inquérito. Em abril de 2017, ele foi flagrado correndo com uma mala com R$ 500 mil entregue pela JBS e é suspeito de ter atuado no decreto do setor portuário. Ele foi flagrado também em conversa telefônica com o subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil, Gustavo Rocha, que foi advogado de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara e preso pela Lava Jato. Na conversa, Rocha Loures, auxiliar de “inteira confiança” de Temer, defende interesses de empresas que atuam no Porto de Santos.
Gustavo Rocha: “É uma exposição muito grande para o presidente se a gente colocar isso. Já conseguiram coisas demais nesse decreto”.
Rocha Loures: “O importante é ouvi-los.”
Gustavo Rocha: “A minha preocupação é expor o presidente em um ato que é muito sensível. […] Esse negócio vai ser questionado”.
Em outra gravação da conversa de Loures, homem sabidamente de confiança de Temer, com Ricardo Saud, executivo da JBS, ele menciona pessoas que poderiam ser intermediárias de repasses ilícitos para o próprio presidente, em troca da edição de ato normativo de específico interesse da Rodrimar”.
Rocha Loures: “Então vamos fazer o seguinte. Eu vou verificar com Edgar, se o Edgar… Tem duas opções: o Edgar ou o teu Xará”.
Ricardo Saud: “Pra mim é mais confortável com o Edgar”.
Rocha Loures: “Você não conhece e ele também não te conhece”.